LUSOFONIAS As lições da Ginkgo Biloba

Tony Neves, em Roma

Não se assustem. Vem do Oriente, da Ásia, mas não é vírus que mate. É uma árvore linda, sobretudo na queda da folha, quando fica toda dourada. A Nogueira do Japão é o símbolo da resistência e da paz. Quando os americanos lançaram, em 1945, duas bombas atómicas em Hiroshima e Nagasaki, morreu tudo. Ou quase. Quando veio a primavera seguinte, apenas uma árvore deitou folhas: a ginkgo biloba. Por isso, ganhou estatuto de símbolo no Japão.

Quando os Espiritanos começaram a preparar a celebração dos 150 anos de Missão em Portugal, criaram uma Comissão. E nela constava uma leiga, bióloga de formação. É o que acontece quando dás vez e voz aos leigos, aparecem logo ideias novas! Assim, quando se procurava um símbolo para este jubileu, a ginkgo biloba foi a proposta vencedora. E, na abertura das comemorações, no Centro de Espiritualidade Espiritana, em Silva-Barcelos (CESM), foi plantada uma grande árvore. Quando chegamos ao jardim e me tocou a mim colocar a árvore num grande buraco, o primeiro que ia lá parar era eu, levado por ela, não fora a ajuda imediata do diácono Elson, hoje a trabalhar numa das favelas de S. Paulo.  Depois, cada comunidade espiritana recebeu uma mais pequena para plantar em casa, espalhando estas árvores pelo país. Na cerimónia de passagem de testemunho, como Provincial para o P. Pedro Fernandes, foi uma ginkgo biloba que lhe ofereci, não para o assustar com a dificuldade da sua nova missão, mas para lhe dizer que, com a força do Espírito e com a união de todos, não há causas impossíveis!

Pois, os tempos de pandemia fizeram-me regressar a esta árvore e aos valores que ela transmite. É duro submeter-se a ‘bombas atómicas’, como esta que o covid fez estourar na humanidade inteira. Mas fique claro que o mal nunca tem a última palavra e que haverá sempre lugar para a resistência, a esperança e o futuro. Por isso, sugiro que todos plantemos ginkgo bilobas nas nossas aldeias, vilas e cidades …

Quando a pandemia começou a matar em Itália, as pessoas puseram à janela cartazes a dizer: ‘tutto andrà benne!’. Ora, isto não era uma convicção, era uma vontade. Todos fomos percebendo, desde a primeira hora, que isto não ia acabar bem. Mas também não seria o fim da história, haveria muito a ganhar e a crescer, em termos de civilização e cultura, se as pessoas se dessem as mãos e combatessem juntas contra estes vírus e as suas maldosas consequências. Olhar para a gikgo biloba é abrir janelas ao futuro, é combater juntos pelas pessoas, sobretudo pelas mais frágeis, é aceitar os desafios constantes do Papa Francisco para nos deslocarmos para as periferias e margens. Nunca o ‘amai-vos uns aos outros’ teve tanta actualidade.

Estamos num confinamento para matar o vírus ou, pelo menos, criar condições para poder viver com ele. Se ‘ficar em casa’ é possível para quem tem meios, isto é impraticável para quem vivia dos seus afazeres e pequenos negócios quotidianos. Também aqui, são de louvar as múltiplas atitudes de quem cria condições de sobrevivência para os mais pobres. Assim, todos podemos resistir.

Escrevo a 1 de maio, dia dos trabalhadores e não me canso de rezar e de chamar a atenção para os milhões de trabalhadores que perderam os seus empregos e quase condenam ao desespero as suas famílias. É hora de criar legislações e de tomar decisões que não penalizem os mais pobres e abandonados das nossas sociedades.

E, por falar em ginkgo biloba, não podia esquecer D. Manuel Vieira Pinto, falecido a 30 de abril no Porto, onde estava desde o ano 2000, data em que se tornou Arcebispo Emérito de Nampula. Foi um ‘visionário’, como lhe chamou o P. José Luzia, correndo enormes riscos na sua missão pastoral e vida pessoal. Encontrei-o e conversei longamente com ele em Nampula, no ano em que terminaria a sua missão de Pastor de Nampula. Era um homem com quem dava gosto falar, a quem Moçambique e a Igreja muito amou e, por isso, muito lhe devem. Uma autêntica ginkgo biloba de resistência aos regimes que governaram Moçambique antes e depois a independência, opondo-se tanto ao regime colonial como às arbitrariedades da governação dos tempos conturbados do pós-independência.

Termino com três sinais de alerta: a fome está a aumentar no mundo. A ONU diz que 250 milhões de pessoas vão ser vítimas da fome, mais 130 milhões que o previsto, tudo por causa do covid; António Costa Silva, do Instituto Superior Técnico (Lisboa) lembrou que ‘se continuarmos a pensar que vamos resolver isto com o pensamento e os remédios antigos, vamos bater com a cabeça na parede!’; Guy Ryder, director da organização Internacional do Trabalho (OIT) concluiu: ‘o ‘novo normal’ tem de ser um normal melhor!’.

Sim, tem de ser…e podemos ser inspirados pelas lições que tiramos desta árvore e da sua longuíssima história de resistência a bombas, a ventos e marés!

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Agência ECCLESIA

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