Mensagem de Quaresma do Bispo de Beja A oração da Igreja é a expressão mais perfeita do ideal de vida cristã e também uma ajuda imprescindível para a pôr em prática. Num ritmo anual, que se enriquece por períodos trienais nas celebrações de domingo e bianualmente na oração diária durante os dias de semana, a Liturgia, assim se chama a oração oficial comunitária da Igreja, traça-nos um percurso de vida cristã, que vale a pena adoptar, se queremos crescer e ser perfeitos como Deus o é. Quem não deseja ser perfeito, não é humano e muito menos cristão. A fé cristã vem em auxílio da fraqueza humana, capacitando-a para realizar a sua perfeição, que, por vezes, nos parece difícil e até impossível. O tempo da Quaresma e da Páscoa constitui o núcleo forte e intenso da oração da Igreja e, por isso, como Pastor que deve ser o Bispo, sinto meu dever dirigir à porção do Povo de Deus que me foi confiado, os cristãos da diocese de Beja, um apelo para aproveitarmos bem este tempo, pondo-nos em sintonia com a oração da Igreja. Olhar para aquele que foi trespassado por nosso amor Em sintonia com o Papa Bento XVI também eu começo por pedir que olhemos para Aquele que é autor e modelo da nossa fé, Jesus Cristo, sobretudo para o momento mais eloquente da sua vida, suspenso da cruz, com o coração trespassado por uma lança, entregando a sua vida a Deus por nosso amor e para perdão do nosso pecado, causa da sua morte injusta e violenta. É preciso corresponder a este amor e comprometer-se depois a transmiti-lo aos outros: Cristo atrai-me para si para se unir comigo, para que eu aprenda a amar os irmãos com o seu mesmo amor, diz-nos Bento XVI na referida mensagem. E mais adiante: Contemplar “Aquele que trespassaram” estimular-nos-á desta forma a abrir o coração aos outros reconhecendo as feridas provocadas à dignidade do ser humano; impulsionar-nos-á, sobretudo, a combater qualquer forma de desprezo da vida e de exploração da pessoa e a aliviar qualquer forma de desprezo da vida e de exploração da pessoa e a aliviar os dramas da solidão e do abandono de tantas pessoas. A Quaresma atinge precisamente o seu auge na Páscoa, celebração da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, o único que nos pode salvar do pecado, do homem egoísta, injusto, violento, carrasco do seu semelhante e converter-nos em samaritanos misericordiosos. Afirmação da vida em relação de amor Uma parte do povo português acaba de dar o seu sim a um projecto de lei, que afirma a defesa da vida da mulher chamada a ser mãe contra o dom de uma nova vida a surgir no seu seio. Embora compreendendo os temores e dificuldades de aceitar contribuir livre e generosamente para a vida de novos seres, sobretudo numa sociedade que afirma cada vez mais o individualismo e o ter mais que o ser, os cristãos, olhando para Jesus Cristo e para tantas suas testemunhas e discípulos fiéis através dos séculos, não podem pactuar com os critérios dum espírito mundano, sem fé, sem dimensão transcendente, que vê a realização plena da vida humana na Boa Nova anunciada, vivida e testemunhada pela Igreja. Na Quaresma somos convidados a considerar aquilo que somos e queremos ser à luz de Jesus Cristo. A vida marcada pelo amor, que nos torna generosos, disponíveis para ajudar, felizes e alegres no perdão e na colaboração para uma sociedade pacífica e reconciliada é um desafio sempre ameaçado pela tentação da afirmação do individualismo e do êxito do efémero. Afirmando um estilo de vida à maneira de Jesus Cristo, daremos também o nosso contributo para uma sociedade amiga da vida e daqueles que sofrem, para que ninguém tenha de recorrer à eliminação da vida de outro ser para afirmar a sua própria, mas antes veja na vida dos outros uma riqueza para a afirmação da sua própria. Partilha fraterna e renúncia quaresmal Para nos ajudar a vencer esta tentação, a par da participação na oração comunitária da Igreja, em família e pessoalmente, também este ano somos convidados a dar um sinal do nosso desejo de perfeição e de conversão, partilhando um pouco do nosso bem estar com aqueles que, num mundo com grandes fontes de riqueza material, é cada vez mais injusto na sua distribuição. Na Quaresma de 2006 os cristãos da diocese de Beja partilharam o resultado das suas poupanças, renúncias e sacrifícios com a Fundação Manuel Gerardo, orientada pelas Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, que têm aos seus cuidados 36 meninas até aos 18 anos e 8 com mais de 18, e também com a paróquia de S. Miguel da Calheta, diocese de Santiago de Cabo Verde, a mãos com um projecto social e pastoral, cujo orçamento atinge cerca de 350 mil Euros. O resultado dessas renúncias entregues nos serviços diocesanos somou um total de 19.662 Euros e 41 cêntimos. Que Deus retribua com a riqueza dos seus dons a quem generosamente partilhou e abra o coração de todos aos mais pobres dos nossos irmãos. Em 2007, o Conselho Presbiteral pensou em orientar o produto das nossas renúncias quaresmais, uma parte para ajudar a lançar uma obra de apoio a mulheres grávidas com dificuldade, que está a ser criada em Portalegre e que se chama “A vida nasce”, e outra parte para um projecto de um país com acentuados problemas de pobreza. Escutando o apelo do Bispo de Meliapor, na Índia, queremos contribuir para a construção dum centro de espiritualidade sacerdotal, que será um monumento de gratidão aos nossos missionários. Esta será também uma maneira de recordarmos a nossa história missionária com grandes expoentes que ainda hoje lembram o nome de Portugal no mundo, como S. Francisco Xavier, S. João de Brito, etc. Deste modo queremos também despertar para a nova evangelização do Alentejo, que também contribuiu com grandes personagens para essa história missionária no mundo. Com os votos de um tempo de Quaresma de olhos voltados para Jesus Cristo, fixos na sua Palavra e no seu testemunho de vida e um coração sensível aos mais pobres da nossa sociedade e do nosso mundo, para podermos celebrar a plenitude da vida na Páscoa, subscrevo-me com amizade por todos e cada um dos cristãos e cidadãos do Baixo Alentejo. † António Vitalino, Bispo de Beja