A vida humana antes do nascimento

…é mais fácil fazer cessar a vida do que criar condições nas pessoas e na sociedade para que persista e se desenvolva. 1. Como se sabe, não existem estatísticas confiáveis sobre a prática do aborto no nosso país. No entanto, os números invocados sugerem que a prática do aborto provocado, ainda que ilegal e clandestina, é admitida, tolerada e aceite na nossa sociedade. Significa, sobretudo, que embora se admita que constitui um drama pessoal dilacerante e um sofrimento irreparável, o aborto é encarado por muitas pessoas como a única solução para situações que entendem não se poder resolver de outro modo. Esta atitude tão generalizada é suportada pela banalização e desvirtualização da sexualidade e, sobretudo, pelas circunstâncias muito difíceis da vida das pessoas e dos casais. A sociedade não se organiza para as mulheres e os homens viverem adequadamente os vários domínios do seu desenvolvimento pessoal. A vida não tem descontinuidades. A formação de um novo ser humano resulta da fusão de dois fragmentos do corpo materno e do corpo paterno que são duas células altamente especializadas com metade dos cromossomas de cada indivíduo adulto. Esta fusão inicia uma nova cadeia de actividades sucessivas com os materiais provenientes dos dois progenitores, actuando como se fossem dois sistemas complementares. A vida humana tem evoluído ao longo de milhões de anos através deste complexo mecanismo. Nos cromossomas está inscrito um programa que distingue cada corpo humano de todos os outros (incluindo os dos seus progenitores). Neles está a informação constitutiva de um ser com uma identidade única que irá desenvolver-se se as condições ambientais forem adequadas – isto é, se se satisfizerem os pressupostos da respiração e da nutrição, bem como de outras condições específicas que cada ser vivo em absoluto necessita para que a vida seja possível e não termine. Após as primeiras fases de multiplicações celulares começarão a diferenciação e a organização das estruturas primordiais dos órgãos e dos sistemas constitutivos de um corpo humano. O novo ser prosseguirá o seu destino e irá constituir-se num corpo com as características somáticas de uma determinada figura humana no qual todas as células terão um padrão igual ao da célula original. Irá ter características que já estão presentes e são avaliáveis nas primeiras semanas de vida. O processo de desenvolvimento irá fazer-se segundo um programa coordenado pelos próprios genes. O crescimento será contínuo, gradual e progressivo, mantendo-se uma individualidade própria e única em todas as etapas da vida. 2. Vastos sectores da cultura contemporânea encaram a vida humana antes do nascimento como se ela se tratasse de uma realidade não significante. E diz-se: não é uma vida autónoma; não se conhece; não tem sistema nervoso central; não tem consciência; não tem sensibilidade; não se trata de um ser humano; não se trata de pessoas. Assim, pode ser legitimamente descartada se não for desejada. De facto, é mais fácil fazer cessar a vida do que criar e desenvolver nas pessoas e na sociedade as condições para que aquela persista e se desenvolva. Conhecem-se actualmente todos os pormenores da vida humana antes do nascimento. Os métodos actuais de imagem tornam o corpo materno transparente permitindo fazer-se observações desde as primeiras fases da vida. Podem documentar-se as incipientes funções dos órgãos e avaliar-se os seus comportamentos. O corpo embrionário comunica com o corpo da mãe desde fases muito precoces da sua existência. É sensível ao ambiente que o rodeia, agitando-se quando no exterior há ruído e turbulência e serenando quando cessa a instabilidade. Tem períodos de vigília e de sono. Tem gestos e comportamentos humanos que podem facilmente identificar-se. É ontológica e fenomenologicamente uma pessoa. E é por isso mesmo, por se tratar já de uma pessoa, por ter um destino que irá ocupar um espaço pessoal na vida de alguém, nomeadamente no de sua mãe, no de seu pai e no dos que o irão envolver, na sua família natural, que a sociedade invoca o direito de o destruir, apenas pela única condição da sua existência. 3. O corpo humano tem um desenvolvimento autónomo, contínuo, sequencial e progressivo a partir das suas fases mais primordiais seguindo um programa que está inscrito nos seus genes. A realização desse programa está sujeita às condições que são características de cada ser vivo – dependência estrita do ambiente em que vive, exposição aos factores de doença e vulnerabilidade às agressões. E, portanto, está sujeito à morte, muito comum nas fases iniciais de todos os seres vivos. O embrião humano, logo desde a sua origem, não é um ser humano potencial. É um ser humano real que iniciou a sua própria existência e está sujeito às suas contingências. Precisa de uma família humana que o acolha, o aqueça, o alimente, o ensine e o ame. Alexandre Laureano Santos Médico

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