A Associação dos Albergues Nocturnos do Porto (AANP) presta auxílio aos sem abrigos há 125 anos. Com dois albergues, um em Cedofeita, outro em Campanhã. “Quem bate à porta, entra se houver lugar. E só na manhã seguinte se fazem as perguntas” afirma o Presidente da AANP. José Luís Costa Mendes. No total de 87 camas à disposição dos sem abrigos. “Há também uma valência para famílias mono parentais ou mães com crianças no total de 114 camas” explica à Agência ECCLESIA o Presidente da Associação. Ao longo de mais de um século de apoio aos desabrigados o objectivo sempre foi “dar apoio, dormida e alimento durante a noite a quem precisasse dele, isto sem olhar à religião”. A pouco e pouco foram melhorando as condições: na alimentação, no vestuário, na higiene. Oferecem o jantar e o pequeno almoço, para além da roupa, pijama, toalha e um kit de higiene (sabonete, papel higiénico, pasta e escova de dentes, pente). No albergue de Campanhã dão também o almoço. A associação não procura destaque nem reconhecimento pelo seu trabalho. “Fora dos sem abrigo poucos nos conhecem, embora os sem abrigo e o pessoal técnico das IPSS assim como as instituições do Estado com quem trabalhamos conheçam de perto o nosso trabalho”. A associação não fecha há 125 anos, estando aberta 24 horas por dia, durante todo o ano. Porque esta realidade não escolhe horários. De noite abre-se a porta “aos sem abrigo, ou aos que por diversas circunstâncias ficaram desabrigados nessa noite”, explica o Presidente da Associação. De dia, as equipas de reinserção convocam e trabalham com os utentes. Realidade complexa Depois de uma noite dormida “é que se fazem perguntas: se tem BI, segurança social, cartão de eleitor, cartão de saúde, se trabalha, fala-se sobre os direitos que tem”, esclarece José Luís Mendes. Estas perguntas quem as faz é a assistente social que de manhã faz o acolhimento ao utente, abre uma ficha que depois será seguida por uma equipa de reinserção, com o objectivo de arranjar um trabalho, pois na maioria dos sem abrigo o desemprego é regra. Nesta fase fala-se do projecto de reinserção que a associação tem, se o utente aceitar tem três meses para permanecer na instituição e sairá quando a sua situação estiver devidamente encaminhada. “É feito um acompanhamento com psicólogos, por médicos fazendo uma consulta de rastreio onde se determina o encaminhamento a dar”, afirma José Mendes, explicando que o trabalho que desenvolvem é feito em rede com todos os departamentos: policiais, sociais e também com os hospitais quer de crianças, como de doentes mentais ou de doenças infecto-contagiosas. Todo o processo de encaminhamento parte do utente, ou seja, fala-se primeiro do seu problema e da sua realidade. De acordo com ele, faz-se o restabelecimento de laços familiares, quando existentes, vendo a possibilidade de diálogo e de inserção. “E tenta-se dar encaminhamento consoante a sua vida: se é alcoólico, se é toxicodependente, se está desempregado” exemplifica, dando conta da complexa realidade dos sem abrigo. Parcerias As dificuldades que sentem são sempre monetárias, contando com o apoio dos sócios e benfeitores “em mais de 50 %” contando também com a segurança social que comparticipa no restante. Mas foi difícil esta comparticipação. Em 1998 a associação tentou ser financiada oficialmente e “foi muito difícil porque as pessoas não acreditavam no trabalho”. Deu-se a reinserção de 97 pessoas nesse ano, um número significativo que elencou o apoio a esta associação. “A partir daqui ganhámos a plena confiança dos técnicos da Segurança Social, dos hospitais, da polícia, do SEF” esclarece José Costa Mendes. Balanços “são muito difíceis, mas a aceitação que temos é muito boa”, afirma. O Presidente não esquece também a generosidade de alguns anónimos que contribuem sem serem sócios. A par das dificuldades financeiras existem as dificuldades que os próprios sem abrigo trazem. “O que o sem abrigo procura é um sítio onde dormir nessa noite, porque para ele vive dia a dia”. Só depois entra a equipa de reinserção “que os consegue motivar”. O futuro Nesta comemoração de uma história com 125 anos, que por iniciativa de D. Luís I, a 1 de Dezembro de 1881 fundou esta associação, realizaram um congresso para reflectir e debater numa perspectiva multidisciplinar os sem abrigo, “contando com a presença de responsáveis de diversas instituições” com quem trabalham, de hospitais e com técnicos especializados. Quiseram nos dois dias do Congresso sob o tema “Exclusão Social/A População Sem Abrigo”, “ressaltar a obra da instituição e dar a conhecer o seu carácter exclusivamente social” sublinha José Costa Mendes. Foi editado também um livro sobre o trabalho que desenvolvem, «Vidas à Parte – Passado, Presente, Futuro». Assim como a associação não fecha, o trabalho não pára e os sonhos não acabam. Projectos têm três: fazer um hospital para os sem abrigo em estado terminal, “há muitos aqui no Porto” manifesta José Luís Mendes. Há um ano atrás foi-lhes doada uma quinta em perfeitas condições para funcionar. Pretendem transformar a casa numa comunidade terapêutica, “pois não existe no norte” estando neste momento em negociações com parcerias. Outro projecto que acalentam é a criação de uma equipa de investigação “dando continuidade ao trabalho já realizado” sobre a realidade e os problemas dos sem abrigo. Este estudo requer uma equipa maior de psicólogos e é exigente a nível financeiro. “Em Janeiro vamos tentar pedir apoio às Fundações e ver de que forma poderemos dar continuidade a este projecto”, pois os financiamentos do Estado estão cada vez mais reduzidos. Se não trabalhassem em rede “seria impossível desenvolver este trabalho” explica José Luís Mendes, que enaltece a colaboração dos 10 voluntários na instituição. Também ele, nesta Associação há 15 anos refere que “o mal foi eu ter vindo cá, já não consegui sair”, manifesta com alegria.