Professor e historiador José Miguel Sardica lamenta que ação do setor social, «ligado ou não à Igreja», não seja «mais valorizado»
Lisboa, 11 jan 2021 (Ecclesia) – O professor e historiador José Miguel Sardica afirmou hoje que as palavras do Papa Francisco ultrapassam uma dimensão “política” ou “institucional”, recordando que a bússola apresentada para 2021 assenta em “relações sociais” que estavam “frouxas”.
“A bússola que o Papa lembra para este ano não fala tanto em recuperação financeira, em vacinar mais. Isso tudo está implícito, mas só faz sentido e só alcançará os resultados que se ambicionam, e todos nós esperamos, se se reconstruírem as ligações sociais que já andavam frouxas e que a pandemia interrompeu”, afirmou o docente da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa à Agência ECCLESIA.
A mensagem para o Dia Mundial da Paz 2021 e a encíclica «Fratelli Tutti» apresentam “princípios chave” que propõem uma “ecologia que não é só ambiental mas também humana, no cuidado”.
“Quando o Papa fala em dignidade, solidariedade, salvaguarda, solicitude fala em valores que são muito antigos e intemporais – a Doutrina da Igreja assenta nisto – e fala para uma ecologia de relações e de sentimentos de empatia com o outro, de cuidar do outro, que numa sociedade cujas estruturas se abalaram, cuja coesão económica, cuja segurança e certeza são hoje muito duvidosos, o Papa devolve-nos, nessa bússola, um guia para atitudes com o outro, com instituições, em Estado”, valoriza.
O professor José Miguel Sardica reconhece que gostaria que a ação do setor social, “ligado ou não à Igreja”, fosse mais valorizada.
“É de bom tom – e lamento que quem decide na macro escala não veja isso – reconhecer que o setor social ligado ou não à Igreja, tem sido um complemento à ajuda pública muito importante. Oxalá continue a ter meios para o continuar a ser”, sublinha.
O historiador indica a Igreja como uma instituição que, “sem se reger por dias, meses, ou anos”, tem a longevidade e a sabedoria para “responder a uma escala mais micro ao que são as grandes questões” que se colocam no tempo, referindo-se em concreto ao desafio que a pandemia colocou a todos, numa ação “atenta e próxima”.
“Num ano em que se debateu imenso a economia, a política, a sociedade, todos os sectores sociais que mais sofreram, a Igreja foi uma instituição muito invisível para os media. Mas se formos fazer a recensão de todas as redes de ajuda e solidariedade, de cuidado do outro a uma escala micro, a Igreja, as instituições cívicas, leigos e IPSS, uma rede imensa não pública – isso é que é importante – colmatou em muitos aspetos o cuidado de pessoas que ficaram sem rendimentos, sem emprego, de famílias e lares a que o Estado não pode acorrer, que são aqueles para quem a pandemia não é só uma questão sanitária de evitar ou não, (porque) com a questão sanitária veio uma agudíssima questão económica”, realça.
Para José Miguel Sardica a pandemia continua a ser um “teste às famílias”, núcleo de “resistência” e “primeira almofada onde as contrariedades económicas, de emprego, escolarização (se sentem)”.
Nesse sentido, a encíclica «Amoris Laetitia», publicada em 2016 na sequência dos dois Sínodos sobre a família, “precisa ser relida hoje”, depois do impacto que a pandemia causou.
“A encíclica «Amoris Laetitia», que fala sobre revalorizar a família, o cuidado que é preciso ter para com aquela célula informal, humana e social. E é nela que repercute tudo o que de bom e, neste ano de menos bom, a situação pandémica em geral causou”.
Ao longo da semana o programa Ecclesia na Antena 1 vai estar à conversa com o professor e historiador José Miguel Sardica, perspetivando os acontecimento deste ano em diferentes áreas – Igreja, Política, Sociedade, Europa e Ambiente.
LS