Declaração da Comissão Nacional Justiça e Paz Chegámos ao termo da audição pública “Por uma sociedade segura e livre de armas” a qual teve como objectivo principal contribuir para uma maior tomada de consciência colectiva acerca de uma grave questão de âmbito nacional, mas também mundial: a proliferação das armas. Armas, ditas ligeiras, mas que são responsáveis por um número elevado e crescente de mortes violentas, em todo o Mundo e também em Portugal. No decurso das várias sessões, tivemos oportunidade de analisar esta vasta problemática, segundo diferentes perspectivas e pudemos ir reunindo conhecimentos que nos habilitam agora a tornar público um conjunto de conclusões que, desde já, oferecemos aos responsáveis políticos, dirigentes da Administração Pública, organizações não governamentais, aos media e à opinião pública, em geral. Pensamos que, deste modo, estamos a contribuir para que questão de tamanha envergadura venha a merecer um empenhamento amplo de cidadania, capaz de apontar e viabilizar caminhos para uma sociedade realmente segura e livre de armas. Durante esta audição, assistimos, com satisfação, à promulgação de uma lei que vem enquadrar o uso e o porte de armas por parte de civis. Esperamos que a respectiva regulamentação, prevista para breve, dote o nosso País dos mecanismos legais apropriados ao maior controlo da produção, comércio e venda de armas ligeiras, bem como imponha maior exigência de responsabilização a quem detém essas armas. Reconhecemos, porém, que, por mais aperfeiçoada que a lei possa ser, e por mais eficientes que sejam os mecanismos adoptados para a sua implementação, são indispensáveis instrumentos e medidas de outra natureza, que previnam as causas que subjazem aos fenómenos da proliferação das armas, designadamente, que sejam adoptadas providências que superem as condições de extrema precariedade económica e social em que, presentemente, vivem certos segmentos da população, nomeadamente nas periferias das grandes cidades. Há, igualmente, que criar condições de reforço da segurança pública e fomentar uma cultura generalizada de não-violência na resolução de conflitos de interesses. No modo de funcionamento das sociedades democráticas, está implícito um “Contrato Social” pelo qual o Estado assegura a ordem e a tranquilidade públicas e o cidadão, em troca, renuncia ao uso das armas para acautelar este objectivo. Todavia, a população tem a convicção de que, em matéria de segurança, é notório o incumprimento deste Contrato social por parte do Estado, embora se possa argumentar que a “prevaricação” é generalizada e, nos casos mais graves, altamente organizada, por vezes com tentáculos transnacionais, difíceis de contornar. Seja como for, é desejável que o Estado dê um sinal mais forte da sua preocupação com a segurança dos cidadãos e do modo com está a actuar ou se prepara para o fazer, de forma que o cidadão comum se sinta mais inclinado a abandonar as armas detidas legal ou ilegalmente ou deixe cair a ideia de as comprar. A nova lei do uso e porte de armas prevê um período de entrega voluntária de armas. Apoiamos esta iniciativa. Porém, afigura-se-nos indispensável que a mesma seja acompanhada por uma ampla mobilização nesse sentido por parte da sociedade civil. O Estado, por seu turno, deverá empenhar-se em criar um clima de confiança propício ao “desarmamento”. Por exemplo, dando garantia inequívoca de que as armas legais ou ilegais recolhidas pelo Estado por entrega voluntária, apreensão, recepção ou recuperação, serão retiradas dos circuitos comerciais e, por via de regra, comprovadamente destruídas. A este propósito, é de desejar que a regulamentação da nova lei sobre o uso e o porte de armas favoreça a destruição das armas e não a sua re-introdução no circuito comercial. Por maioria de razão, e noutro contexto, as armas ligeiras de guerra substituídas ou a substituir, por obsoletas, no âmbito de programas de modernização das forças armadas, não deveriam entrar nos circuitos comerciais ou ser objecto de transacções indiscriminadas de Estado a Estado. Antes deveriam ser inutilizadas, de forma a criar uma envolvente mais propícia à luta contra a proliferação de armas ligeiras na sociedade, aumentando a capacidade moral do Estado no seu relacionamento com os prevaricadores. Com idêntica preocupação de criar um clima dissuasor da proliferação de armas, entendemos que o Estado deveria assumir, pública e inequivocamente, a sua responsabilidade na luta pela erradicação da pobreza e da exclusão social, bem como o combate à grande desigualdade, dotando-se de necessária e eficiente organização e dos correspondentes meios para atingir os objectivos visados neste domínio. É este um desafio particularmente urgente no que se refere à re-qualificação de espaços urbanos degradados, para dotar as respectivas populações de habitat condigno. Para levar a bom termo estes propósitos, indispensável se torna contar com a sociedade civil e suas múltiplas organizações, incentivando a sua cooperação e, sobretudo, agilizando formas de actuação local coordenada e de acompanhamento de execução e de avaliação contínua de resultados. A este propósito, a figura da rede social já definida pode apresentar-se como um instrumento interessante, mas desde que aplicada, não só a nível da definição de necessidades, objectivos e estratégias no plano concelhio, como também dirigida aos problemas locais e integrando propósitos de criação de sinergias e complementaridade entre diferentes instituições a agir no terreno. Hoje, damos por encerrada esta Audição Pública, mas tal significa que apenas está concluída uma etapa na prossecução de um objectivo mais ambicioso: promover uma sociedade segura e livre de armas no nosso País e no Mundo. O Observatório criado no âmbito da Comissão Nacional Justiça e Paz vai prosseguir no seu trabalho de acompanhar esta vastíssima problemática. Estão já em curso diligências no sentido de criar uma rede de parcerias com interesse e empenhamento neste domínio. Queria aproveitar este momento para saudar essa rede de parcerias nascentes e formular votos para que todos possamos caminhar em conjunto no sentido de uma sociedade efectivamente mais segura e livre de armas. Porque também mais justa, mais inclusiva e mais convivial. 16 de Maio de 2006 Comissão Nacional Justiça e Paz Observatório sobre a produção, o comércio e a proliferação de armas