Neste ponto a vida tem respostas

«Ponto de Apoio à Vida» ajuda mulheres grávidas em dificuldades e seus filhos Maria tem dois filhos e 21 anos. Tinha 15 anos quando descobriu que estava grávida pela primeira vez. Nessa fase da vida contou com o apoio do namorado de então e pai da criança, e da família da parte do namorado. Durante cinco anos criou a sua família “onde tudo corria bem”, mas depois separou-se do namorado. No Alentejo, de onde é natural, passou a trabalhar no campo, “onde o trabalho não é constante”. A viver sozinha com a filha, conheceu uma pessoa “com quem namorei e de quem engravidei”, na altura com 20 anos, recorda Maria. Foi aqui que desesperou porque “não tinha condições para criar outro filho”, e encontrava-se na altura sem emprego. Sozinha com apoio da avó e da irmã, que trabalhavam também para se sustentar, escondeu a gravidez até aos sete meses e começou a entrar em depressão. Com a ajuda da irmã acabou por ser consultada no hospital e a assistente social falou-lhe de uma instituição, em Lisboa, que ajudava mulheres grávidas. Há dois anos que vive na Casa de Santa Isabel, do Ponto de Apoio à Vida, onde está actualmente com o filho de 16 meses. A filha de seis anos está com o pai “que eu acompanho e com quem contacto quando vou ao Alentejo”, afirma Maria. O João é um dos bebés que conseguiu um lugar na creche mas, nem todos têm. Durante o dia, Maria trabalha em casa de duas senhoras, a fazer serviço doméstico. Quando chega a casa, é hora de tratar do banho e de dar atençãoao João. Agora com a vida encaminhada recorda que “não sabia que havia instituições que ajudavam mulheres grávidas, sempre pensei que ajudavam apenas crianças desprotegidas”, afirma Maria. Maria, nome fictício, é uma das 32 mulheres que esta Instituição Particular de Solidariedade Social já ajudou na sua curta história. João, nome fictício, é uma das 27 crianças que nasceram porque alguém ajudou as suas mães, numa altura de desespero. Nomes fictícios com rostos e histórias reais. Uma casa para nove mulheres Mara Mota é directora técnica e assistente social no Ponto de Apoio à Vida, precisamente na Casa de Santa Isabel, o local que acolhe actualmente nove mulheres, quer isto dizer que está na sua capacidade máxima. Para além desta habitação, na baixa de Lisboa, onde se juntam para além das mulheres, sete crianças, dispõem de dois centros de atendimento, em Cascais e no Lumiar. “A equipa que temos tem capacidade para acompanhar mais mulheres”, mas a casa não acompanha essa capacidade. Uma equipa onde se incluem assistentes sociais, psicóloga, técnica de inserção profissional, seis monitoras na casa que, por turnos, acompanham 24 horas por dia as mulheres e asseguram o funcionamento da casa. Ainda se juntam “cerca de 50 a 70 voluntários” nas mais variadas áreas, entre médicos, juristas, enfermeiros, ou “de outras áreas que, independentemente da sua vida se disponibilizam para ajudar”, explica a directora técnica. Na baixa lisboeta, ocupam três dos cinco pisos de um prédio que pertence à autarquia. Por três pisos se têm de dividir quartos, sala de estar (que simultaneamente funciona para refeições, ver televisão e brincadeiras das crianças – porque a sala dos brinquedos é também muito pequena), cozinha, casas de banho, salas para brinquedos, sala de arrumações, sala de formação, escritórios. “O nosso desejo e sonho é ter uma casa onde possamos ter mais espaço e um local para as crianças brincarem ao ar livre”, mas não passa ainda de um desejo, explica Mara Mota. Luta pela Vida Esta IPSS nasceu em 1998, no pós referendo, por iniciativa de particulares, “na altura muito ligados à campanha pelo Não”, que decidiram fazer algo de concreto para ajudar as mulheres. Em 2003 concretizaram o projecto de ter uma casa de acolhimento temporário. Mas há todo um trabalho de atendimento e acompanhamento que realizam, nos centros de Cascais e Lumiar. Até à data foram atendidas 900 mulheres. As solicitações são muitas, a vontade de ajudar também. Durante a reportagem, novos pedidos de ajuda apareceram. As respostas vão surgindo conforme a disponibilidade da casa mas também das outras instituições com quem trabalham em parceria. Por iniciativa própria ou através de contactos, as solicitações acontecem numa altura “geralmente de grande risco e de sos para as mulheres”, regista Mara Mota. A escassez de respostas para mulheres grávidas é diminuta. O Ponto de Apoio à Vida é uma dessas poucas respostas. As situações são diversas, e os factores