Vaticano: Papa aponta para «crise de fé» e «desaparecimento do desejo de Deus»

Celebração do «Dia de Reis» deixa desafios às comunidades católicas, para que superem religiosidade « convencional, exterior, formal»

Foto: Lusa/EPA

Cidade do Vaticano, 06 jan 2022 (Ecclesia) – O Papa presidiu hoje no Vaticano à Missa da solenidade da Epifania, conhecida popularmente como “Dia de Reis”, em Portugal, alertando para o que designou como “desaparecimento do desejo de Deus”.

“Na nossa vida e nas nossas sociedades, a crise da fé tem a ver também com o desaparecimento do desejo de Deus. Tem a ver com a sonolência do espírito, com o hábito de nos contentarmos em viver o dia a dia, sem nos interrogarmos acerca daquilo que Deus quer de nós”, declarou, na homilia da celebração a que presidiu na Basílica de São Pedro.

Francisco evocou o exemplo dos três Magos que, segundo os Evangelhos, partiram do Oriente em “peregrinação”, ao encontro de Jesus, recém-nascido, convidando todos a fazer a mesma “viagem da fé”.

“Não estaremos já há bastante tempo bloqueados, estacionados numa religião convencional, exterior, formal, que deixou de aquecer o coração e já não muda a vida?”, questionou.

“É triste quando uma comunidade de crentes já não tem desejos, arrastando-se, cansada, na gestão das coisas, em vez de se deixar levar por Jesus, pela alegria explosiva e desinquietadora do Evangelho”, acrescentou.

Os Magos desafiam Herodes. Ensinam-nos que temos necessidade duma fé corajosa, profética, que não tenha medo de desafiar as lógicas obscuras do poder, tornando-se semente de justiça e fraternidade numa sociedade onde, ainda hoje, muitos ‘herodes’ semeiam morte e massacram pobres e inocentes, perante a indiferença da multidão”.

O Papa destacou que os três Magos, sábios e ricos, se deixaram “inquietar por uma pergunta e um sinal”, o da estrela, citando a homilia de Bento XVI, Papa emérito, na celebração deste dia, em 2013.

“Esta saudável inquietação, que os levou a peregrinar, donde nasce? Do desejo. Eis o seu segredo interior: saber desejar. Meditemos nisto. Desejar significa manter vivo o fogo que arde dentro de nós e nos impele a buscar mais além do imediato, mais além das coisas visíveis”, realçou Francisco.

A homilia sublinhou que a vida é um “mistério” que ultrapassa o ser humano e evocou o testemunho do pintor holandês Vincent van Gogh (1853-1890), o qual escreveu que “a necessidade de Deus o impelia a sair de noite para pintar as estrelas”.

Somos aquilo que desejamos. Porque são os desejos que ampliam o nosso olhar e impelem a vida mais além: além das barreiras do hábito, além duma vida limitada ao consumo, além duma fé repetitiva e cansada, além do medo de arriscar, de nos empenharmos pelos outros e pelo bem”.

O Papa afirmou que é necessário “erguer o olhar para o céu” para combater “a bulimia de comunidades que têm tudo e muitas vezes já nada sentem no coração”.

“A falta de desejo leva à tristeza e à indiferença”, insistiu.

Foto: Lusa/EPA

Francisco falou de várias “lições” dos Magos, que ensinam a “partir sempre, todos os dias”, ouvindo as perguntas do coração, e a percorrer “estradas novas”.

A este respeito, o Papa falou do processo sinodal 2021-2023, que envolve as dioceses de todo o mundo, sublinhando a necessidade de “caminhar numa escuta conjunta, para que o Espírito sugira caminhos novos, estradas para levar o Evangelho ao coração de quem é indiferente, vive alheado, de quem perdeu a esperança”.

Tal como fizera nesta data, em 2020, apresentou a adoração como exigência da fé para superar os riscos ligados ao “egoísmo”.

“Não esqueçamos a adoração: detenhamo-nos diante da Eucaristia, deixemo-nos transformar por Jesus”, pediu.

O mundo espera dos crentes um renovado ímpeto para o Céu. Como os Magos, levantemos a cabeça, ouçamos o desejo do coração, sigamos a estrela que Deus faz brilhar sobre nós. Como buscadores inquietos, permaneçamos abertos às surpresas de Deus. Sonhemos, procuremos, adoremos”.

A Epifania, palavra de origem grega que significa ‘brilho’ ou ‘manifestação’, celebra-se sempre a 6 de janeiro nos países em que é feriado civil; nos outros países, assinala-se no segundo domingo depois do Natal, como aconteceu em Portugal, este ano, a 2 de janeiro.

Na Missa deste dia, depois do Evangelho, anunciam-se as festas móveis do calendário litúrgico, segundo a fórmula indicada pelo Missal Romano: “Sabei, irmãos caríssimos, que, pela misericórdia de Deus, assim como nos alegramos com o Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, também vos anunciamos a alegria da Ressurreição de Jesus, nosso Salvador”.

Em particular, é anunciada a data da Páscoa deste ano (17 de abril) e as datas litúrgicas que lhe estão associadas, como as Cinzas, no início da Quaresma (2 de março), e o Pentecostes (5 de junho), além do primeiro domingo do Advento (27 de novembro), tempo de preparação para o Natal.

OC

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Agência ECCLESIA

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