O cinema em novos caminhos

Quantos mais anos passam e mais se desenvolve a Sétima Arte, quer técnica quer artisticamente, mais difícil vai sendo aos respectivos produtores, argumen-tistas e realizadores encontrarem temas e formas de tratamento que se afastem do que já está visto, que apresentem um mínimo de originalidade. Terry Gilliam, que já se mostrara um homem de ideias nas suas realizações anteriores e, sobretudo, na participação no grupo de humor Monty Python, prova agora ser um autor verdadeiramente original com a sua obra mais recente, “O Mundo ao Contrário”, ou Tideland” no seu título de origem. O filme é uma observação sobre o mundo com um distanciamento intencional, uma vez que se centra apenas em personagens que nada têm a ver com o que designamos como gente normal. Todas as personagens – e não são muitas – estão afastadas do cumprimento dos mais elementares conceitos estabelecidos pelas diversas sociedades contemporâneas, vivendo alegremente, por vezes, com grande tristeza, em outras ocasiões, num mundo paralelo, em que a lógica é outra e se destina apenas a permitir a sobrevivência de tão estranhos seres, até serem esmagados, inevitavelmente, pelo mundo maioritário. Jeliza-Rose, nos seus inocentes dez anos, sempre conviveu com a toxicodepência dos pais, não aceitando, depois da morte da mãe, que suceda o mesmo a seu pai, pelo que, sem consciência plena dos seus actos, conserva o corpo como se este dormisse, para assim não viver sozinha. E, por amigos mais próximos, tem quatro cabeças de bonecos, separadas dos corpos, com quem dialoga profusamente com recurso sistemático às ideias contidas em “Alice no País das Maravilhas”. O filme acaba por ser uma chamada de atenção para a sociedade contemporânea, que despreza os que estão fora dos seus padrões. Mistura o drama e a comédia, mas constitui um trabalho com muitos valores humanos na análise da personalidade infantil de Jeliza-Rose e dos poucos que a rodeiam. Francisco Perestrello

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