Homilia do Bispo de Santarém na Missa Crismal

Nos dois anos anteriores, por força da pandemia, tivemos limitações para a celebração da missa crismal. Este ano temos uma guerra, com consequências globais, e que continua sem se vislumbrar o seu fim. As guerras são derrotas no processo de desenvolvimento da humanidade. Como crentes, desejamos e suplicamos diariamente: “assim na terra como no céu”; mas há sempre alguém que difere e promove para os outros uma terra como o inferno. É o que as imagens da guerra sugerem. Entretanto, é de salientar a solidariedade global e também dos portugueses em apoio aos ucranianos nas mais diversas situações em que se encontram.

Como ensina a Igreja: “Esta Missa (crismal), que o Bispo concelebra com o seu presbitério e dentro da qual consagra o santo crisma e benze os outros óleos, é como que a manifestação da comunhão dos presbíteros com o seu Bispo” (CB, 274). Por isso mesmo, um significativo número de fiéis gosta de participar na Missa crismal, de certo porque ficam enriquecidos pela visibilidade e proximidade do conjunto dos seus pastores: os Presbíteros e o Bispo.

O sacramento da Ordem e a renovação das promessas sacerdotais ajudam a esclarecer a identidade espiritual dos presbíteros. São chamados a viver unidos e configurados com Cristo, para assumirem a sua Missão em comunhão com o Bispo: “não fostes vós que me escolhestes, fui Eu que vos escolhi”  (Jo 15,16) “permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós”(Jo 15,5). “A nossa vocação consiste em pôr à disposição de Cristo a nossa pessoa, o nosso coração, a nossa preparação, as nossas qualidades, o nosso tempo, a nossa oração, para que Jesus Cristo possa ser, através da nossa vida e ministério, o Pastor da sua comunidade. A nossa missão é tornar Cristo pastor presente, patente e operante na sua comunidade e no mundo” (Juan Maria Uriarte). É em comunhão de pertença à mesma Ordem e missão apostólica que aceitamos o mandato: “Ide”, “anunciai”, “ensinai”, “batizai”, “fazei isto em memória de mim”.

Somos chamados e enviados para promover o encontro do homem com Deus. Encontro que é decisivo para que a vida humana ganhe aquele horizonte e a dimensão de beleza, simplicidade e alegria que Jesus veio propor com o seu Reino. Para isso propomos: conhecer Cristo, a sua Palavra, celebrar a sua Páscoa e acolher o desafio de ser seu discípulo. Nesta missão apostólica, os presbíteros são anunciadores e dispensadores dos dons de Deus, dons que Deus dá na sua Igreja pelos presbíteros em situação regularizada para o conceder.

A renovação das promessas sacerdotais inscrevem-se na necessidade de cultivar a configuração com Cristo. Configuração que se traduz no cuidado por viver a vida com a maior coerência com aquilo que pregamos. Pede-se um estilo de vida com a marca de Cristo. Isto é, uma vida sacerdotal marcada, não pela ambição de bens materiais, mas pela dedicação generosa ao grande objetivo da vocação e missão sacerdotal e pastoral. O Papa Francisco não se cansa de chamar a atenção para a necessidade do testemunho evangélico na vida dos clérigos. É necessário estar no mundo para o tornar mais justo, mas sem cair em escravidões que nos roubam a liberdade de estar e a capacidade de uma vida com sobriedade.

O bom testemunho de um presbítero é fundamental para a missão da Igreja, povo de Deus. Por outro lado, um contratestemunho torna-se um prejuízo, um problema e uma tristeza. Vivemos em tempos economicamente difíceis para muitas famílias e também para a Igreja, para a nossa Diocese e suas comunidades paroquiais. Porém, a primeira preocupação deve estar em não relativizar a qualidade de vida sacerdotal, bem articulada com a missão das Paróquias e do Presbitério, de modo que a solidão não se torne uma rampa a resvalar para o vazio espiritual.

Caros Padres, Pastoral Familiar, Pastoral Juvenil e ambiente vocacional foi o que privilegiámos para o atual ano pastoral na nossa Diocese. Chamo a atenção para uma virtude comum: parece que vivemos num tempo em que a castidade deixou de ser uma virtude a considerar. Por isso mesmo, é necessário lembrar que todos os cristãos, homens e mulheres casados, os de vida consagrada, os jovens e os que vivem a viuvez, todos somos chamados a valorizar ou a descobrir a castidade como fonte de alegria e de unidade interior.

Relativamente à vida de um presbítero, o ambiente cultural em que vivemos não facilita a compreensão e aceitação de uma causa humana, inspirada no Evangelho, que inclua a consagração completa de uma pessoa. Reconheçamos, não é por heroísmo pessoal que nos mantemos, será sempre por referência e por contarmos com a graça, a ajuda de Cristo, que nos chamou e consagrou, que continuamos a afirmar: Sim, quero.  É Cristo a nossa confiança, é Ele que nos liberta e nos configura como “sacerdotes para Deus seu Pai”, como escutamos na leitura do Apocalipse.

Esta manhã de Quinta-feira Santa, leva-nos à recordação da nossa ordenação sacerdotal, etapa decisiva de uma história que se conta por desígnio de Deus, envolve o próprio, a família e a Igreja. Na verdade, a par de dificuldades no percurso, de certo, foram muitos os momentos, os sinais de esperança e alegrias que Deus vos suscitou no exercício do ministério e, através de vós, suscitou na vida de muitas pessoas.

Caros Padres, a renovação das Promessas sacerdotais e a Bênção dos Óleos dos Enfermos e dos Catecúmenos e a Consagração do Crisma, tudo isto é indicativo de que a Páscoa, é centro e fonte, e pede a nossa predisposição e preparação para que as celebrações que iremos presidir tenham intencionalidade e o efeito da renovação operada por Deus na vidas dos cristãos e das comunidades.

A graça desta renovação acontece quando deixamos que o protagonismo seja do Espírito Santo, o mesmo que mobilizou o Profeta Isaías e estava plenamente sobre Jesus na sinagoga de Nazaré, como escutámos no Evangelho.

Conforme o salmo responsorial, a unção do óleo santo aplicado ao rei David, a Cristo e a cada um de nós, assegura que Deus estará ao nosso lado, com a sua força, para nos sustentar na vocação e na missão que nos confia.

A Virgem Maria, consagrada por Cristo na cruz como Mãe dos seus discípulos, nos acompanhará.

Santarém, 14 de abril de 2022

D. José Traquina, bispo de Santarém

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Agência ECCLESIA

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