Laborem Exercens, 25 anos depois

A ideia tão simples de que o trabalho não é uma mercadoria submetida à lei da oferta e da procura, que não se pode especular sobre os salários, sobre a vida dos homens, “como o trigo, o açúcar ou o café, isso transtornou as consciências…” – realçou um pároco francês alguns anos depois de publicada (15 de Maio de 1891) a célebre encíclica “Rerum Novarum” do Papa Leão XIII. Com este documento – acrescentou – “julgámos sentir a terra tremer debaixo dos nossos pés”. Passados noventa anos aquele documento pontifício continuava bem vivo e João Paulo II colocou novamente o «dedo na ferida» da questão social. A «Laborem Exercens» – publicada a 14 de Setembro de 1981 – tinha a finalidade de dar uma contribuição ao desenvolvimento da Doutrina Social da Igreja (DSI), “cujos grandes documentos, a começar pela Rerum Novarum encontraram um eco respeitoso e favorável no seio da Organização Internacional do Trabalho (OIT)” – (Discurso de João Paulo II na Sessão Especial da OIT em 1982.) Com a encíclica de Leão XIII a DSI ganhou uma maior visibilidade mas João Paulo II alertou na «Laborem Exercens» que a DSI tem, efectivamente, “a sua fonte na Sagrada Escritura, a começar pelo Livro do Génesis e, em particular, pelo Evangelho e pelos escritos dos tempos apostólicos”. A viver o seu terceiro ano de pontificado, o Papa Polaco sublinha também na encíclica que os novos progressos tecnológicos, políticos e económicos estão à porta. Previsões acertadas. 25 anos depois lemos atentamente as palavras de João Paulo II e notamos “a introdução generalizada da automação em muitos campos de produção; o aumento do custo da energia e das matérias-primas; a crescente tomada de consciência dos limites dos recursos naturais e da sua insuportável poluição; e o virem à ribalta, no cenário político, povos que, depois de séculos de sujeição, reclamam o legítimo lugar no concerto das nações e nas decisões internacionais”. Estas alterações “poderão infelizmente vir a significar, para milhões de trabalhadores qualificados o desemprego, pelo menos temporário, ou a necessidade de novo período de adestramento” (Cf. Laborem Exercens; nº1). Vida Social A atenção aos problemas sociais faz parte, desde o início, do ensino da Igreja e da sua concepção do homem e da vida social e, especialmente, da moral social “que sendo elaborada segundo as necessidades da diversas épocas” (Cf. Laborem Exercens; nº 3) mas “não compete à Igreja analisar cientificamente as possíveis consequências de tais mudanças do convívio humano” (Cf. Laborem Exercens; nº 1). Na sua tarefa pastoral, a Igreja alerta para se tenham sempre em conta a dignidade e os direitos dos trabalhadores, “estigmatizar as situações em que são violados e contribuir para orientar as referidas mudanças a fim de se tornar real o progresso autêntico do homem e da sociedade” (Cf. Laborem Exercens; nº 1). Desde o fim da segunda guerra mundial este empenho – através da Comissão Pontifícia Justiça e Paz e dos vários organismos nas Conferências Episcopais – torna-se mais penetrante com a ameaça permanente de uma guerra nuclear e a perspectiva de uma terrível auto destruição. A polémica actual (controvérsia entre os EUA e o Irão) sobre os direitos e deveres dos países que produzem armamento nuclear demonstra o medo e o perigo de tais materiais. Depois de publicada a «Rerum Novarum», o debate em torno da justiça social tem dois períodos distintos. Nos primeiros quarenta anos – até à encíclica «Quadragesimo Anno» de Pio XI – o ensino da Igreja centra-se na justa solução da chamada questão operária no âmbito de cada uma das nações. Na fase posterior, os seus ensinamentos alargam o horizonte às dimensões do mundo inteiro. “A distribuição proporcionada de riqueza e de miséria e a existência de países e continentes desenvolvidos e de outros subdesenvolvidos exigem igualdade e que se procurem os caminhos para o justo desenvolvimento de todos” (Cf. Laborem Exercens; nº 2). Nesta direcção procede