Um novo humanismo

Mensagem de Natal do Bispo de Vila Real Durante séculos, os cristãos celebravam somente a Ressurreição do Senhor em cada Domingo. Mais tarde introduziram a festa do Natal como início do mistério da salvação cristã. O nascimento de Jesus na gruta de Belém é referido na Bíblia sem qualquer pompa ou fantasia terrena. Mas a celebração desse Nascimento não é a mera referência das circunstâncias históricas do mesmo antes surge enriquecida dos elementos litúrgicos e afectos cristãos Aconteceu ao Natal o que acontece a todos os factos que atingem o coração humano: para manifestar a sua alegria, o homem recorre a gestos sensíveis, às refeições familiares, aos encontros de amigos, à troca de gentilezas. E assim a festa do Natal aparece necessariamente envolta em aspectos comerciais e relações familiares. A questão é que essas manifestações se mantenham no seu lugar, como prolongamento do acontecimento religioso central e sem o esconder. Esse acontecimento religioso basilar é o facto histórico de Jesus Cristo como Filho de Deus que se fez homem verdadeiro sem deixar de ser Deus, percorrendo as etapas naturais de um ser humano, incluindo a concepção e o nascimento e a condição de menino. Esse é o grande acontecimento da história do mundo: Deus e Homem unidos numa só pessoa, eles que na história do mundo foram entendidos como separados, indiferentes e até hostis um ao outro. O Natal revela o verdadeiro rosto de Deus – o Deus amigo dos homens, sempre voltado para nós, interessado pelo mundo, e feito Emmanuel, Deus connosco; e revela o rosto do homem – alguém vocacionado para a união e intimidade com Deus, gerando-se assim na terra um humanismo novo. Sem o Natal, somos tentados a pensar em Deus como alguém alheio ao mundo, e a pensar no homem como uma paixão inútil ou um errante permanente. A um Deus distante corresponde um homem fragilizado. Exactamente por o Natal ser um acontecimento tão grande, as filosofias racionalistas tiveram sempre a tendência de mutilar o Natal dessa grandeza, cortando-lhe a novidade fundamental, para fazer dele uma simples festa da família e convívio social, trocando o essencial pelo acidental. Essa tendência reveste hoje dimensões quase oficiais na embriaguez consumista e no reducionismo mental da cultura laicizante. Essa mentalidade manifesta-se até na linguagem vaga de palavras abstractas, no recurso a elementos poéticos da natureza, e a fórmulas de sonhos e utopias com que se desejam boas festas. Os cristãos são chamados a testemunhar a beleza e a verdade histórica do Natal, salvando-o da poluição laica e comercial para que ele nos salve a nós mesmos e à civilização. Sem o Natal de Jesus, a humanidade desumanizar-se-ia, a começar pela própria família e pelas crianças. Significativamente, o texto bíblico do Natal traz sempre próxima do presépio a sombra de Herodes. Por isso, os meus votos são, em primeiro lugar, que a celebração do Natal seja plenamente assumida em actos sacramentais de oração e adoração ao Filho de Deus que se fez homem verdadeiro. E, depois, como reflexo dessa descida divina, se partilhe com as crianças, os pobres, os doentes, os idosos, os presos, os que vivem marginalizados, gestos humanos que façam sentir a alegria da presença de Deus. Mesmo que a abundância não seja muita, há sempre a possibilidade de partilhar o que se tem com aqueles que têm menos e a alegria que daí se colhe ultrapassará as limitações económicas. Na esperança desta proximidade divina e humana , votos de Santo Natal e de Bom Ano Novo. Joaquim Gonçalves, Bispo de Vila Real

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Agência ECCLESIA

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