Jornal da Madeira — Passa da segunda maior Diocese do país para uma com características completamente diferentes e com uma dimensão muito mais reduzida, para além de ser uma ilha aberta às diferentes culturas. Como será essa transição? D. António Carrilho- É um desafio grande. Felizmente, tenho tido facilidade de adaptação aos diversos meios por onde tenho realizado a minha acção pastoral. Nunca senti qualquer dificuldade de adaptação por vir do Algarve para Lisboa. Quando vim para o Porto, as pessoas também diziam que ia ter dificuldades de adaptação, mas não tive. No Porto senti-me tão em casa como me senti em Lisboa e no meu Algarve. Espero que esta facilidade de adaptação que tenho tido me ajude também a adaptar-me com facilidade à nova realidade que é a Ilha da Madeira e o Porto Santo. Conheço alguma coisa, mas pretendo aprofundar esses conhecimentos. Vou dar tempo ao tempo. O D. Teodoro de Faria continua na Madeira e será uma preciosa ajuda. JM — Como se sente por vir substituir um bispo que já está no exercício de funções há 25 anos e ao qual os madeirenses estão habituados? DAC — Na vida da Igreja isto é absolutamente normal, porque Jesus escolheu os apóstolos, enviou-os e estes têm tido sucessores constantes ao longo destes dois mil anos. Portanto, a sucessão apostólica faz parte do mistério da Igreja. Mas relembro que D. Teodoro de Faria continua na Madeira e será para mim um irmão que me irá ajudar. Ao mesmo tempo, estou convencido que o povo, continuando a estimar e a querer muito a D. Teodoro de Faria, saberá também acolher o novo bispo. O novo bispo que vem não vai tirar o lugar a ninguém. Pelo contrário, vem suceder. Vem com a mesma missão, com a mesma responsabilidade e espero que a estima que têm por ele também me seja prestada e não me seja negada qualquer ajuda, não só na integração, como depois na actividade pastoral que temos para desenvolver. JM — O próprio D. Teodoro de Faria mostrou-se agradado quando o seu nome foi apontado para seu sucessor. O que pensa disso? DAC — Fico muito contente. Li a nota episcopal, que achei muito bonita. Isso alegra-me muito. É curioso que há dias estive a ver algumas fotografias da nossa última visita feita ao Santo Padre, que ocorreu em 1999, e numa delas, na Capela particular do Papa, pertinho dele, está o D. Teodoro, eu e o D. Maurílio Gouveia. Achei muito interessante, porque até me pareceu uma espécie de anúncio profético. A minha amizade por D. Teodoro de Faria já vem de há muito, do tempo em que ele estava no colégio português, em Roma, e dos encontros de amigos que temos tido. O D. Teodoro não sai por qualquer outra razão que não seja o limite de idade. Portanto, a sucessão é perfeitamente normal, já que esta é uma situação que acontece em toda a Igreja. Sucedemo-nos uns aos outros, na mesma missão, no mesmo serviço, dando continuidade e inovando naquilo que for necessário. JM — A sociedade actual está cada vez mais a afastar-se da Igreja e da religião, especialmente os jovens. Que estratégias é que podem ser usadas para cativar a população para estes valores? DAC — A Pastoral da Juventude é para mim uma grande prioridade. É difícil fazer confronto com outras acções pastorais, mas é uma prioridade grande. Como bispo presidente da Comissão Episcopal do Laicado e da Família, não posso deixar de prestar esta atenção aos jovens. Há muito a fazer com eles e por eles. JM — Nos dias que correm, muitos pais mandam os filhos para a catequese apenas com o intuito de que estes façam os Sacramentos, mas depois assiste-se a um divórcio entre os jovens e a Igreja. Como combater essa situação? DAC — É pena que esse divórcio ocorra, mas é pena também que a Catequese nem sempre prenda e nem sempre transmita aquela vivência que apanha a pessoa por dentro. O problema da juventude não está só em fazer a sequência do itinerário catequético, mas está em ir captando, através da descoberta e do conhecimento de Cristo, aquilo que significa sequi-Lo. No fundo, o que está em causa é um ideal. Tenho verificado que quando os jovens captam a figura de Jesus por dentro como ideal de vida agarram-se a Ele e seguem-No. Se aquilo que lhes é proporcionado não os atinge tão dentro e não se transforma a mensagem em ideal de vida, muito dificilmente permanecerão dentro daquilo que não seja a prática tradicional ou até mesmo afastar-se dela. Tenho a preocupação e sinto um grande desafio de uma aposta da Pastoral de jovens. Como vamos fazer, veremos. Outro aspecto fundamental é a família. JM — É presidente da Comissão Episcopal do Laicado e da Família. Acha que os valores da família estão a perder-se? DAC — Consta-me que na Madeira as famílias são unidas. Há um laço familiar que é firme e sólido. Mas é evidente que hoje, naquela sociedade multicultural, há muitos costumes, muitos comportamentos e uma mentalidade diversa. As pessoas estão em confronto e é difícil não se deixar influenciar. Portanto, considero importante que as famílias cristãs católicas descubram o valor do ideal do matrimónio cristão e sejam capazes de dar testemunho da alegria e da felicidade de viver em família cristã. Para mim, mais do que escrever coisas sobre a família, considero importante o testemunho de felicidade que as famílias cristãs têm, por vezes até no meio do sofrimento e das lutas da vida. Chegou a hora de apostarmos também na família, de um modo particular nos casais novos. JM — Como encara o facto de cada vez haver menos pessoas a enveredar pela vida religiosa? DAC — Penso que há também um trabalho a realizar nesse âmbito. JM — Terá de ser a aposta na juventude? DAC — Na juventude, na família e no conhecimento da verdadeira realidade e dimensão da vida da Igreja. Na sociedade corre a ideia de que afinal os leigos podem fazer o mesmo que os padres. É uma ideia um pouco diluída daquilo que é o específico do padre na vida da Igreja, que pode levar um pouco a um certo divórcio. Mas acho que se está também a fazer um caminho de recuperação e vamos continuar a fazê-lo. Na juventude, o tal ideal por Cristo tanto aponta para a linha sacerdotal como para a vida religiosa. Os jovens não devem ter vergonha da possibilidade de virem a ser sacerdotes ou religiosas. O que importa é que cada um encontre o seu caminho e nele seja feliz. JM- Qual será o futuro da Igreja se continuarmos neste caminho em que se verifica algum afastamento da religião e em que há cada vez menos pessoas a enveredar pelo sacerdócio e pela vida religiosa? Os leigos terão um papel importante? DAC — É difícil falar de um futuro abstracto. Também não quero ver o papel do leigo centrado na falta de sacerdotes e de religiosos e religiosas. Cada um tem a sua missão específica e a sua responsabilidade. Na Igreja, o bispo, os sacerdotes, os diáconos, os religiosos e os leigos fazem uma unidade. Portanto, não queremos de modo nenhum que os leigos se sintam relegados para substitutos ou para alguém que vem suprir a falta de sacerdotes e religiosas. Eles têm uma responsabilidade própria e é essa responsabilidade própria que nós queremos que assumam. JM — Como vê a actual relação entre a Igreja e o poder político? DAC — Há duas palavras para definir as relações entre a Igreja e os poderes públicos: Autonomia e cooperação. É aqui que se centra a questão, ou seja, respeitarem-se mutuamente as esferas diferentes daquilo que é específico dos poderes públicos ou de outras instituições e aquilo que é próprio da Igreja. Pelas pessoas, vamos fazer todos aquilo que melhor pudermos. Quando há boa vontade, gosto e desejo de trabalhar para o bem comum, serão sempre poucas as forças para realizar e responder às necessidades das pessoas. JM — A pobreza tem aumentado cada vez mais. Qual o papel da Igreja e da sociedade para combater este problema? DAC — Há dois aspectos importantes. Por um lado, uma assistência de ordem social da Igreja no campo da Pastoral social e caritativa. Há caridade individual, há uma caridade organizada, há uma ajuda que deve prestar-se, que é pessoal, que é de relação próxima e que muitas vezes faz falta, mesmo quando se diz que isso não resolve o problema. Mas ajuda. Depois, há um aspecto de ordem estrutural, na linha social e económica, em que a Igreja não pode calar a sua doutrina social, para ajudar as empresas, os responsáveis dos Governos, no sentido de que os caminhos que se trilham não olhem para interesses particulares, mas procurem promover um desenvolvimento que chegue o mais possível a todos. JM — Que mensagem deixa aos madeirenses, que o aguardam no dia 19 de Maio? DAC — Quero dizer aos madeirenses que irei para a Diocese do Funchal para ser cristão com eles. Conto com eles e peço que contem comigo. Irei procurar acolher os valores das tradições, mas olhar em frente para responder às novas necessidades e às novas realidades. Deixo também uma mensagem fraterna para aqueles que se encontram em terras distantes, para as comunidades madeirenses espalhadas pelo mundo, que sei que mantêm uma ligação próxima da Igreja e que contam muito com a presença, o apoio e a assistência do bispo. Espero dar continuidade àquilo que se tem vindo a fazer neste campo. Daqui a pouco, a Madeira terá um novo madeirense decoração. JM — No passado dia 11 de Fevereiro Portugal manifestou-se afirmativamente sobre a interrupção voluntária da gravidez. Como é que se prepara a sociedade para esta nova lei? DAC — Depois do referendo, a Igreja não retira nada àquilo que disse antes do mesmo. Apenas põe aos católicos a questão da consciência. Nem sempre aquilo que é legal é bem na ordem moral. A Igreja é pela vida porque considera que o princípio de uma pessoa é uma pessoa no seu princípio. Por conseguinte, mantemos essa posição. Perante a lei, desejamos que os católicos se assumam em consciência e sejam coerentes. Vamos procurar apoiar o mais possível todas as estruturas e instituições que ajudem ao esclarecimento das consciências e apoiem as pessoas com problemas. Daremos todo o apoio a quem quer salvaguardar as vidas que estão para nascer, ou que nasceram e passam por dificuldades. JM — Também considera que o Governo deve ter algum cuidado na aplicação desta lei? DAC — Mesmo publicando a lei, penso que os governos deviam mostrar que dão muito mais valor à vida do que à destruição dela. Às vezes investe-se mais na destruição do que na promoção. Então, ajudem-se aqueles que querem apoiar a vida e não simplesmente se esteja a facilitar e a tomar como solução o que já se viu que não é solução para um problema desta natureza.