Iniciamos com a celebração da Missa Vespertina da Ceia do Senhor o tríduo pascal, venerando a memória do Senhor crucificado, sepultado e ressuscitado. Com esta celebração tornamos presente a Páscoa de Jesus com os seus discípulos na Última Ceia, o mandamento novo do amor simbolizado no lava-pés e a instituição do sacerdócio, tornando realidade a afirmação que tantas vezes meditamos: a Eucaristia faz a Igreja, mas a Igreja faz a Eucaristia, uma vez que sem sacerdotes não há Eucaristia.
- A Páscoa de Jesus
A Páscoa judaica, tal como refere o livro do Êxodo que escutámos na primeira leitura, apresenta os dois elementos que a constituem: a imolação do cordeiro e a conclusão da Aliança do Sinai. O cordeiro imolado e a unção das portas das casas significavam que à passagem do Anjo exterminador, morressem apenas os primogénitos dos egípcios, deixando ilesos os filhos de Israel. A lei dada por Deus a Moisés foi selada com um sacrifício, constituindo-se assim como «reino sacerdotal e povo santo» (Ex 19,6). Estamos diante de factos que se realizam em três momentos distintos e ao mesmo tempo correlativos:
– a realidade do facto passado: a libertação de Israel do Egito e da escravidão, sendo elevado à dignidade de povo de Deus, tal como é proclamado no Sinai;
– a realidade presente: pelo rito pascal, celebrado todos os anos, renovam-se a libertação do Egito e a aliança, convertendo-se em ação de Deus a favor do seu povo;
– a realidade futura, escatológica: a Páscoa ritual do cordeiro e da aliança converte-se, na Eucaristia, em «nova e eterna aliança».
A imolação do cordeiro passou a ser realidade verdadeira e definitiva com a imolação de Cristo na Cruz, que se realiza sacramentalmente na Eucaristia. A Páscoa cristã é, portanto, a celebração da morte ou “passagem” de Cristo deste mundo ao Pai.
Se a morte de Cristo na Cruz é a Páscoa real, a Missa é a Páscoa memorial. Isto nos diz o Concílio Vaticano II: «O nosso Salvador instituiu na Última Ceia, na noite em que foi entregue, o Sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue, para perpetuar o Sacrifício da cruz no decorrer dos séculos, até que Ele venha, e assim confiar à Igreja, sua amada esposa, o memorial da sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal, em que se recebe a Cristo, a alma se enche de graça e nos é dado o penhor da glória futura» (SC 47).
- A instituição do sacramento da ordem
Os sacerdotes, pelo sacramento da Ordem, são consagrados, à imagem de Cristo sumo e eterno Sacerdote, para pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino, como verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento (LG 21). São chamados a prolongar a presença de Cristo, único e sumo Pastor, atualizando o seu estilo de vida e tornando-se como que a sua transparência no meio do rebanho que lhe é confiado. Anunciam a todos a palavra de Deus, exercem o seu ministério sagrado principalmente no culto eucarístico e, muito especialmente, exercem o ministério da reconciliação e do alívio, em favor dos fiéis arrependidos e dos doentes, e apresentam a Deus as necessidades e as orações dos fiéis. Desempenhando, na medida da sua autoridade, a função de Cristo, pastor e cabeça, congregam a família de Deus em fraternidade que tende para a unidade e conduzem-na por Cristo e no Espírito até Deus Pai.
- O mandamento novo do amor
Ao longo da história da Igreja, constata-se que aquilo que mede a perfeição das pessoas não é a quantidade de dados e conhecimentos que possam acumular, mas o seu grau de caridade. É santidade… ser pobre no coração; reagir com humilde mansidão; saber chorar com os outros; buscar a justiça com fome e sede; olhar e agir com misericórdia; manter o coração limpo de tudo o que mancha o amor; semear a paz ao redor; abraçar diariamente o caminho do Evangelho mesmo que nos acarrete problemas.
Para um cristão, a “única atitude condigna é colocar-se na pele do irmão que arrisca a vida para dar um futuro aos seus filhos” (G et Ex 102). A partir da civilização do amor social, é possível avançar para uma civilização do amor a que todos nos podemos sentir chamados.
Aveiro, 14 de abril de 2022
D. António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro