Museus e Igreja, uma relação secular

Dia Internacional dos Museus recorda importância das iniciativas eclesiásticas para a criação de um rede museológica A relação entre os Museus e a Igreja no nosso país é bem visível: ao longo dos séculos, foram-se reunindo colecções por iniciativa eclesiástica, em Conventos, Paços episcopais e Sés. Ficaram famosas as colecções do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, a do Mosteiro de Tibães (uma das primeiras pinacotecas portuguesas, cerca de 1816, após a doação dos quadros de Frei José da Apresentação) e, em Lisboa, a dos Cónegos Regrantes do Mosteiro de S. Vicente de Fora e a dos Oratorianos, no Hospício das Necessidades, entre outras. A iniciativa de dois eclesiásticos – o Padre José Mayne e D. Manuel do Cenáculo Vilas-Boas (Bispo de Beja e de Évora) – de instituírem “Escolas Públicas”, abertas a religiosos e seculares, e Museus ou “Gabinetes” que recolheram lápides, moedas, medalhas, vasta pinacoteca e exemplares de história natural foi uma etapa decisiva na valorização do património do País, acompanhando o que de moderno se processava na Europa “iluminada” e enciclopédica. A este dealbar promissor da história da museologia portuguesa, sucedeu-se um período muito conturbado, que se prolongou pelo primeiro quartel do século XIX, devido não só às destruições e saques dos invasores napoleónicos, transferindo para Museus franceses o que de melhor seleccionaram os seus especialistas (como o naturalista Geoffroy de Saint Hilaire), mas igualmente à transferência do Rei e da corte para o Brasil, tendo embarcado obras de arte e colecções diversas, que em grande parte irão ingressar no Museu Real do Rio de Janeiro (1818) e no Gabinete de História Natural e Etnografia, instalado no Palácio de S. Cristóvão (1818), servindo de estimulo à Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitectura Civil (1820). No decorrer do século XX, a Igreja não descurou as suas responsabilidades na preservação do património de interesse museológico, apesar de, após ter sido despojada de parte dos seus bens, assistir à reutilização de igrejas desafectas do culto por actividades museológicas (Igreja das Mercês de Évora, Igreja de S. João de Alporão, de Santarém, etc.). Só após a Concordata, assinada em 1940 entre a Santa Sé e Portugal, a situação tende a normalizar-se. Seguindo caminhos abertos ainda no final do século anterior por personalidades de relevo como o Abade do Baçal ou D. Manuel de Bastos Pina, retomam-se projectos de organização de tesouros de Sés (no Porto, em Braga, em Viseu, em Lisboa, no Funchal) e recuperam-se colecções de âmbito diocesano (tendo como principal arauto D. Domingos de Pinho Brandão). Mais recentemente, organizam-se novos Museus locais, com espólios doados por eclesiásticos (Museu da Consolata, Museu de Numismática de Vila Real de Trás-os-Montes, fundado pelo numismata Pe. João Parente) ou por devotos (2002, Museu do Santuário de Fátima). Na década de 80 incentivaram-se os contactos do Instituto Português do Património Cultural com as Dioceses, conduzindo a diversas realizações de carácter formativo (no âmbito da conservação preventiva, da segurança e da divulgação das colecções) e à análise conjunta de projectos de recuperação e reutilização de imóveis de proveniência eclesiástica, tutelados por aquele Instituto (Mosteiros de Alcobaça, Batalha e Tibães). Fazendo coincidir com os grandes eventos internacionais, a Conferência Episcopal determinou a organização de Exposições de prestigio como “Oito Séculos de Missionação Portuguesa” (Lisboa, 1994 e Vaticano, 1996), a Diocese do Porto promoveu a Exposição “Cristo, Fonte de Esperança” (Porto, 2000, por ocasião do “Grande Jubileu”) e um número significativo de Dioceses autorizou o empréstimo de colecções para Exposições promovidas pelo Estado, dentro e fora do País. Os bens culturais eclesiais são um património específico da comunidade cristã. Ao mesmo tempo que, pela sua desejada dimensão universal do anúncio cristão, pertencem de certa forma a toda a comunidade: enquanto expressão da memória histórica, os bens culturais permitem redescobrir o caminho da fé através das obras de diversas gerações. Pelo seu valor artístico, manifestam a capacidade criativa dos artistas, artesãos e mestres locais que souberam exprimir nas coisas simples o próprio sentido religioso e a devoção da comunidade cristã. Pelo seu conteúdo cultural, transmitem à sociedade actual a história individual e comunitária da sabedoria humana e cristã, no âmbito de um território concreto e de um determinado período histórico. Uma lista dos Museus ligados à Igreja Católica, em Portugal, está disponível no sítio do Secretariado Nacional dos Bens Culturais da Igreja (www.ecclesia.pt/bensculturais).

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