Johnson Controls, da competitividade à ética

Declaração da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Portalegre-Castelo Branco Para 225 pessoas de Portalegre a sentença parece estar já lavrada: deixarão de ter emprego até ao final do próximo ano. Cerca de três vezes este número irão ter igual sorte em Nelas. E tudo isto acontece porque a multinacional norte-americana Johnson Controls, espalhada por 125 países do Mundo, empregando 136.000 funcionários, repartidos por 1.000 unidades industriais e com um lucro, no último exercício, de 687 milhões de euros, resolveu, simplesmente, acabar com as unidades industriais de Portalegre e de Nelas. Inquieta-nos que um gigante empresarial como este, à semelhança de tantos outros, deite no desemprego tantos funcionários, de quem dependem muitas famílias. Verificamos que esta grande multinacional, com uma facturação de mil milhões de euros no ano passado, termina a laboração de unidades industriais lucrativas cuja presença contribuía para o desenvolvimento social das regiões deprimidas onde se situavam. Ficamos a pensar as razões que levam um grande grupo empresarial mundial que não limita as suas actividades ao sector automóvel mas que as estende, igualmente, à aeronáutica, ao comércio, à alta tecnologia, ao ramo hospitalar, às ciências da vida…, produzindo múltiplos produtos que vão desde os ares condicionados até às baterias de lítio, não sentir interesse em substituir a produção que aqui existia por outras, dentro das que o grupo já contém, que lhe dessem maior vantagem competitiva, mas que aproveitasse as pessoas, as instalações e, até, alguns equipamentos! Estas são algumas das perguntas, dúvidas e perplexidades que se colocam a alguém que está de fora do mundo que gere as empresas mas que pensa que estas não são entidades que visam, exclusivamente, o lucro. Assim, parece pensar o GRACE (Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial). Este Grupo português, formado em Fevereiro de 2000, é constituído por um conjunto de empresas, maioritariamente multinacionais, que tem como denominador comum o interesse em aprofundar o papel do sector empresarial no desenvolvimento social. Trata-se da chamada Responsabilidade Social das Empresas. Num dos documentos de um dos subscritores deste Grupo se diz que esta responsabilidade e a sua inserção nos objectivos estratégicos das empresas deve ser assumida “pela aceitação autêntica e voluntária de princípios de conduta socialmente irrepreensíveis, ponderando aspectos éticos, sociais e ambientais nas suas tomadas de decisão, tanto ao nível operacional como estratégico”. Estas ideias, no entanto, não são de agora. Já há muito que a Igreja Católica, através de múltiplos documentos, tem chamado a atenção para as relações entre o trabalho, a propriedade e o capital. Assim, na Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo, no número 64, diz-se que “…deve favorecer-se o progresso técnico, o espírito de iniciativa, o desejo de criar e ampliar novas empresas, a adaptação dos métodos, o desejo persistente de quantos participam na produção; numa palavra, tudo quanto pode contribuir para este desenvolvimento. Todavia, o fim fundamental desta produção não é só a multiplicação dos produtos, nem o lucro ou o poder, mas o serviço do homem…É por isso que a actividade económica, segundo os seus métodos e as suas leis próprias, deve exercer-se dentro dos limites da ordem moral, a fim de corresponder aos desígnios de Deus acerca do homem”. Esta preocupação da Igreja pelo trabalho é central na sua doutrina, relativamente aos problemas sociais. Na encíclica Laborem Exercens, no nº 3, João Paulo II diz mesmo que “…o trabalho humano é a chave, provavelmente a chave essencial de toda a questão social”. E, mais adiante, ao referir-se à contraposição do trabalho em relação ao capital diz que ela tem implícita “a possibilidade de multiplicar abundantemente as riquezas materiais, isto é, os meios, perdendo de vista o fim, quer dizer, o homem, a quem tais meios devem servir (…). Este erro, de fisionomia histórica definida, ligada ao período do capitalismo e do liberalismo primitivos, pode repetir-se noutras circunstâncias de tempo e de lugar, se no modo de raciocinar se partir das mesmas premissas tanto teóricas como práticas.” É imprescindível haver uma cultura de co-responsabilidade a todos os níveis, envolvendo patrões, empregados, sindicatos, Estado e sociedade em geral. No entanto, no nosso país, a Johnson Controls, tal como outras multinacionais, têm repetido esse antagonismo entre o trabalho e o capital em que este, para crescer cada vez mais e poder acumular mais lucros, trata o homem como algo de descartável. Será que estas grandes empresas, ao estabelecerem-se num determinada região, deverão atender apenas às questões legais e esquecerem-se dos problemas éticos, relativamente aos trabalhadores que vão empregar? Ora, para que isso não continue a acontecer tornam-se necessárias, no dizer de João Paulo II, “mudanças adequadas que tenham em conta uma linha de firme convicção do primado da pessoa sobre as coisas e do trabalho do homem sobre o capital”. Só essas “mudanças adequadas” poderão contribuir para um mundo mais pacífico, com menos pobreza e com mais justiça. Portalegre, 2 de Outubro de 2006

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top