Vamos repescar os Jovens

Pediu D. Amândio Tomás na Missa de Abertura do Ano Pastoral da diocese de Évora. Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo. Queridos jovens! Durante três anos, a Arquidiocese de Évora reflectiu sobre a Família cristã garante e propulsora do anúncio do Evangelho. Neste novo Ano Pastoral da Arquidiocese, vamos repescar os Jovens, para a obediência da fé e anúncio do evangelho do amor de Deus, manifestado em Cristo, conforme o tema proposto: “Jovens ao encontro de Cristo”. Chamados à obediência da fé, ao encontro com Jesus Ressuscitado e a dar razão da esperança que os anima, os Jovens asseguram o futuro da Igreja, como verdadeiras testemunhas de Cristo, convertendo-se em protagonistas da Missão do Senhor. O Evangelho (Lc.10,1-12) narra o Envio dos Setenta e Dois Discípulos. Os evangelistas Mateus (9,37-38;10,7-16), Marcos (6,7-11) e Lucas falam do Envio dos Doze. Mas, só Lucas refere o dos Setenta e Dois, sem o contrapor ao dos Doze, narrado no início do capítulo anterior (Lc 9,1-6). A missão dos Setenta e Dois vem preparada e ligada à dos Doze, à confissão do mistério de Cristo, ao anúncio da Sua Morte e Ressurreição e às exigências do anúncio do Reino, com estas palavras: “ depois disto, o Senhor designou outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir” (Lc 10,1). Notar as palavras “depois disto” e “outros”, que não os Doze. As 2 missões não se apresentam em contraste, como alternativa uma à outra, mas como complementares e subordinadas, pois ambas vêm em auxílio e participam da única missão de Cristo. Os que aderem a Cristo e Lhe prestam a ‘obediência da fé’, não devem reservar tudo só para si, no silêncio dos corações, mas anunciar, em público, o que de bom e gratificante receberam, pois o bem é por natureza ordenado a expandir-se, a comunicar-se, para que todos acreditem e sejam salvos. Nisto reside o significado e natureza do envio. Lucas não quer anular a Missão dos Doze, mas motivar e empenhar todos os discípulos no anúncio do Evangelho e na construção do Reino. Comparando os textos da missão dos Doze com a dos Setenta e Dois verificam-se semelhanças e ambos apresentam os intervenientes, os Doze e os Setenta e Dois, a colaborar na única missão de Cristo, embora a títulos diferentes, como a doutrina da Igreja e o Novo Testamento ensinam. A Missão dos Setenta e Dois é a do verdadeiro discípulo, preparada nas afirmações do contexto anterior, ao dizer que a multidão procurava Jesus, que muitos, não só Pedro que O confessa, já de algum modo O anunciavam e se interrogavam acerca de Jesus o qual se referiu por 2 vezes ao mistério da Sua Morte e Ressurreição, exigindo de todos sequela imediata e renúncia até ao sacrifício da vida por amor do Reino de Deus. “ Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro se se perde a si mesmo” (Lc 9,25). Da Missão dos Setenta e Dois queremos colher agora algumas ideias, em ordem a, neste Dia Diocesano, motivar os Jovens ou outros para o Encontro com Cristo. 1.- A primeira é a da Inclusão. Ao convencer os Jovens, não queremos excluir ninguém, pois Deus, “quere que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”(1 Tim 2,4), “não faz acepção de pessoas” e “quem O teme e pratica a justiça Lhe é agradável” (Act,9,34-35). Deus mandou o Filho, que morreu por todos e veio ‘por causa de nós homens, para nossa salvação’ e “para que todos tenham a vida e a tenham em abundância”. E o Espírito é dado a quem, quando e na medida que só Deus sabe. Se Cristo é reconhecido e a verdade abraçada, alegremo-nos, pois, como S. Tomás, “a verdade, seja por quem for dita provém do Espírito Santo”. Ninguém