Cardeal Stafford destaca virtude da pureza

Homilia na noite de 12 de Julho, em Fátima O tema catequético do Santuário de Fátima este ano é “ Sexto Mandamento: Guardar Castidade”. O sexto mandamento chama os baptizados à prática da virtude da pureza. O mandamento abrange toda a sexualidade humana e está intimamente relacionado com o nono mandamento, o qual trata directamente da purificação do coração. Ambos os mandamentos insistem no facto de a continência absoluta ser obrigatória para aqueles que não estão unidos por laços de um matrimónio legítimo. Eu irei explorar algo de unicamente cristão no que respeita à virtude da pureza. É a mais misteriosa das virtudes. Os cristãos nunca teriam sequer pensado nela se não tivessem olhado em frente para a ressurreição do corpo. Em 1956, Flannery O’Connor, escritora católica do Sul dos Estados Unidos, desenvolveu este ponto de vista. Ela partilhou, em carta a amiga sua, os seus notáveis pontos de vista sobre a virtude da pureza. Para ela, pureza significava castidade não só para os solteiros, mas também para os casados. Pureza – afirmava ela – envolve algo mais que simples renúncia: “Eu não presumo que renúncia signifique submissão, nem sequer que renúncia seja um bem em si mesmo. Renunciamos sempre a um bem menor para alcançarmos um bem maior; o contrário é que é pecado”. E ela continua, admoestando as pessoas a não se vangloriarem da sua pureza: “E, nesta linha de pensamento, parece-me que a expressão ‘pureza ingénua’ é uma contradição de termos. Não acho que pureza seja mera inocência; não me parece que os bebés e os idiotas a possuam. Eu acho que é algo que adquirimos com a prática ou com a Graça de Deus, de maneira que nunca se pode considerar ingénua (inocente). Em questão de pureza nunca podemos ser nós a julgarmo-nos a nós mesmos e muito menos qualquer outra pessoa. Quem se julga puro seguramente que não o é”. Nesta última afirmação, a Srª O’Connor apoiava-se aqui no ensinamento mais alargado de São Paulo, quando diz: “Por isso, todo aquele que pensa estar de pé tome cautela, não caia” (1 Cor.10,12). E, noutra passagem, São Paulo escreveu de modo semelhante: “Se alguém acha que é alguém, sendo nada, engana-se a si mesmo” (Gal.6,3). Muitos daqueles que ainda se encontram influenciados pelas teorias mecanicistas do século XIX acham que os ensinamentos da Igreja no que respeita à virtude são horríveis e de modo especial rejeitam os seus ensinamentos no que toca às virtudes da castidade e da pureza. Zombam da observância do sexto mandamento como sendo causa de perturbações emocionais, afirmando mesmo ser completamente repugnante e contra a natureza. Na sua vigorosa defesa da virtude da pureza, Flannery O’Connor revela a sua profunda compreensão da fé e da imitação de Paulo de Tarso, que por sua vez imita Jesus Cristo (1 Tes.4,1 e ss). Ela defende com rigor a sua própria convicção de que a vida evangélica de virtude é inseparável do âmago da fé cristã. Em carta de 1955, ela revela as profundezas da sua fé ao alicerçar, corajosa e brilhantemente, as origens da virtude da pureza na ressurreição do corpo: Para mim, é o nascimento de uma Virgem, a Encarnação, e a Ressurreição, que são as verdadeiras leis da carne e do físico. Morte, apodrecimento e destruição significam a suspensão destas leis. Espanta-me sempre a ênfase posta pela Igreja no corpo. Não é a alma – diz ela – que há-de ressuscitar, mas sim o corpo, uma vez glorificado. Eu sempre pensei que a pureza era a mais misteriosa das virtudes, mas vem-me ao pensamento que nunca teria entrado na cabeça do homem aceitar a pureza se não ansiássemos pela ressurreição do corpo, que será carne e espírito unidos em paz do mesmo modo que se deu em Cristo. A Ressurreição de Cristo parece ser o ponto alto da Lei Natural…” A Srª O’Connor está aqui a dizer que é fundamentalmente a lembrança do Mistério Pascal de Cristo e do baptismo de cada um aquilo que fornece a fundação e a motivação para a prática da virtude da pureza e de todas as outras virtudes. São Paulo ensinou exactamente a mesma norma quando escreveu: “Finalmente, irmãos, nós vos suplicamos e exortamos no Senhor Jesus que, do mesmo modo que aprendestes de nós como deveis viver e agradar a Deus, o que estais precisamente fazendo, assim também procurai fazê-lo cada dia mais e mais… Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação; que eviteis a impureza” (1 Tes.4-1,3). Em todo o Novo Testamento a prática da virtude era baseada na manifestação do ‘escathon’, isto é, na obra de salvação de Jesus pela Sua Morte e Ressurreição. A leitura que ouvimos esta noite, tirada da Epístola aos Hebreus, fala-nos das virtudes que devem formar as relações entre cristãos. O autor enumera as seguintes formas de conduta moral cristã: os baptizados devem amar-se uns aos outros, ser acolhedores, visitar os presos e os maltratados. Por fim, o autor sublinha o tema catequético escolhido para