A euforia do Mundial: e depois?

Durante um mês, os portugueses andaram eufóricos com a selecção nacional e as cores da bandeira portuguesa acompanharam os caminhos dos portugueses a viver nas terras lusas e aqueles que estão na diáspora. Domingo, a multidão saiu novamente à rua para receber os heróis que traziam na bagagem o quarto lugar do Campeonato do Mundo de Futebol, realizado na Alemanha de 9 de Junho a 9 de Julho. Esta euforia com a selecção nacional “apoia-se num fenómeno desportivo de massas que se tornou muito importante nas cidades europeias e da América Latina e neste caso é emblematizado em torno de valores da identidade nacional” – disse à Agência ECCLESIA o sociólogo Alfredo Teixeira, professor da Universidade Católica Portuguesa (UCP). Este fervor que habitou nas pessoas durante a saga vitoriosa – caiu aos pés da selecção francesa – é parecido com a «febre» clubística. “Só que aqui há uma capacidade de capitalização dos sentimentos das pessoas que ultrapassa as barreiras clubísticas e até mobiliza pessoas que, frequentemente, estão menos interessadas na disputa entre clubes” – referiu. Um trajecto eufórico mas o impacto “sobre a situação económica portuguesa é muito pequeno” – disse à Agência ECCLESIA João César das Neves, economista e professor da Universidade Católica Portuguesa (UCP). Esta caminhada tem “efeitos negativos e também efeitos positivos”. Segundo este professor da UCP, o lado positivo centrou-se “na emoção e no contentamento dos portugueses”. O reverso da medalha é que as pessoas “andaram a pensar noutras coisas e não produziram durante estes dias”. E adianta: “muitos até faltaram aos empregos”. O facto da selecção nacional ter chegado onde chegou “é provavelmente mais importante do que cinco ou seis pontos PIB”. “Não se pode avaliar as coisas simplesmente por razões mecânicas e económicas”. Será um motor de arranque para resolver o problema da crise que afecta o país? “Não é por isto que as pessoas vão investir mais ou menos” – sublinha João César das Neves. Na sociedade actual, o acontecimento futebol tem uma “dimensão de aliança entre rito e espectáculo que é muito particular”. O estádio de futebol é um recinto que reúne “um conjunto de pessoas que vão travar uma luta. Vão ensaiar uma luta que tem dimensões de espectáculo relacionadas com a habilidade, capacidade e a performance dos indivíduos e das equipas. Tem também uma dimensão de luta cujo objectivo é vencer. Há uma dramatização do nós face aos outros que se espelha muito na actividade desportiva” – sublinhou Alfredo Teixeira. Algumas vezes, o futebol é visto “como culto. Normalmente, as vedetas desportivas são – sobretudo nos países do Sul da Europa e na América Latina – oriundos das classes sociais baixas o que permite este espírito de identificação com alguém que fez uma trajectória de sucesso”. De alguém que nasceu numa “base social desprivilegiada” por isso tem uma “capacidade de identificação social muito forte na nossa sociedade” – adiantou o sociólogo. No mundo da economia, alguns peritos afirmam que o país vencedor do Mundial de Futebol – Itália – terá um impulso positivo na economia. “Duvido muito disso e acho que não é verdade” – disse João César das Neves. A euforia dos portugueses com o comportamento da selecção ocupou a comunicação social. “A Comunicação Social é monotemática e quando arranja um assunto só olha para ele, é um problema antigo” – lamenta o economista. Alfredo Teixeira notou que a panóplia das redes da comunicação social – onde todos os jornalistas e comentadores participam neste acontecimento – colocam “facilmente as respostas na boca das pessoas. As respostas procuradas exibem um certo orgulho nacional. O contexto em que se celebra o desporto hoje é diferente daquele que se descrevia antes mas não totalmente novo” – frisou o sociólogo. Por outro lado – realça César das Neves – foi “bom que a sociedade estivesse empenhada com este assunto porque sentimo-nos como um corpo a apoiar a selecção”. Mesmo perdendo com a selecção francesa parece que tudo se encaminha para que “não nos sentimos miserabilistas”. É um sinal de amadurecimento que a sociedade portuguesa “não tinha há pouco tempo”. Por sua vez, Alfredo Teixeira realça que temos “poucas coisas na nossa sociedade que tenham uma capacidade de mobilização e um sentimento fusional da ideia de nação. O futebol acaba por ocupar o espaço que noutros períodos históricos foi ocupado por outros projectos colectivos”. Quando as pessoas fazem “uma experiência aguda do que é o risco e a crise social encontram no Futebol – na luta entre nações – um motivo de re-identificação bastante poderoso mas bastante efémero”. Numa Europa Unida, o excesso de bandeiras não é visto por César das Neves como um nacionalismo exacerbado. “É saudável e razoável até porque nos Estados Unidos também acontece que o Texas é o Texas e a Califórnia é a Califórnia”. A identidade nacional “não se deve perder na Europa unida” – sublinha o economista. Não será esta identificação com a cores nacionais muito recente? De uma forma geral “todos os nacionalismo privilegiaram o desporto”. Os Estados modernos que “cultivaram formas autoritárias privilegiaram sempre muito a exibição do desporto como emblema nacional. O desporto é disciplina, concentração e procura do alto rendimento. São valores cultivados pelos Estados totalitários” – disse Alfredo Teixeira. Não estamos num Estado Totalitário mas a sociedade procura “alguma coisa que a identifique. Vivemos num período de rarefacção do Estado” – avançou o sociólogo. Depois do encerramento deste acontecimento que ocupou milhares de horas de emissões televisivas e radiofónicas, o futuro Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone – Conhecido pela paixão com que segue o fenómeno futebolístico – referiu à Rádio Vaticano que o Alemanha-2006 foi uma oportunidade para o encontro entre diversos países, em especial “os que estão mais longe das tradições que se vivem na sociedade europeia”. A “sã competição”, disse, pode abrir portas para a “reconciliação”, dado que nestes grandes eventos se encontram “pacificamente” vários Estados que são “politicamente muito diversos”.

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