Jornadas de Bioética em Braga debateram ainda estado vegetativo e eutanásia Apesar de concordarem que tem havido melhorias na assistência aos doentes terminais e em estado vegetativo persistente, os especialistas consideram que os cuidados paliativos em Portugal estão ainda «na pré-História». Uma opinião expressa ontem, no decorrer das II Jornadas de Bioética, este ano sob o tema “O fim da vida”, que se realizaram na Faculdade de Filosofia de Braga. Margarida Vieira, coordenadora dos programas de enfermagem da UCP, desde a licenciatura ao doutoramento, concorda que o tratamento nos cuidados intensivos está muito atrasado, o que não significa falta de assistência. E considera que faltam projectos e pessoas formadas na área de cuidados paliativos. Define-se cuidados paliativos, os cuidados e especialidades que se prestam aos doentes com doenças avançadas e progressivas que já não respondem aos tratamentos curativos. Os cuidados paliativos são feitos através de tratamentos dos sintomas físicos e psicológicos, do apoio social, apoio à família. «A finalidade é ajudar as pessoas a viver da melhor forma possível a sua vida. É preciso centrar-se na vida e não na morte», afirmou José António Ferraz Gonçalves. Margarida Vieira concorda que o tratamento nos cuidados intensivos estejam ainda na pré-história, o que não significa falta de assistência. «O movimento dos cuidados paliativos é uma coisa recente, que se identifica com uma área de especialização médica. Deste ponto de vista estamos na pré-história. Mas sempre se fez algo para que no fim da vida as pessoas tivessem algum conforto e bem-estar. Quando as pessoas estão a morrer estão acompanhadas, independentemente do nome que damos aos tratamentos. Antigamente fazia-se formação de enfermeiros para assistir aos moribundos », disse. Segundo esta responsável, faltam projectos e pessoas formadas na área de cuidados paliativos. «Há pouca gente a enveredar-se para esta área e é preciso dizer que não basta fazer o curso», afirmou. Por sua vez, José António Ferraz Gonçalves, especialista na área de oncologia, concorda que Portugal está ainda na “pré-história” e aponta o dedo aos políticos. «Em medicina, saber é saber fazer, não basta ter conhecimentos. A carência nesta área é evidente. Há casos mais complicados em que as pessoas podiam ser mais ajudadas. Falta vontade política em resolver as coisas. É necessário dar passos para se poder evoluir porque as coisas não se fazem de uma só vez», aconselhou. Viver a vida com sentido faz morrer pacificamente Questionados se a fé ajuda a superar os momentos difíceis, os palestrantes divergem em alguns aspectos. Margarida Vieira citou uma frase de uma médica americana que diz que «cada um de nós morre conforme viveu e cada um de nós vive conforme a ideia que tem da morte». A docente concorda e explicou porque: «quando se chega ao fim da vida, a pessoa olha para o percurso da sua vida para o sentido que a vida faz para ela. A religião pode fazer a diferença na forma como se encara essa fase. Os estudos têm demonstrado que para quem a vida depois da morte faz sentido vivem mais pacificamente o fim da vida. Também para aqueles, mesmo não acreditando em nada para além da morte mas a vida teve sentido, morrem de forma mais pacificamente ». Segundo Margarida Vieira os cuidados de enfermagem têm no nosso mundo uma inspiração cristã, referindo- se que o cristianismo é uma cultura e não apenas uma religião. «Fomos criados, a ouvir dizer que se deve preocupar com o nosso próximo, por isso, é para nós uma questão mais que cultural quase genética». Por isso, considera que se o profissional se identifica com as crenças pode ajudar o doente. «Se o doente é católico e precisa de orar, e se eu também sou, posso rezar com ele. Se não, não posso nem vou sentir a necessidade que ele tem de rezar». José Ferraz Gonçalves diz as pessoas reagem de forma diferente. «Pode-se pensar que um cristão aceitará melhor a doença e a morte. Mas há o outro lado da moeda, que são os doentes que se revolvem, questionando o seu destino, achando que foi injustamente atingido pela doença, uma vez que sempre cumpriu os seus deveres como cristão. Por isso, depende mais da personalidade de cada um do que da religião », entende. Em Portugal morrem anualmente mais de 100 mil doentes com cancro, sida e outras doenças neuro-degenerativas. O médico lembrou que nos doentes com cancro, cerca de 75 por cento dos custos de uma vida inteira são referentes aos últimos 12 meses. Estado vegetativo e eutanásia As II Jornadas de Bioética trataram “O fim da vida”, com subtemas como a “Eutanásia” e o estado vegetativo permanente”. Assuntos longe de gerar consensos entre a classe médica e entre esta e a sociedade civil. Envolvem questões jurídicas, políticas, religiosas, éticas, sociais, económicas, entre outras. Daí ser sempre muito difícil atingir consensos. Daniel Serrão enviou um texto que foi lido por José Henriques Silveira de Brito. No documento, Daniel Serrão mostrou como evoluiu a posição da classe médica holandesa em relação à eutanásia, apresentando dados estatísticos que mostram quantas pessoas foram assistidos na morte, voluntária ou voluntariamente, sem que nenhum médico tenha sido condenado. Por sua vez, o médico António Vaz Carneiro, da Faculdade de Medicina de Lisboa e membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida” (CNECV), expôs o tema “A morte e o estado vegetativo permanente”. Para ilustrar a sua exposição, apresentou o caso da jovem americana Terry Schiavo que aos 26 anos, depois de um acidente, passou a viver em estado vegetativo. Muitos anos depois, o marido pediu aos médicos que retirassem o tubo de alimentação à mulher para lhe provocar a morte. Em Março de 2005, conseguiu as suas pretensões. O caso mexeu com a sociedade americana. A luta nos tribunais envolveu os pais da rapariga e o marido, os movimentos pró-vita, o Congresso e o próprio Presidente da República. O médico começou por explicar que o doente em estado vegetativo persistente não é um doente terminal. «Não são doentes em coma e cada caso é um caso». E quando se constata que a situação é irreversível, surge o debate e as noites longas dos médicos sobre o que fazer. Isto porque, a decisão de não alimentar o doente, de desligar o ventilador ou o outra máquina que liga o doente à vida não é uma decisão meramente médica. Envolve questões éticas, familiares, jurídicas e religiosas.