Muito mais que um «caso Milingo»

A notícia apanhou muita gente de surpresa: Bento XVI convocou os chefes de Dicastérios da Cúria Romana para uma reflexão sobre o celibato sacerdotal. A reunião dos “Capidicasteri” tem lugar esta quinta-feira, 16 de Novembro e, ao contrário do que se previa, não estará centrada na reconciliação com os seguidores de Mons. Marcel Lefebvre. O comunicado oficial da sala de imprensa da Santa Sé explica que em cima da mesa estarão “a situação criada após a desobediência de Mons. Emmanuel Milingo” e “as questões levantadas pelos pedidos dispensa do celibato obrigatório e de readmissão ao ministério sacerdotal por partes dos sacerdotes casados ao longo dos anos mais recentes”. Estas iniciativas do Papa vêm na linha do trabalho iniciado no último Sínodo dos Bispos, em 2005: assim como a questão com os Lefebvrianos está ligada à Reforma litúrgica do Concílio e às preocupações que a mesma, ainda hoje, suscita, a questão “Milingo” liga-se à temática da crise de vocações e à possibilidade da ordenação dos “viri probati” (“homens testados” – expressão que designa homens de confiança casados, de comprovada fé e virtude). Emmanuel Milingo, que em finais de Setembro passado incorreu na pena de excomunhão por ter ordenado homens casados como Bispos, escreveu ao Papa a pedir que os padres que se casaram sejam “progressivamente” reintegrados na Igreja. A missiva falava em 25 mil padres casados nos EUA e 150 mil em todo o mundo, mas estes números carecem de confirmação oficial. Caso Milingo Em finais de Setembro, o Vaticano anunciou a excomunhão do polémico arcebispo emérito de Lusaka, Zâmbia, Emanuel Milingo, e dos quatro sacerdotes casados que ordenou como bispos. “Tanto o arcebispo Milingo, como os quatro ordenados incorreram na excomunhão” automática (latae sententiae), prevista no Código de Direito Canónico, informava o Vaticano em comunicado. O polémico Arcebispo Milingo criou recentemente uma associação de padres casados e ordenara bispos quatro padres casados numa igreja de Washington, informação que foi confirmada pelo grupo “Married Priests Now”, fundado em Julho último pelo próprio Arcebispo africano. As relações de Milingo com o Vaticano complicaram-se quando o arcebispo de Lusaca se casou em 2001 com uma sul-coreana que lhe foi apresentada em Nova Iorque pelo reverendo Sun Myung Moon. Meses depois e na sequência de um pedido do Papa João Paulo II, Milinko renunciou à união. Posteriormente, Milinko foi acusado de praticar exorcismo e de promover credos indígenas africanos através de exorcismos em massa e cerimónias de tratamentos. Emmanuel Milingo, de 76 anos, foi nomeado bispo da arquidiocese de Lusaka em 1969, pelo Papa Paulo VI. Padres casados A nota da Santa Sé que anuncia o encontro da próxima quinta-feira refere-se às questões levantadas pelos pedidos de dispensa do celibato, bem como os de readmissão por padres que se casaram ao longo dos últimos anos. O Código de Direito Canónico lembra, no seu Cân. 290, que a ordenação, uma vez recebida, “nunca se anula”, ou seja, nenhum padre deixa de o ser. A lei da Igreja prevê, contudo, a perda do “estado clerical”. Quanto à dispensa do celibato, esta é da competência exclusiva do Papa (Cân. 291). O Cân. 293 admite que “o clérigo que tiver perdido o estado clerical” possa ser reintegrado entre os clérigos por decisão da Sé Apostólica. Cúria Romana Esta não é a primeira vez que o Papa convoca os chefes de Dicastério da Cúria Romana para discutir questões delicadas, tendo o mesmo acontecido no passado dia 13 de Fevereiro, relativamente com as tentativas de aproximação à Fraternidade São Pio X, fundada pelo Arcebispo Marcel Lefebvre. A Cúria Romana, na sua actual organização, provém de 1988, a partir da constituição Apostólica Pastor Bonus (28.06.1988) promulgada por João Paulo II. “A Cúria Romana, por meio da qual o Sumo Pontífice costuma dar execução aos assuntos da Igreja universal, e que desempenha o seu múnus em nome e por autoridade do mesmo para o bem e serviço das Igrejas, consta da Secretaria de Estado ou Papal, do Conselho para os negócios públicos da Igreja, das Congregações, dos Tribunais, e de outros organismos, cuja constituição e competência são determinadas por lei peculiar”, refere o Cânone 360 do Código de Direito Canónico.

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