Tolentino Mendonça encerrou seminário internacional sobre o «Jesus histórico» As refeições de Jesus foram elemento central de ruptura e confronto com as instituições sociais e religiosas do seu tempo, tendo motivado, em última instância, a sua eliminação. Foi assim que o Pe. Tolentino Mendonça, exegeta português, encerrou ontem na UCP o seminário internacional sobre o “Jesus Histórico”, promovido pelo Centro de Estudos e Culturas (CERC) Cardeal Höffner. “As refeições de Jesus eram uma ameaça ao mundo religioso do seu tempo”, explicou, lembrando que a comunidade de mesa com os pecadores era tida como “uma insolência de Jesus, uma actuação anárquica do ponto de vista social e religioso”. O Código da pureza ritual (Lv 11) mostra, de facto, como as escolhas alimentares de um membro do povo de Deus deviam ser consideradas como fundamentos da sua identidade. Jesus, contudo, comia com os “impuros”, aqueles que transportavam consigo uma fractura dessa identidade. Para Tolentino Mendonça, apesar de a imagem de Jesus como comensal não ser predominante na catequese e no anúncio da Igreja, o motivo das refeições não é “secundário nem periférico” no Novo Testamento, em especial no Evangelho de Lucas. Este especialista lembra que Jesus “manipulou a forma tradicional” como eram organizadas as refeições no seu contexto judaico, revelando uma grande originalidade. “As refeições foram grandes sinais para a compreensão da personagem, nos Evangelhos, e constituíram para os opositores de Jesus um obstáculo intransponível, um derradeiro motivo para a sua eliminação”, apontou. Após um enquadramento do significado da refeição no contexto mediterrânico e na cultura bíblica, Tolentino de Mendonça defendeu que a refeição coloca Jesus “numa posição simbólica”, relativa a Ele próprio e ao Reino de Deus. Nas refeições, ele inverteu a ordem social, a prática e as expectativas do seu tempo, transformando-as “num lugar onde o reino se descobre e constrói”. Ainda hoje, o centro da celebração da memória de Jesus na Igreja é uma refeição, a Eucaristia, celebrações que Tolentino Mendonça lamenta terem deixado de ser “um elemento de ruptura cristã”, para se transformarem em elementos de continuidade. Novos projectos O Pe. João Lourenço, director do CERC, traçou um balanço muito positivo das quatro sessões deste seminário internacional em que se debateram as perspectivas sobre a investigação recente relativas ao “Jesus histórico”. Por Lisboa passaram Armand Puig, que falou dos aspectos culturais e antropológicos de Jesus, e Frédéric Manns, que situou Jesus no contexto imediato da sua pátria. As duas últimas sessões estiveram a cargo de especialistas portugueses: Tolentino Mendonça, como já se disse, e Joaquim Carreira das Neves, que analisou a figura das mulheres nos Evangelhos canónicos e gnósticos, uma porta para a compreensão da originalidade de Jesus. Para o director do CERC este seminário era uma ideia de há algum tempo, que agora se concretizou, mas o tema “não está esgotado”. Por isso, o Pe. João Lourenço admite que o Centro avance para “projectos mais sedutores”. Estas iniciativas, frisou, servem para “consolidar perspectivas sobre Jesus e promover o debate cultural”, aproveitando as contribuições das “áreas de investigação mais interpelativas”.