o ano 2006 no Santuário de Fátima e acima mencionado: “Sexto Mandamento: Guardar Castidade”. Ele desenvolve em que consiste a pureza matrimonial: “Honrai todos o matrimónio e não permitais que o leito matrimonial seja conspurcado; pois Deus julgará todo aquele que pratica a imoralidade e o adultério”. O autor da Epístola aos Hebreus colocou estas exortações morais no âmbito de uma nova e total forma de vida em que a procura humana foi forjada sob a tutela da fé no Deus de Jesus Cristo. Ele apresenta a parte moral da sua epístola proclamando a unidade indivisível de fé e vida: “Por isso, uma vez que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas, deixemos de lado todo o peso, todo o pecado que se agarra a nós tão intimamente, e corramos com perseverança aquela corrida que se nos apresenta diante de nós, com os olhos fixos em Jesus, o pioneiro e aperfeiçoador da nossa fé, o Qual, por amor àquela alegria que Lhe era proposta, suportou a cruz, desprezando o opróbrio, e agora está sentado à direita do trono de Deus” (Heb.12,1-2). A inviolabilidade da castidade matrimonial é do mesmo modo um proeminente tema na Igreja primitiva. S. Inácio de Antioquia escreve a S. Policarpo: “Diz a minhas irmãs que amem o Senhor e que estejam contentes com seus maridos em corpo e espírito. Do mesmo modo exorta também meus irmãos em nome de Jesus Cristo a amarem suas esposas como o Senhor ama a Igreja” (5). S. Inácio aconselha a virtude da virgindade ao mesmo tempo que admoesta fortemente a que não se alardeie dela: “Se alguém é capaz de guardar castidade em honra da carne do Senhor, que a guarde sem disso se vangloriar. Porque, se se vangloriar, está perdido; e, se alguém, a não ser o bispo, souber disso, então está arruinado”. S. Inácio está aplicando aqui a importância dada por Jesus à maneira silenciosa como os cristãos devem abordar as várias práticas ascéticas, tais como a oração, o jejum e a esmola: “Mas, quando deres esmola, não deixes que a tua esquerda conheça o que faz a tua direita, a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e assim o teu Pai que vê em segredo te recompensará” (Mt. 6-4). Não restam aqui dúvidas de que S. Inácio compreendeu que doutrina cristã e castidade matrimonial são mutuamente interdependentes. Ele usa o termo politicamente incorrecto ‘cristã’ em sua carta a S. Policarpo, como aliás o faz em outras. Desde o tempo do Imperador Adriano que o Direito Romano usava o termo ‘cristãos’ para designar membros do bando de conspiradores de Cristo contra o Estado. Ser cristão era um crime contra o Estado, punível de morte. Os cristãos eram considerados criminosos traidores. Em suas cartas S. Inácio usa o termo com ironia teológica. De facto, associação com Cristo significa participação, por meio do baptismo, na morte de Cristo e, por meio da morte, na Sua vida. Cristãos casados – dizia S. Inácio – fazem seu o modo de viver e de morrer de Jesus. O termo legal romano ‘cristão’ significava ironicamente que tal pessoa estava envolvida numa associação com Cristo. E assim o Direito Penal Romano exprimia exactamente esse significado do termo ‘cristão’: a vocação cristã era punível de morte precisamente porque significava participação na ‘con-spiratio’ do Espírito de Jesus Cristo. Eu recordo o quão profundamente me afectou a canonização, no dia 24 de Junho de 1950, da jovem virgem-mártir Maria Goretti. Presentes na Praça de São Pedro naquela ocasião encontravam-se a mãe dela e o seu assassino, Alessandro Serenelli. Ao tempo do seu martírio em defesa de sua pureza, eu tinha 17 anos de idade. O seu testemunho de pureza e coragem tornou-se a estrela polar da minha geração. O seu martírio começou a 5 de Julho de 1902. A família do seu atacante partilhava a mesma casa com a família Goretti. Situava-se por cima de um velho palheiro numa zona de pobres lavradores, os pântanos Pontine, a Sul de Roma. O seu atacante, Alessandro, tinha vinte anos de idade na altura do ataque contra Maria de 12 anos. Ele testemunhou mais tarde que Maria apelou a que ele parasse com o ataque para salvação de sua alma e que não cometesse tão grave pecado. Antes de morrer no dia seguinte das facadas infligidas, ela perdoou-lhe e rezou para que Deus lhe perdoasse também. Como Flannery O’Connor, S. Maria Goretti, cuja memória a Igreja acaba de celebrar no dia 6 de Julho, percebeu que a pureza está intimamente associada à dignidade do corpo humano. Ela estava consciente de que a Igreja ensinava que não era a alma mas o corpo que havia de ressuscitar glorioso. Em união com a Igreja ela professava todos os domingos: “Eu creio na ressurreição da carne (do corpo)”. Ela deu testemunho deste mistério: que a Encarnação e Ressurreição de Jesus constituem as verdadeiras leis da natureza, da carne e do físico. Santa Maria Goretti, rogai por nós! Cardeal James Francis Stafford, Penitenciário-mor

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top