SABER APRENDER – Missa no altar do mundo

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

As Eucaristias procuram o seu “novo” normal e o espaço certo para evitar que a situação de pandemia que vivemos continue a remeter este encontro com Deus para algo que fazemos remotamente. E uma das estratégias que muitas paróquias (as que podem, claro) têm explorado, sobretudo em tempo de Primavera a caminhar em direcção ao Verão, são as missas campais. Missas no altar do mundo como diria o paleontólogo jesuíta, o P. Teilhard de Chardin.

A Eucaristia pode ser somente a celebração da morte e ressurreição de Jesus, mas é muito mais. Aliás, imersa no mistério de Deus, creio não termos ainda descoberto na totalidade o que pode ser a Eucaristia para nós, pois, essa transforma mais do que a nossa vida. Na Eucaristia vejo o gérmen de transfiguração do próprio cosmos em novos céus e nova terra.

Apesar de não ser em cenário de pandemia, o P. Teilhard de Chardin, em plena expedição científica em 1923, viu-se impossibilitado de celebrar a missa. Foi nesse momento que reflectiu sobre a irradiação da Presença Eucarística de Deus no Universo e redigiu ”A Missa no Altar do Mundo.”

«Visto que, uma vez mais, Senhor, já não nas florestas do Aisne, mas nas estepes da Ásia, não tenho nem pão, nem vinho, nem altar, elevar-me-ei acima dos símbolos até à pura majestade do real, e oferecer-vos-ei, eu, Vosso sacerdote, no altar da Terra inteira, o trabalho e a dor do Mundo.» (Teilhard de Chardin, Hino do Universo, Editorial Presença, 1996)

No ano em que acabámos de celebrar o quinto aniversário da Laudato Si’, encontramos nesta necessidade, um novo olhar sobre o nosso planeta, um altar.

Se os Cristãos de todo o mundo abrissem o olhar a esta realidade do planeta como o altar do mundo, a mesa da Palavra ou da fracção do pão, estou certo que se descobririam como sacristães, onde o cuidado do planeta é igual ao cuidado que têm com o altar, mas creio que Teilhard nos ajuda a ir mais longe.

Sacerdotes da Criação

Ser cuidador, sacristão, guardião é pouco. Quando nas eucaristia campais que participamos um pouco por todo o mundo se eleva a hóstia na consagração, recordo-me das palavras de Teilhard,

«Recebei, Senhor, esta Hóstia total que a Criação, movida pelo Vosso apelo, Vos apresenta na nova aurora. (…) No fundo desta massa informe, Vós pusestes — tenho a certeza, porque o sinto — um desejo irresistível e santificado que nos faz gritar a todos, do ímpio ao fiel: “Senhor, fazei-nos um!”»

O desejo insaciável de unidade com o cosmos, é algo que pode ser partilhado por crentes e não crentes, pelo que as eucaristias campais revelam-se como expressão visível de desejos invisíveis, mas sentidos por todos os que têm uma sensibilidade maior do que o mero olhar pode ver à sua volta. E a razão da universalidade deste desejo é bem expressa por Teilhard,

«Vós me destes, ó meu Deus, uma simpatia irresistível por tudo o que se move na matéria obscura — porque, irremediavelmente reconheço em mim, bem mais do que um filho do Céu, um filho da Terra…»

Pode alguém negar ser um filho da Terra? O convite subtil que vejo aqui expresso é ao sacerdócio da Criação, isto é, sermos humanos que reconhecem valor da unidade entre nós, e entre nós e tudo o que existe no planeta, como algo digno de se elevar a uma unidade “misteriosa” (realidade escondida, não enigma a resolver) que adquire o seu sentido e significado plenos em Deus. Porém, creio ser possível ir ainda mais longe.

Hóstias da Criação

Este fim-de-semana celebrámos o mistério da Santíssima Trindade que abre o nosso horizonte de conhecimento de Deus (sempre reduzido) a um Deus que se revela como comunhão. Comunhão, esta íntima e mútua imanência que experimentamos quando autenticamente unidos (entre nós, com a natureza e com Deus).

Quem faz uma comunhão espiritual capta e experimenta a Presença de Deus que está para além das realidades visíveis. Como diz Teilhard,

«Àquele que amar apaixonadamente Jesus oculto nas forças que fazem crescer a Terra, a Terra, maternalmente, levantá-lo-á nos seus braços gigantescos, e fá-lo-á contemplar o rosto de Deus.»

Quando contemplo o elevar da hóstia percebo o quanto posso ser tocado; pela presença de Deus se o meu coração e mente se abrirem a esse desejo de unidade. É entrar num acto de contemplação planetário impensado, mas real, como o desejo que sinto é real.

Porém, quem recebe a hóstia pode afirmar como Teilhard,

«Eu quero, meu Deus, que por meio de uma inversão de forças de que só Vós podeis ser autor, o pavor que me toma diante das alterações sem nome que se preparam para renovar o meu ser se mude numa alegria transbordante de ser transformado em Vós.»

Não é Ele que se transforma em mim na dissolução da hóstia consumida, mas sou eu que me transformo n’Ele, por “alterações sem nome” que acabam por fazer de mim hóstia, um dia, ao morrer e ser consumido pela terra. Pois, a realidade que esse desejo de unidade inicial encerra é maior do que alguma vez poderia imaginar.

«Àquele que tiver apaixonadamente amado Jesus oculto nas forças que fazem morrer a Terra, a Terrra apertá-lo-á ao desfalecer nos seus braços de gigante, e ei-lo que, com ela, despertará no seio de Deus.»

Cristificados pela Eucaristia, ser hóstia da Criação é afirmar que o sentido último da nossa presença aqui na Terra será elevar todo o universo à união profunda com Deus. Ser hóstia da Criação é ser uma semente que gera “por alterações sem nome”, céus novos e terra nova, porque renovados com a presença transformativa de Jesus oculto por amor.

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Agência ECCLESIA

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