tem o monopólio da verdade, nem se deve julgar dono da missão de a comunicar aos homens. Por isso não ter a veleidade de querer dizer a Deus como é que Ele deve salvar o mundo! Sobre isto, as leituras do domingo passado são eloquentes, pois, o Espírito de Deus move a profetizar dentro e fora da tenda da reunião (Num 11,25-29) e Jesus pede para não impedir de fazer o bem e de curar as feridas dos necessitados (Mc 9,38-40). Alegremo-nos pelo bem abraçado, independentemente da pessoa que o apregoa e segue, pois, o que importa é que Deus seja glorificado e que ‘Cristo seja evangelizado’. 2. – Cristo precisa da Missão especial dos Doze, como missão especial, na Igreja e precisa também dos Setenta e Dois. Ele precisa de todos os discípulos para completar a missão que O trouxe de junto do Pai até junto de nós, para a salvação de todos. Mas a Obra é de Deus, não é nossa: “somos só servos inúteis” a cumprir o nosso dever. Ora, até nos mais santos e comprometidos, há coisas que nada têm a ver com Deus e só demonstram mesquinhez de espírito e profundo e desordenado amor próprio, como os sentimentos de exclusão de Josué, íntimo e sucessor de Moisés e os de João, o discípulo amado do Senhor! Estar atentos a não nos deixarmos mover pela inveja, pelo ciúme e pela discórdia, mas só pelo Espírito Santo, oposto à lei da carne e ao espírito do mundo. Manter a liberdade de espírito, a magnanimidade e o espírito de compreensão, ajudando gratuitamente, estando dispostos a ajudar e a ser ajudados por quem quer que seja. 3. O mundo precisa de testemunhas e nós somos a ‘Carta Escrita’, onde os outros devem ler e descobrir o Evangelho de Jesus. Para isso temos de ser transparentes, espelhos, e agir com simplicidade e pureza de intenções, seja na oração e acção, seja na obediência e transmissão da fé recebida. Com humildade, devemos evangelizar concordes, na comunhão do Espírito, sem presunção, sem vaidade, sem divisões e rivalidades estéreis, sem espírito de capelinha, que só contribui para desacreditar e inutilizar esforços. 4. Não há verdadeiro anúncio sem conversão pessoal, sem purificação da mente, do coração e da vida. Da nova mentalidade a adquirir, fala Paulo: “Não vos conformeis a este mundo. Pelo contrário, deixai-vos transformar, adquirindo uma nova mentalidade, para poderdes discernir qual é a vontade de Deus: o que é bom e lhe é agradável, o que é perfeito” (Rm. 12,2). E diz ainda aos Romanos: “Que o vosso amor seja sincero. Detestai o mal e apegai-vos ao bem. Sede afectuosos uns para com os outros no amor fraterno; adiantai-vos uns aos outros na estima mútua. Não sejais preguiçosos na vossa dedicação; deixai-vos inflamar pelo Espírito; entregai-vos ao serviço do Senhor. Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração” (Rm,9-13). O anúncio do Evangelho não tolera divisão, espírito de seita e o contra testemunho de ervas daninhas que brotam dos corações e envenenam os ambientes: inveja, ódio, culto da própria imagem, vingança, vanglória, calúnia e a guerra ao próximo, porque tudo isto nada ajuda, só desdiz da beleza, da bondade e da verdade do Evangelho, que não se compadece, com intrigas, divisões e jogos de poder. O anúncio de Cristo deve ser acompanhado da caridade cristã, de modo a suscitar entusiasmo e admiração, como na antiguidade, quando os pagãos diziam: “vede como eles se amam”. A Jornada Mundial da Juventude de 2007 terá como tema:” amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”. Como disse o Senhor, esta é a prova real da fé e do anúncio, “nisto conhecerão os homens que sois meus discípulos como Eu vos amei”. Só o amor edifica, só o amor prevalece, só o amor é digno de crédito. 