A Igreja prepara-se para a celebração do 93º Dia Mundial do Migrante e Refugiado Se existe um sector pastoral da acção das comunidades cristãs onde se verifica a “fantasia da caridade” é precisamente aquele das migrações. Temos vindo a assistir – numas dioceses mais do que outras – a uma série de acções brotadas da caridade mais gratuita e incansável, não obstante as dificuldades de comunicação, de inculturação e diálogo, próprias do relacionamento entre pessoas de culturas, religiões e línguas diferentes. Na procura de respostas para necessidades prementes a nível social e cultural, muitos cristãos redescobriram a fraternidade bíblica e encontram-se em processo de realfabetização da universalidade da sua fé em Jesus Cristo. Ele quer acolher-nos no estrangeiro que pede acolhimento e um lugar na comunidade. Ao longo da última década, caracterizada por diversificadas e intensas vagas de imigrantes para Portugal e de portugueses rumo ao estrangeiro, os cristãos têm-se multiplicado em surpreendentes solidariedades concretas, em eficazes eventos de acolhimento e em liturgias missionárias de integração. Quanto às acções de defesa dos direitos humanos – que encontra ainda resistência em algumas comunidades – pessoas e organizações católicas têm-se debruçado sobre a legislação e práticas administrativas, fruto da alternância politica e irresponsável de certos governos, que têm impedido “o direito a viver em família”. A teimosa e securitária manutenção de diferentes regimes jurídicos para “permanentes” e “residentes”, alimentados por vistos, prazos excessivos e restrições injustas, as exigências discricionárias para a concessão do “reagrupamento familiar” e a discriminação no acesso a apoios familiares têm impedido o “desenvolvimento harmónio” das famílias imigrantes, sobretudo, aquelas de países “estrangeiros” à União Europeia, designados comummente por países terceiros. O migrante é, antes de tudo, família Na visão da Igreja, a família tem sido o “observatório privilegiado” através do qual tem procurado uma percepção histórica e actual das migrações na complexidade de fenómeno humano, social e religioso. O imigrante que chega, o emigrante que parte, muito antes de entende-lo como indivíduo, ele é, sobretudo, família. A história das Comunidades Portuguesas, desde as primeiras gerações, e o apostolado de seus missionários, tem muito a dizer à procura pastoral que a Igreja faz para implementar recursos para a defesa dos direitos familiares dos imigrantes, para o acompanhamento e garantia da transmissão dos valores da fé, cultura e tradição. É por causa do bem-estar da família, que alguém deixa a sua terra para procurar noutras paragens as condições económicas que lhe permitem o desenvolvimento humano. É por causa de um projecto familiar fracassado ou em crise que alguém parte, cada vez mais pessoas sozinhas, entre as quais muitas mulheres, na esperança de um recomeço promissor. É por causa do futuro dos filhos ou do presente de pais idosos que alguém decide “viajar” para terras desconhecidas para que não falte o essencial à dignidade. É por causa da família que se aceita viver numa casa indigna, ter uma mesa menos farta, fazer trabalhos que ninguém mais quer, ser excluído de alguns direitos sociais e poupar pondo em risco a própria saúde porque envia quase tudo o que ganha para investir na qualidade de vida dos familiares que ficaram na terra. A decisão de migrar é, na maioria das vezes, um lúcido pensar mais nos outros do que propriamente em si. Aliviar as feridas do coração tornando-se próximo É à “família migrante” que o Papa Bento XVI dedica a sua Mensagem para o 93º Dia Mundial do Migrante e Refugiado, a ser assinalado pela Igreja, no próximo domingo 14 de Janeiro. Este é um tema comum e recorrente noutras mensagens por ser fulcral na visão e acção da Igreja. É, sem dúvida, no contexto da mobilidade humana hodierna, seja nas migrações forçadas ou voluntárias, seja nas temporárias ou permanentes, seja no seio da União Europeia ou fora das suas fronteiras, que a família é alvo das maiores ameaças e perigos de “desagregação” dos valores da vida, do amor e cultura. As famílias em situação de mobilidade vivem a mesma problemática hodierna de qualquer outra família. Porém, pelo facto de “ser estrangeira” cá ou lá, aumenta a vulnerabilidade, ameaça a unidade, a transmissão dos valores e favorece a xenofobia e a discriminação espacial, laboral e racial. A Igreja permanece atenta: à distância geográfica entre familiares, à separação mesmo se provisória, à solidão afectiva, ao isolamento na comunidade local, à falta da rede solidária familiar, ao divórcio crescente, aos filhos nascidos fora do casamento, à situação das mães e pais solteiros, às uniões de facto, à violência doméstica, aos idosos abandonados, aos filhos órfãos, às mulheres prostituídas por causa dos filhos, às vitimas do tráfico de pessoas ou escravidão causada pelos próprios familiares, aos doentes e estudantes. No entanto, é especialmente, a crise na própria definição de “família” – conceito em mutação – favorecida por legislações laicas e “individualistas”, que exigem da parte da Igreja uma maior reflexão transversal e proximidade pastoral. A ser feita através da mobilização dos movimentos laicais de espiritualidade familiar, de campanhas de valorização da oração em família, da aposta profunda na catequese familiar e formação dos jovens e noivos, e de sinais concretos visíveis – equipas e centros paroquias – de acolhimento humano para com os matrimónios mistos com disparidade de culto, as famílias monoparentais e os divorciados recasados, entre outros. Compete à Igreja, afirma o Papa na sua mensagem, de maneira atenta e eficaz aliviar as “feridas do coração”. As migrações motivam a redescoberta da família como “comunidade de laços” onde, mesmo sem certos clássicos contornos institucionais, se ousa viver, em estado de vocação e santidade, numa terra estrangeira habitada por vários padrões familiares, os verdadeiros valores do amor, da vida, da tradição, da cultura e se favorece o verdadeiro desenvolvimento humano de cada membro da família. Rui Pedro, Director OCPM