o ensino contido na encíclica «Mater et Magistra» de João XXIII, a Constituição Pastoral «Gaudium et Spes» do II Concílio do Vaticano e na encíclica «Populorum Progressio» de Paulo VI. Deixou-se o problema da «classe» e passou-se para o problema do «mundo». A desigualdade social é denunciada à escala global. Injustiças Perante as injustiças gritantes, oriundas dos sistemas do século XIX, os operários, principalmente na Indústria, reagiram, descobrindo ao mesmo tempo, para além da miséria comum a força que representam as acções concertadas. “Na minha encíclica sobre o trabalho humano (Laborem Exercens), apelidei esta reacção de «uma justa reacção social»; uma tal situação fez surgir, poder-se-ia mesmo dizer, brotar, um grande impulso de solidariedade entre os trabalhadores” (Discurso de João Paulo II na Sessão Especial da OIT em 1982). A solidariedade do mundo do trabalho será uma solidariedade que alarga os horizontes para abraçar, com os interesses dos indivíduos e dos grupos particulares, o bem comum de toda a sociedade, tanto ao nível de uma nação como ao nível internacional e global. Todos os problemas do homem são problemas mundiais. É à escala do mundo que devem ser pensados, num espírito realista, inovador e exigente. O Papa Paulo VI – na encíclica «Populorum Progressio» – referiu que cada um “tem de se consciencializar de que a questão social se tornou mundial”. Desde então, a solidariedade dos trabalhadores e, simultaneamente, uma tomada de consciência mais clara e mais comprometida quanto aos direitos mútuos destes, produziu em muitos casos mudanças profundas. “Apareceram sistemas novos e desenvolveram-se diversas formas de neo-capitalismo ou de colectivismo. Os trabalhadores passam a ter a possibilidade de participar e participam efectivamente na gestão e no controlo da produtividade das empresas. Por meio de associações apropriadas, têm influência no que respeita quer às condições de trabalho e sua remuneração, quer à legislação social” (Cf. Laborem Exercens; nº 8). Para que se concretize a justiça social é necessário que e haja sempre “novos movimentos de solidariedade dos trabalhadores e com os trabalhadores” – apela João Paulo II no referido documento. E acrescenta: “esta deverá fazer sentir a sua presença onde a exijam a degradação social do homem-sujeito do trabalho, a exploração dos trabalhadores e as zonas crescentes de miséria e de fome”. A Igreja está comprometida nesta causa porque a considera “como a sua missão, seu serviço e como prova da sua fidelidade a Cristo, para assim ser verdadeiramente a «Igreja dos pobres»” (Cf. Laborem Exercens; nº 8). Futuro do trabalho Ao realizar o «seu» trabalho – apesar das fadigas -, o homem transforma e adapta a natureza às suas necessidades mas realiza-se também a si mesmo como homem e até, em certo sentido, “se torna mais homem” (Cf. Laborem Exercens; nº 9). No plano teórico, esta é uma verdade inabalável. Só que a sociedade actual – em muitas ocasiões – “usa o trabalho contra o homem”. Basta recordar os «campos de concentração» e «os trabalhos forçados» do mundo contemporâneo. Apesar dos pessimismos contemporâneos, o trabalho tem futuro “se os saberes, os meios, as funções e os tempos de trabalho forem partilhados por todos” – realçou a «Declaração de Guimarães», divulgada no passado mês de Maio, no Encontro Nacional de Trabalhadores, promovido pela Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos (LOC/MTC) na cidade Guimarães. O documento salienta também que é necessário conjugar a aposta em novos produtos e serviços “como a agricultura biológica, as energias renováveis, o turismo, a saúde, as tecnologias da comunicação e os serviços à comunidade com a reconversão daqueles que são tradicionais, como os têxteis e a metalurgia.” Daí, que os trabalhadores declarem que o trabalho foi “feito para o homem e não o homem para o trabalho. Por isso, ele nunca é instrumento mas sujeito e fim do trabalho”.

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