5. Na obra de Deus há lugar para todos e todos somos poucos para anunciar Jesus Cristo. O evangelho exorta a rezar pelo aumento da vocações “ porque a messe é grande e os trabalhadores são poucos”. Por isso, Jovens e menos jovens, pais e filhos, adultos e crianças, doentes, fracos, fortes e com saúde, rezando e trabalhando, somos chamados à obediência da fé e ao seu anúncio, pois Deus a todos chama para o anúncio do evangelho do Seu Filho, do qual não nos devemos envergonhar. A missão é uma só: é a única Missão de Cristo. Nela são chamados a colaborar os bispos, presbíteros e diáconos, isto é, os ministros ordenados, em razão do Sacramento da Ordem que os liga a Cristo Cabeça, com poder para O representar, Lhe emprestar especial visibilidade e autoridade, na condução do Seu Corpo que é a Igreja; mas Cristo quer também ser ajudado, a título diverso, em razão do Baptismo e Confirmação, pela multidão dos fiéis leigos, que participam também do Seu sacerdócio e ministério de propor a verdade, curar e conduzir os outros seres humanos a saborear e viver o mistério da vinda e presença do Reino. Cristo requisita a ajuda e colaboração de todos para trabalhar em benefício de todos, na comunhão do Seu Corpo que é a Igreja. Os fiéis leigos são especialmente enviados a dar testemunho da verdade do Evangelho, na família, como pais e filhos, no trabalho, na profissão, na vida pública, social e política, animando as realidades temporais e falando com desassombro, sem medo, sem vergonha e sem constrangimentos. O anúncio do Senhor leva sempre o sabor da experiência e do encontro com Ele, deixa, a marca da transformação, mexe connosco, purifica-nos a inteligência, a vontade, os sentimentos, as emoções e os afectos. O anúncio cristão nasce do misterioso Encontro com o Ressuscitado, que nos transforma interiormente, e é contínua obra e experiência de amor, pois tem origem no amor, caminha com ele e a ele conduz. Na profissão de fé e anúncio, somos sustentados por uma multidão de testemunhas, apoiados na fé da Igreja, no testemunho recebido, na família e na comunidade cristã. 6.- A Missão dos Setenta e Dois é universal, um envio às nações, porque se destina à salvação de todos. O texto de Lucas do Envio dos Setenta e Dois Discípulos reflecte o de Génesis 10, a globalidade do mundo, depois do Dilúvio, ou seja a Lista das Nações às quais a bênção divina, concedida a Noé e aos descendentes, se estende. Segundo a reflexão do Judaísmo, as nações, que entroncam em Noé, são 70, segundo o texto hebraico, ou 72, no grego. Os números expressam o valor simbólico de plenitude e de universalidade da bênção divina de que é destinatária e usufrutuária toda a humanidade, descendente de Noé, sem excluir nenhuma nação e nenhuma pessoa. O desejo de que todos profetizem, indica já a salvação e a missão como acessíveis. Moisés institui Setenta Anciãos (Num.11,25-29) e Cristo pede a ajuda não só dos Doze, número simbólico que evoca as doze tribos e designa os detentores do ministério ordenado, inconfundível e próprio, mas também dos Setenta e Dois (ou 70, segundo alguns manuscritos), número simbólico, que mostra a multidão dos discípulos, que Ele “enviou à Sua frente, dois a dois, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir” (Lc 10,1). Neste número, estão todos aqueles e aquelas que operam na linha da frente, que vão à frente de Jesus na pre-evangelização do meio ambiente, onde Cristo e o Seu Reino devem depois assentar arraiais. Como não ver aqui as irmãs e irmãos, baptizados, discípulos e seguidores do Senhor, ministros do primeiro anúncio, a catequizar e evangelizar a família e a animar a vida pública e as realidades temporais? 