Sobre o referendo de 11 de Fevereiro

Reflexão de D. Manuel Felício, Bispo da Guarda No dia 11 de Fevereiro vamos ser chamados às urnas para referen­dar a vida. Vai-nos ser perguntado se aceitamos ou não que uma vida humana seja destruída nas primeiras 10 semanas do seu ciclo vital, única e exclusivamente a pedido da mãe. Todos temos consciência de que o aborto é uma chaga social, que aflige muitas pessoas e gera, de facto, dramas humanos incalcu­lá­veis. Mas será que se pode combater qualquer mal, pessoal ou so­ci­al, legalizando-o? A resposta tem de ser claramente que não. Imaginemos o que aconteceria com outros males sociais, se pura e simplesmente os legalizássemos ou nada fizéssemos para os com­bater. É dispensável recorrer a exemplos. Portanto, a única atitude digna e humanamente aceitável, no caso do aborto, é congregar esforços para desfazer as verdadeiras causas desta chaga social. Fazer de outra maneira é seguir uma política de aves­truz. Também temos consciência de que na decisão de fazer ou não fa­zer um aborto estão em jogo duas realidades e não só uma: a liber­dade da mãe, por um lado e os direitos do seu filho, pelo outro. A liberdade da mãe está necessariamente condicionada pela deci­são anteriormente já tomada de conceber o filho. Por sua vez, o filho, livremente concebido, mesmo ainda no ventre de sua mãe, é alguém distinto dela, com projecto de vida próprio, que só não se cumprirá até ao fim se houver qualquer intervenção abu­si­va no processo. Qual destas duas realidades vamos escolher em 11 de Fevereiro – a liberdade da mãe para se desfazer do seu filho, por razões que só ela ficará a conhecer, pois segundo o que se pergunta não é neces­sário revelá-las a ninguém, nem sequer ao pai ou a vida do filho, que, mesmo indefe­so, é sujeito de direitos, o primeiro dos quais é o direito à vida e a ser protegido de quem lha queira tirar? No processo da escolha, é necessário dar atenção, entre outros, aos seguintes dados que o debate público em curso sobre o aborto está a mostrar. 1º) Quem se dispõe a escolher a liberdade da mãe pura e simples­mente, deixa o filho até às dez semanas sem qualquer protecção da lei e sabe que ele vai ser eliminado, portanto condenado a morrer. 2º) Quem defende, neste referendo os direitos do filho tem do seu lado muitas provas já dadas de que a situação das mães em dificul­da­de não está a ser ignorada, porque são muitas as iniciativas colo­cadas no terreno para ajudá-las a criar todas as condições neces­sári­as para que a sua escolha nunca seja contra o filho. E, graças a Deus, há hoje muitíssimas mais dessas provas dadas do que havia em 1998. São, de facto, incontáveis e em volume cres­cen­te incalculável as pessoas e as instituições que, no terreno, lu­tam por criar redes de solidariedade para apoiar as mães colo­cadas diante da tentação do aborto. Ficava, por isso, muito bem ao nosso Governo e às estruturas partidárias que o apoiam entrar nesta assi­na­lável rede de solidari­edade, em vez de optar irresponsavelmente pela solução mais fácil. Também não podemos admitir que ainda haja hoje quem, em nome de valores socialmente sagrados como a democracia e a tolerância, queira tapar a boca aos que trabalham para que a decisão de 11 de Fevereiro seja tomada com base na verdade conhecida como tal e não embrulhada em processos emotivos que encobrem a verdade e podem falsear os resultados. Porque ao defendermos e promovermos a democracia, entendemo-la como instrumento de bem estar para todos os cidadãos; e se al­guns houver que devam ser privilegiados, que sejam os sem voz, os que não têm meios para se defender. É assim que entendemos o princípio da discriminação positiva, que a democracia consagra. Também não basta falar em tolerância sem mais. É necessário dizer a quem desejamos aplicar a tolerância. No caso do aborto, é preciso dizer claramente se a tolerância é só para a mãe que quer desfazer-se da criança que já anteriormente decidiu gerar ou se também se deve aplicar ao filho. Nós pensamos que se pode e deve aplicar a tolerância às duas partes. Assim, exercer a tolerância em relação às mães que passam pela tentação de recorrer ao aborto ou chegam mesmo a praticá-lo si­gnifica, primeiro, ajudá-las a reconhecer que o aborto nunca pode ser solução; significa, depois, ajudá-las materialmente a resol­ve­rem os seus problemas económicos, sociais, humanos, psico­lógicos para que exerçam a sua responsabilidade maternal com dignidade; e, se porventura for de todo inviável que a mãe cuide do seu filho, proporcionar que esse cuidado seja prestado por outras pessoass ou instituições. Por sua vez exercer a tolerância em relação ao filho é dar-lhe a opor­tunidade de viver e saborear a vida, como já o está a fazer a sua mãe. Por isso quem argumenta com a democracia e a tolerância para pretender impor silêncio aos que trabalham para dar a conhecer a verdade dos factos conhecida como tal de duas uma: ou está de má fé ou está prisioneiro de preconceitos e ideologias que nada de bom auguram ao futuro da Humanidade. A democracia e a tolerância pedem-nos, isso sim, que no dia 11 de Fevereiro, demos o nosso contributo para defender os direitos de todos, a começar pelos mais fracos, que não têm meios para se defender. Este é um dos casos em que se deve aplicar o princípio democrá­tico da discriminação positiva e, em consequência, votar “não”. Guarda, 26 de Janeiro de 2007

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