Romaria secular anima Ilha da Madeira

Bom Jesus da Ponta Delgada A paróquia da Ponta Delgada, celebra hoje a Festa do Santíssimo Sacramento, sendo a Eucaristia presidida por D. Teodoro de Faria. No final da celebração sairá a procissão. Esta festa é também conhecida como «Festa do Bom Jesus da Ponta Delgada», pois também é evocado o Senhor Bom Jesus, o padroeiro daquela paróquia, cuja festa litúrgica é celebrada no dia 31 de Janeiro. Como essa data é tempo de Inverno, portanto nada propício a arraiais, a festa é repetida no primeiro sábado de Setembro, dia em que a Ponta Delgada regista uma enorme enchente. Pessoas das mais diversas localidades deslocam-se ao centro daquela freguesia e participam nas cerimónias religiosas e no arraial que se prolongou durante toda a noite com animação proporcionada por grupos de romeiros. Será o fascínio, a fé profunda, autêntica e verdadeira juntamente com a devoção e gratidão ao Senhor Bom Jesus, o motivo que leva o romeiro a visitar e honrar o Senhor Bom Jesus na sua tradicional festa na Ponta Delgada. Acrescenta o Elucidário Madeirense que «a romagem do Senhor Jesus da Ponta Delgada, de Nossa Senhora do Monte e do Senhor dos Milagres em Machico, «são as mais antigas, as mais concorridas e as mais características desta diocese». A propósito da romaria do Senhor Bom Jesus, vale a pena saborear a prosa de Horácio Bento de Gouveia, ilustre filho da terra e escritor de alto gabarito: «O sentimento religioso esteve sempre associado ao viver das gentes que foram habitar Ponta Delgada. E logo a partir da segunda metade do século XV, a devoção ao Senhor Bom Jesus passou a ser inquestionável realidade que aportou até aos nossos dias, não só por força do templo ali existente, como sobretudo pelo arraial do Senhor Bom Jesus de Ponta Delgada. Fazendo jus à frase bíblica «Omnes sitientes venite ad acquas» (todos os que tenham sede vinde aqui beber), inscrita no Poço dos Romeiros, próximo à igreja, todos os anos, em Setembro, afluem fiéis de toda a ilha a festejar o Senhor Jesus. Confiados na protecção de Deus, os peregrinos atreviam-se a uma viagem outrora longa e difícil, tanto por mar como por terra». A este propósito, Horácio Bento cita Henrique Henriques de Noronha: «sendo a passagem para a dita Freguezia, por todas partes perigoza, jamais se acha memória, de que perigase pessoa algua, das muitas que ali concorrem em todas as estações do ano; antes experimentam singulares benefícios do Senhor e evidentes prodígios da sua omnipotência». E logo completa com Alberto Artur Sarmento: «Depois restauravam as forças do espírito e do corpo nas cerimónias religiosas e no centenário e curioso arraial de comes-e-bebes, música, descantes e cumprimento de promessas», acres- centando o escritor que o arraial ainda continua no tempo: «ainda mantém a sua atracção como espaço lúdico e de convívio». Antigamente Vale a pena saborear ainda como o ilustre escritor narra a romaria: «Milhares de forasteiros oriundos da generalidade das freguesias da Ilha da Madeira vieram até à Corte do Norte para participar na festa do Senhor Bom Jesus. Chegando com o entardecer do sábado, aqui se mantiveram, noite fora, nos comes-e-bebes, cantando e bailando, calcorreando as ruas da freguesia engalanadas de flores e luzes multicolores, por entre os magotes de gente que difusamente invadiam todas as artérias do povoado. Aqui e acolá, um ou outro grupo de romeiros, com harmónicas, violas e pandeiros, deixam no ar o som e a imagem dos últimos acordes de genuína tradição do arraial madeirense. Os feirantes proliferam, vendendo chapéus de palha, óculos de sol, tambores, pandeiros, colares de rebuçados, música em cassetes e um sem número de pequenos objectos susceptíveis de motivar a cobiça dos visitantes. As denominadas “barracas” abundam, cheias de bebidas e carne para espetada. E a festa dura noite fora, proporcionando largos momentos de alegria a todos quantos vieram ao arraial do Senhor Bom Jesus de Ponta Delgada». «E o espírito do arraial? – pergunta o escritor? Qual a motivação das pessoas para irem, por vezes de tão longe, até à Ponta Delgada? Será ainda igual ao que criou a tradição?» «Não é fácil conhecer-se a origem dos romeiros, diz Horácio de Gouveia, porque a tradição pouco ou nada conservou. Sabe-se que, em séculos passados, afluíram os romeiros em grupos, após muitas horas de caminho, e que vinham para o cumprimento de promessas, cantando, bailando e trazendo, para além de merendas – porque nesses tempos não existia ainda a venda de comidas e bebidas – ofertas para o Senhor Jesus». Certamente que algo mudou. Já não se vai a pé calcorreando caminhos e veredas, nem por mar, arrostando os perigos da serra nem das ondas, nem se demoram muitas horas nem dias seguidos. As actuais vias de acesso e os meios de transporte particular e colectivo propiciam uma viagem cómoda e rápida, todavia dependente do tráfico mais ou menos intenso e sujeito às normas ocasionais. O espírito religioso deverá permanecer idêntico ao dos nossos antepassados: agradecer favores, honrar o Senhor Bom Jesus, e colocar-se sob a sua protecção. Prova-o a multidão que visita a Igreja durante a tarde e noite do sábado, as promessas que ainda se cumprem e a visita obrigatória à imagem do Senhor Bom Jesus, no seu nicho, no alto do camarim. Após a missa do romeiro, pela madrugada, o romeiro demanda a sua aldeia. Embora com certas alternâncias, o arraial ainda se mantém, agora com certas expressões sócio-culturais e folclóricas de iniciativa da comunidade paroquial. Certamente em menor quantidade, ainda se vêm os grupos de brinquinhos, cantando, rindo e bailando, durante toda a noite, expressando viva alegria por estar no Bom Jesus da Ponta Delgada que ainda exerce o seu fascínio sobre os seus devotos que a Ele acorrem com aquela profunda, autêntica e verdadeira fé e devoção, apanágio da piedade popular. Manuel da Gama

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