SABER APRENDER – Cheio de tédio = ?

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

O confinamento à nossa casa e a exigência de distanciamento social restringem as nossas escolhas e convidam a um exame de consciência sobre os nossos estilos de vida. Muitos parecem atingir os limites da paciência e sentem-se cheios de tédio. Que sinais dos tempos apontam um sentimento de tédio?

Foto de Nick Fewings em Unsplash

O aborrecimento surge da insaciedade que o momento presente oferece e a falta de perspectiva de que o momento seguinte seja melhor. O facto de vivermos num mundo em que o entretenimento é oferecido 24/24 horas, das mais diversas formas e “gratuitamente”, o espaço e tempo de pausas reservado à imaginação diminui e a mente passa de criadora a consumidora. Daí que me tenha surgido a ideia para a seguinte equação de uma nova onda sócio-económica:

Cheio de Tédio = IVA

… I de Imaginar

Quando nos sentimos aborrecidos, a mente está a emitir um sinal de alerta de prontidão para criar através da imaginação. Assim, o sentimento de tédio é um convite da mente a abrir-se à Era da Imaginação.

A Era da Imaginação é um fenómeno colectivo que nos estimula a experimentar por nós próprios o futuro que queremos ver realizado no mundo. É a oportunidade de nos re-inventarmos.

Isaac Newton, durante a praga de Londres no século XVII, como hoje, era um estudante convidado a ir para casa para mitigar a propagação da doença. Foi durante esse período que teve ideias que estabeleceram a base de muitas das suas inovações científicas, incluindo – sim – a gravidade que proveio da maçã.

… V de Valorizar

Muitas vezes movemo-nos ao sabor das tarefas que temos para cumprir. Mas ao experimentarmos um sentimento de tédio, o modo como reagimos permite-nos perceber aquilo a que damos valor. Por exemplo, se a primeira atitude é navegar pelas redes sociais, na prática, procuramos um pequeno surto de dopamina (neurotransmissor natural que nos dá o sentido de realização) para superar o sentimento de tédio. Mas qual o valor que tem, realmente, uma rede social?

(Re)Descobrir os nossos valores significa está consciente daquilo que transforma a nossa vida, dando-lhe sentido e significado. Se para combater o tédio alguém põe-se a tocar um instrumento, valoriza a arte musical. Se põe-se a esculpir ou costurar, valoriza o artesanato. Se desenha ou experimenta dar vida a uma tela, valoriza a arte de pintar. Se pega num livro e dedica-lhe tempo, valoriza a arte de ler que aguça a mente. Se faz exercício, valoriza a saúde do seu corpo.

Mas quando alguém passa tempos sem fim a consumir o que o Facebook, Twitter ou Instagram pensa que iremos gostar, toma mais contacto com o pensamento dos outros do que com o pensamento próprio. Logo, o sentimento de tédio talvez seja uma oportunidade de (re)pensar os valores.

… A de Aprender

O período pandémico actual pela Covid-19 é um desafio ao nosso bem estar físico, mental, social e espiritual. Os momentos que vivemos desafio, também, a nossa capacidade para a resiliência e de lidar com inevitabilidades da vida. Quando sentimos tédio, o corpo está a emitir um sinal da importância de accionar o modo-de-aprender novas capacidades, algumas, inclusivé, com efeito terapêutico.

Betsan Corkhill é uma fisioterapeuta americana que descobriu no croché um modo de melhorar o nosso bem estar, seja onde for. Fazer croché é muito mais do que desenvolver uma capacidade, mas, nas palavras o neurocientista Lorimer Moseley, é um modo de abraçar a complexidade do “como” e “porquê” do nosso cérebro produzir experiências. Algo tão simples como fazer croché pode ser terapêutico na medida em que fazendo algo com as mãos, libertamos a mente das preocupações que nos ocupam, dando lugar ao vaguear dos pensamentos típicos de quem usa o tédio como fonte criativa. Como por exemplo acontecia com as mulheres em Londres durante os momentos de bombardeamento em plena Segunda Guerra Mundial.

Mulheres a fazer croché e a conversar em 1940 enquanto esperavam o cessar de um bombardeamento a Londres.

Um sentimento de tédio é um sinal universal dos tempos de que há muitas capacidades que podemos desenvolver porque o ser humano evolui sempre que aprende.

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Agência ECCLESIA

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