Cuidados paliativos: tempo, espaço e fé cristã

A propósito da celebração do Dia Mundial de Doente, uma reflexão sobre o tema central da mensagem de Bento XVI Se é verdade o que diz Teixeira de Pascoais – que ao animal pertence o espaço, e que é ao homem que cabe o espaço e o tempo – ao falar dos cuidados paliativos a partir da fé cristã, ‘dar tempo’ acaba por ser o segredo de uma vida que quer ser vivida como vida entregue, como vida dada ao jeito de Jesus. Podemos exprimi-lo com palavras próximas de B. Cadoré (2001): Ao permitir ao doente através do controlo dos sintomas re-habitar o seu corpo, re-haver a sua dignidade, olhar e ver o outro, fazer frente à morte, re-apropriar-se da sua finitude, descobre-se como é misterioso o Rosto e divina a Palavra; e como é difícil, e raro, e crítico o dom do nosso ser. Os cuidados paliativos procuram controlar os sintomas (em particular a dor) aliviando o sofrimento – e não prolongando o morrer e o sofrimento que ele comporta – ajudando o doente a resolver as obrigações pendentes, e preparando aquele último momento através do reforço das ligações emocionais. Procuram que o sentido da vida possa ser reencontrado, ou até descoberto, permitindo que a existência chegue verdadeiramente à completude de uma vida cumprida, com a sua dignidade e integridade (Steinhauser, Ann. Int. Med., 132, 10, 2000). Um estudo realizado em perto de mil doentes – oncológicos ou com insuficiência cardíaca ou respiratória – repetido a mais de metade deles (sobreviventes) seis meses depois (Emmanuel, J. Pal. Med., 3, 419, 2000), apontava como mais importante para o quotidiano do doente, as dimensões espirituais e religiosas, que permitiam a compreensão do sentido quanto seu ao desígnio pessoal. A ‘aceitação’ e a ‘boa comunicação’ numa relação médico-doente vêem também referidas; mas a seguir. A Medicina – e particularmente a Clínica (“inclinar-se” à cabeceira do doente) – corresponde a uma atitude de curar aquele que tem cura e cuidar de todos os doentes, aliviando o seu sofrimento. Na tradição cristã, a actividade médica e, particularmente, a figura do clínico, é interpretada com referência à parábola do bom samaritano (Lc 10,29-37). Esta parábola insere-se num diálogo de Jesus com um doutor da Lei que mostrava compreender bem o centro das tradições éticas próprias da experiência de fé de Israel, unindo dois momentos sintéticos fundamentais: o amor a Deus (com referência a Dt 6,5) e o amor ao próximo (com referência a Lv 19,18). Mas qual é a extensão do mandamento de amar o próximo? É a esta pergunta do doutor da Lei que responde a parábola de Jesus. A parábola, porém, inverte a pergunta inicial: não se trata de saber quem tem direito à tua ajuda ou ao teu amor; trata-se de compreender como e a quem tu estás em condições de fazer algum bem. O amor, que é o cumprimento da Lei, não está delimitado por prévios limites de proximidade. É mesmo ele, esse amor, que nos pede que sejamos criadores de proximidade. Nesta reflexão teológica, podemos afirmar que amar o próximo, no concreto da existência, é fazer sua, de forma livre e responsável, a própria intencionalidade amante e salvadora de Deus tornada próxima, revelada plenamente na humanidade de Jesus. Tornar-se próximo de que tem necessidade, de quem sofre, e cuidar dessa pessoa exactamente e só porque precisa, porque sofre: não está aqui o fundamental de toda a Medicina, e, em particular, dos Cuidados Paliativos? Dossier AE XV Dia Mundial do Doente – a mensagem do Papa Declaração da Rede Europeia de Capelanias Hospitalares sobre Cuidados Paliativos “Impossível curar… que fazer?” Bons cuidados paliativos para respeitar os doentes

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