Antigo secretário-geral do Conselho das Conferências Episcopais Europeias destaca impactos da guerra e da pandemia, que se somam aos desafios do atual «inverno demográfico»
Lisboa, 03 abr 2022 (Ecclesia) – O padre Duarte da Cunha, que durante 10 anos foi secretário-geral do Conselho das Conferências Episcopais Europeias (CCEE), disse que a posição do Patriarcado de Moscovo perante a guerra na Ucrânia se tornou “insustentável”.
“Há unanimidade das Igrejas Cristãs na Europa na condenação da invasão”, refere o sacerdote de Lisboa, na entrevista conjunta Ecclesia/Renascença que é emitida e publicada em cada domingo.
O responsável destaca que existe o desejo de manter “as pontes que existem”, com Moscovo, ainda que “não possa haver ambiguidade naquilo que se diz na condenação da invasão e da guerra em geral”.
Segundo o convidado, vários responsáveis cristãos têm procurado “convencer o patriarca Cirilo e a Igreja Ortodoxa Russa, em geral, da necessidade de fazer o possível para travar uma guerra cuja justificação é nula”, admitindo uma mediação da Santa Sé, se a mesma for solicitada.
Apesar de sublinhar que, nas Igrejas Ortodoxas, a relação entre Igreja e Estado é “muito mais estreita do que no mundo ocidental”, o antigo responsável do CCEE disse esperar que Cirilo “fosse um grande apelador da paz”, o que não se tem verificado.
“Vejo-o com uma posição muito insustentável”, insistiu.
A 24 de março, o responsável pelas Relações Externas do Patriarcado Ortodoxo de Moscovo afirmou, numa carta aos bispos da União Europeia, que as relações entre o Ocidente e a Rússia “chegaram a um beco sem saída”.
O metropolita Hilário convida todas as partes a “renunciar à retórica do ultimato”, para estabelecer “canais de diálogo e organizar negociações oficiais e não oficiais que possam ajudar a alcançar uma paz justa”.
A posição foi tomada em resposta a outra carta do presidente da Comissão dos Episcopados Católicos da Comunidade Europeia (COMECE), na qual o cardeal Hollerich pedia ao patriarca Cirilo de Moscovo uma intervenção junto das autoridades russas, para travar a guerra na Ucrânia.
Cirilo tinha antes dirigido uma carta ao Conselho Mundial da Igrejas, indicando que “as origens do confronto estão nas relações entre o Ocidente e a Rússia”.
“Com o passar do tempo, as forças que consideravam abertamente a Rússia como um inimigo chegaram até às suas fronteiras”, escreveu.
O padre Duarte da Cunha mostrou-se ainda preocupado com as “pessoas que ficam esquecidas”, na Europa, admitindo que a guerra vai criar “novas periferias”.
O sacerdote do Patriarcado de Lisboa lamenta a falta de unidade dentro das lideranças europeias, reféns de “muitos interesses económicos, ideológicos e políticos”.
“Não há uma total transparência na União Europeia”, aponta.
O entrevistado participou, em março, nas III Jornadas Sociais Católicas Europeias, na cidade de Bratislava, onde se falou sobre o pós-pandemia e a recuperação do continente.
“Está aqui um problema que tem reflexos na economia, mas que é maior do que a economia. O problema da pandemia introduziu na vida social e nas relações humanas e nas famílias, e nas comunidades coisas diferentes e problemas novos que têm reflexo numa crise”, precisa.
O antigo responsável do CCEE sustenta a importância das famílias, para a sociedade, referindo que “as políticas de natalidade têm de ser sempre associadas a políticas de proteção da família”.
“Julgo que a Europa está muito assustada. Há uns 20 anos atrás ainda era só a Igreja que falava do inverno demográfico. Hoje já toda a gente fala”, acrescenta.
Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)