A cruz escondida

A história de um peditório que tinha tudo para correr mal…

O sermão mais difícil

Foi há 80 anos. Em 1940, os nazis cometem uma das maiores atrocidades de toda a II Guerra Mundial. Na localidade de Vinkt, na Bélgica, 86 civis foram executados pelas tropas alemãs, provocando um enorme sentimento de ódio. Dez anos mais tarde, um padre decide ir a essa vila pedir ajuda para os alemães, entretanto derrotados e que deambulavam como mendigos pela Europa. O que aconteceu foi incrível, foi quase um milagre…

A pequena localidade de Vinkt, situada perto da cidade de Gantes, na Bélgica, foi palco de um dos mais horríveis crimes em toda a II Guerra Mundial. As tropas alemãs viram-se confrontadas com uma invulgar resistência e retaliaram contra os civis. Numa tarde, que ficou para a posteridade como um dia de infâmia, 86 pessoas foram executados a tiro pelos soldados nazis. Sem piedade. Foi no dia 27 de Maio de 1940. O fim do conflito, cinco anos mais tarde, não significou o fim do sofrimento para milhares de pessoas. Vencedores e vencidos partilhavam quase o mesmo infortúnio. Os alemães, derrotados nos campos de batalha, viviam então tempos particularmente duros. Consequência da derrota militar, a própria Alemanha foi dividida e passou a simbolizar a fronteira entre dois mundos, numa guerra fria que, durante décadas, manteve o mundo suspenso do holocausto nuclear. Do lado de lá dessa fronteira que se chamou de ‘cortina de ferro’, ficaram milhões de cristãos que passaram a ser olhados como inimigos de um regime que queria um mundo sem Deus. Essa realidade estaria na base do nascimento da Ajuda à Igreja que Sofre. O Padre Werenfried van Straaten, o fundador da AIS, já revelava por esses dias a energia, dinamismo e coragem que iriam ser marcas de identidade de uma vida entregue à Igreja perseguida. Regressemos a Vickt. Logo após o fim da II Guerra Mundial, o Pe. Werenfried desdobrava-se em encontros, missas e palestras, sempre com o objectivo de reunir ajuda para a multidão de famintos, de pessoas sem eira nem beira que deambulavam pela Europa. Muitos eram alemães. O Pe. Werenfried olhava para eles e condoía-se. Eram pessoas de mãos vazias, sem casa, sem futuro, sem nada. Para muitos, eram ainda o inimigo. Para o Pe. Werenfried, eram apenas pessoas.

 

Amor e reconciliação

Dez anos depois do massacre de Vickt, o Pe. Werenfried encontrou-se com o pároco local e disse-lhe que gostaria de falar à comunidade no final da Missa de domingo, precisamente para pedir ajuda para os alemães. O padre deitou as mãos à cabeça e tentou demovê-lo, garantindo que ninguém o iria escutar e só não seria escorraçado a murro e pontapés por ser um homem da Igreja. Nas suas memórias, o padre Werenfried haveria de recordar este episódio. “Não era medroso, mas naquele momento tive medo.” À sua frente, na igreja, estavam praticamente todas as pessoas de Vinkt. “Foi o sermão mais difícil da minha vida”, escreveu o fundador da AIS. Falou apenas em amor e reconciliação. Depois da bênção, no final da Missa, quando a igreja já estava vazia, uma mulher aproximou-se do Pe. Werenfried e, em silêncio, entregou-lhe um envelope com dinheiro. E partiu sem dizer nada. O pároco de Vinkt ficou perplexo. Aquela mulher era viúva. O seu marido, um filho e um irmão estiveram no pelotão de fuzilamento dos nazis. As palavras do Pe. Werenfried tinham-na comovido a ponto de querer ajudar os alemães. “Ela foi a primeira”, escreveu o padre. Nessa noite, o Pe. Werenfried voltou a falar. A sala estava cheia. Durante duas horas, o Pe. Werenfried falou da situação desesperada em que se encontravam os sacerdotes que tinham ficado do lado de lá da ‘cortina de ferro’. Não havia tempo a perder. Mas, naquela noite, o Pe. Werenfried pediu apenas as orações da comunidade católica de Vinkt. Apenas isso. “Eles rezaram com lágrimas nos olhos”, escreveu o sacerdote nas suas memórias. E o milagre aconteceu. “Naquela noite, por volta das 23h00, quando estava escuro e ninguém os poderia reconhecer, eles vieram. Um depois do outro, até à casa paroquial, para entregar os seus envelopes… uns com 100 francos, outros com 500…” As palavras do Pe. Werenfried transformaram aquela comunidade. Foram palavras ditas do fundo do coração que ajudaram a fazer da Fundação AIS uma das mais importantes obras de misericórdia da Igreja Católica, sempre ao serviço dos Cristãos que sofrem, que são perseguidos, que vivem na mais absoluta pobreza.

Paulo Aido | www.fundacao-ais.pt

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