conjugam-se. Mulheres grávidas, que não planearam a sua gravidez, que “se vêem numa conjectura difícil”, onde se insere o fragilidade emocional, situação ilegal no país, desemprego, “e daqui advém outras consequências a nível alimentar, habitacional”, abandono do pai da criança e da família também. Aqui a mulher é recebida “com toda a sua dignidade e trabalhamos pelo seu desenvolvimento integral”, sublinha Mara Mota. A vivência que as mulheres têm é igual ao dia a dia de quem não vive numa instituição, de acordo com as idades das mães e da sua formação, porque se algumas já trabalham, outras estão ainda em idade de estudar, e é isso que acontece. “A mais nova que aqui vive tem 16 anos e está precisamente a estudar”, explica. A grande aposta nas que são maiores “é a sua formação profissional”. Há horários e também responsabilidades, “porque se vive em conjunto e tem de haver algumas regras”, aponta a directora técnica. As tarefas são todas partilhadas. Na Casa de Santa Isabel há também lugar para a formação, na área humana, “centrada no conhecimento do corpo da mulher, da sexualidade para a auto valorização”, cuidados maternais, preparação para o parto e cuidados a ter com as crianças, e também na área da Segurança Social e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. A estadia na Casa é muito variável “atendendo à situação específica de cada uma delas”. Normalmente ficam até dois anos após o nascimento da criança, mas nunca se vão embora sem terem a sua vida encaminhada. “Há um trabalho simultâneo com as famílias, que são a base, e que lhes devem dar apoio. Quando isso não acontece, só saem quando estão reunidas as condições para que se possam autonomizarem”, aponta Mara Mota. Algumas mulheres recebem visitas de familiares. “Sempre que possível tentamos reatar os laços familiares”, mas são poucos. Das dificuldades surgem os desafios Uma grande dificuldade é ao nível de obter emprego. “As respostas da nossa rede são muito escassas”. Se inicialmente surgem empregos, há dificuldade para dar continuidade a esse encaminhamento, ou porque as creches estão lotadas, ou a entidade patronal não tem capacidade para as acolher “porque estão ilegais, ou têm filhos ou estão grávidas”, situações que constituem alguns entraves e impedimentos no sucesso que pretendem. Financeiramente também é complicado. A segurança social contribuiu com menos de 50% do orçamento necessário, mas ninguém come pela metade. “O resto chega-nos através de donativos, uns esporádicos outros mais constantes”, explica. Quando as as mulheres têm emprego “tentamos que elas possam gerir o seu próprio dinheiro”, suportem a creche do filho ou outras despesas pessoais, “mas que são sempre valores simbólicos”. O objectivo é sensibilizar para que ganhem consciência de que “precisam de fazer contas para se sustentarem quando tiverem casa própria” e ali não deve ser diferente, explica Mara Mota. Rostos que dão sentido à vida Sete crianças dão alegria à Casa de Santa Isabel presentemente. O mais velho tem cinco anos, o mais novo tem cerca de 20 dias. As tarefas habituais exigem a ausência de muitas mulheres durante a tarde. Mas à hora do almoço todos se juntam num ambiente familiar. Ao final da tarde quando todas as crianças regressam “é uma alegria com banhos e brincadeiras pelo meio”. Situações que inevitavelmente vão criando laços, “havendo uma entre ajuda entre todas e entre as crianças”, dá conta Mara Mota. À frente da instituição desde 2003, este é um projecto de vida para Mara Mota, que sempre quis trabalhar nesta área. “É muito gratificante e um grande desafio diário”, porque problema resolvido, novo problema surge. Mas perceber que as mulheres se sentem apoiadas e conseguir respostas para a sua vida “é muito gratificante”. Pela casa encontram-se muitas fotografias espalhadas. Rostos de crianças no banho, a brincar, a comer. Fotografias de crianças que nasceram e cresceram na Casa de Santa Isabel e são testemunho da realidade que ali encontram. O laço nunca se quebra. “Vamos acompanhando a situação das que saem através de notícias, telefonemas e visitas”, explica Mara Mota. A Maria vai voltar para o Alentejo. A equipa do Ponto de Apoio à Vida desenvolve esforços para que a Maria tenha um emprego e uma casa, e para que possa regressar para junto da sua família e da sua filha. Esta é mais uma vida que contou com apoio e é sinal de que os casos de sucesso existem e são muito gratificantes.

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