«Ele está no meio de nós»

Mensagem de Natal do Bispo de Angra É Natal, com o apelo à coragem da esperança, para renascer e recomeçar, comprometer-se na vida e pela vida. Efectivamente, o Mistério da Encarnação de Deus, que celebramos no Natal, faz-nos acreditar na vida, dá sentido à vida, garante o triunfo final da vida. Quero, pois, nestas festas natalícias, saudar todos os açorianos das ilhas e da diáspora, fazendo minhas as palavras do Anjo aos pastores, na noite de Natal: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria (…): hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor» (Lc 2, 10). 1. O Menino, nascido em Belém há dois mil anos, veio trazer-nos a vida e a vida com abundância para todos. É isso mesmo o que exprime a exuberância festiva desta quadra natalícia, que, apesar de alguns excessos, se justifica, precisamente, porque celebra o Mistério inaudito de um Deus, que «encarna» na realidade da vida humana, com a debilidade da gratuidade, para que ela seja plenamente humana. Em Belém, o Altíssimo não se manifesta na Sua Omnipotência, mas na fragilidade de «um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura» (Lc 2, 12). O que contrariava as expectativas messiânicas de um libertador político. É a imagem de um Deus, que está para além de tudo o que possamos pensar e dizer d’Ele. «Deus é tão grande, que se pode fazer pequeno; é de tal maneira poderoso, que se pode fazer inerme e vir ao nosso encontro como criança indefesa…; é tão bom, que pode renunciar ao Seu esplendor divino e descer a um estábulo, para que O possamos encontrar» (Bento XVI). 2. «E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós» (Jo 1, 14). É a expressão lapidar, com que o evangelista João resume o Mistério da Encarnação de Deus. O modo como Deus «encarnou» põe em causa, não só a imagem que tantas vezes fazemos d’Ele, mas também a ideia que temos da Sua presença salvadora na nossa vida e na história humana. «Ele está no meio de nós» – repetimos na Liturgia, referindo-nos ao Verbo de Deus Encarnado. É uma Presença humilde e discreta, mas real: na Palavra e nos Sacramentos, nos ministros ordenados e na comunidade dos fiéis, no rosto de cada irmão, nos acontecimentos da vida e na história do mundo. Encarnando, Deus tornou-Se o Emanuel: Deus-Connosco, companheiro da viagem da vida, com os seus sucessos e fracassos, as suas conquistas e incapacidades. Faz-Se encontrar, tanto na Liturgia da Igreja, como na refrega da vida. Podemos bem dizer que «extra mundum, nulla salus» – fora do mundo, não há salvação – como afirmava o famoso teólogo holandês, E. Schillebeeckx, parafraseando o conhecido axioma clássico, referido à Igreja. É que a História da Salvação não se sobrepõe à história humana. Realiza-se nela e através dela. A ideia de um Deus sem mundo ou de uma Igreja confinada na sacristia, contraria o Mistério da Encarnação de Deus, que nos desafia a encarnar a fé na vida. A fé não nos protege dos problemas e das dificuldades. Não facilita, compromete. Não nos exime de combater e de arriscar, para que se realize o que se espera e ainda não se vê. Como afirma a Carta aos Hebreus, «a fé é garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se vêem» (Heb 11, 19). 3. Encarnar a fé na vida consiste em «apostar» em Deus, que age na história de forma misteriosa, que nem sempre compreendemos e tantas vezes nos custa aceitar. «Si comprehendis, non est Deus» – adverte Santo Agostinho: «Se o compreendesses, não seria Deus». «A Deus jamais alguém O viu» – diz-nos S. João (Jo 1, 18). Mas torna-Se visível no Filho Encarnado, que O revela como Amor. Por isso, não obstante tudo o que acontece no mundo e na nossa vida, acreditamos que Ele nos quer bem e quer o nosso bem, ainda que o Seu silêncio seja incompreensível. «Deus é Amor» (1 Jo 4, 16). Apesar de todas as trevas, Ele é que «tem o mundo nas Suas mãos… Esse amor divino é a luz – fundamentalmente a única – que ilumina, incessantemente, um mundo às escuras e nos dá a coragem de viver e de agir» (Bento XVI). Não adianta muito queixar-se de como o Natal é celebrado hoje. Nós é que fazemos o Natal, com o nosso testemunho e empenho, qual fermento que leveda a massa, luz que ilumina e fogo que aquece, sal que preserva da corrupção e dá sabor à vida. Celebrar o Natal de Jesus é abraçar a vida humana e a própria humanidade, como Ele, com paixão e até à Paixão, que é a forma mais radical do amor. Façamos nossa a oração de S. Francisco: «Senhor, fazei de mim instrumento da vossa paz»: que eu leve Amor, Perdão e União, onde houver ódio, ofensa e discórdia; a luz da Fé e da Verdade, onde houver trevas; a Esperança e a Alegria, onde houver desespero e tristeza. São estes os meus votos de Boas Festas, neste Natal de 2006. + António, Bispo de Angra

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top