7.- Apresentando-se como enamorados de Cristo, ardorosos, fortes, detentores da palavra e vencedores do maligno, os Jovens testemunham, por toda a parte, a obediência da fé, a transformação e a experiência do Encontro com Cristo, que conta com eles e precisa deles, em ordem à evangelização e transformação do mundo. Falar de Encontro com Cristo é falar de comunhão de vida empática com Alguém que nos torna felizes, nos salva e é sempre maior do que nós. Foi um encontro do género que transformou as vidas dos apóstolos e das testemunhas oculares, que conviveram com o Jesus terreno e aos quais Ele apareceu, uma vez ressuscitado dos mortos. É claro que a experiência das testemunhas oculares é única e irrepetível: elas ouviram, tocaram as mãos do Verbo da Vida e viram o seu Rosto, como diz S. João (1Jo 1,1-4). Nós, discípulos do Senhor, que não O vimos, com os olhos da carne, mas nos apoiamos no testemunho de fé da Igreja acerca do Filho de Deus encarnado, morto e ressuscitado ao qual concedemos a obediência da fé e Lhe damos abrigo no interior dos corações, experimentamos também o ardor que o Espírito produz, colhemos a alegria da presença misteriosa do Ressuscitado que nos impele a falar d’Ele com entusiasmo e desassombro, sem medo e sem constrangimentos, para que todos O reconheçam e amem. S. João exorta os seus destinatários à experiência do encontro e à obediência da fé: “Eu vo-lo escrevo, filhinhos: os vossos pecados estão-vos perdoados pelo nome de Jesus. Eu vo-lo escrevo, pais: vós conheceis aquele que existe desde o princípio. Eu vo-lo escrevo, jovens: vós vencestes o maligno. Eu vo-lo escrevi, filhinhos: vós conhecestes o Pai. Eu vo-lo escrevi, pais: vós conhecestes aquele que existe desde o princípio. Eu vo-lo escrevi, jovens: vós sois fortes, a palavra de Deus permanece em vós e vós vencestes o maligno” ( 1 Jo 2, 12-14 ). S. Pedro, no final da Primeira Carta, pede aos Jovens submissão, humildade, abertura a Deus, sobriedade e vigilância nos perigos, cientes de que, depois de leve e breve prova: “ o Deus que é todo graça e vos chamou, em Jesus Cristo, à sua eterna glória, há-de restabelecer-vos e consolidar-vos, tornando-vos firmes e fortes” (1 Pe 5,10 ). Este é também o meu sincero desejo e a minha esperança a vosso respeito, meus caros Jovens e demais cristãos, aqui presentes, neste nosso Dia Diocesano. Durante este Ano Pastoral que hoje iniciamos, a todos vai ser pedida coerência, coragem e ardor, para transmitir aos outros com desassombro, sem vergonha e sem complexos, a fé recebida. Estou certo que ides responder com generosidade e empenho, porque, como diz Job, na leitura (Job 20,25-29), o nosso libertador e redentor vai vingar a nossa sorte, pondo cobro às nossas misérias e limitações. Ele vai modificar-nos e repor a justiça, vai resgatar-nos do pó da morte para onde resvalamos, como grita Job, na sua angústia. Vós bem sabeis quem é o Libertador. O Libertador é Jesus Ressuscitado que dá guarida e asas à nossa esperança, pois cremos e sabemos que Ele vive verdadeiramente, que veio para dar a vida e, como é Seu desejo, acabará por vivificar e ressuscitar o nosso corpo corruptível para o tornar semelhante e conforme à imagem do Seu Corpo glorioso. Certos da presença do Ressuscitado, no meio de nós, e da eficácia dos Seus dons de paz e de alegria e da Sua Vinda gloriosa, como Juiz, rezemos, cheios de fé, de amor e de esperança: – – Maranathá!. Vem Senhor. Vem depressa. Vem ao nosso encontro! Évora, Dia Diocesano, 5 de Outubro de 2006 D. Amândio José Tomás

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