Sexta Feira Santa – 19 de Abril de 2019 – Celebração da Paixão do Senhor
Irmãos e irmãs
A celebração da Paixão tem uma estrutura distinta da Missa e, portanto, estamos na primeira parte onde a Palavra de Deus é densa para nos unir a Cristo e vivermos com Ele a sua Páscoa.
A segunda parte é a adoração da Cruz.
Na última parte, receberemos a Sagrada Comunhão da reserva eucarística da Missa Vespertina da Ceia do Senhor, ontem celebrada.
Jesus é o Servo (Profeta sofredor)
O Profeta Isaías, na primeira Leitura, anuncia que Deus salvará a humanidade pelo sofrimento do seu Servo. É uma narrativa que impressiona, pois, parece escrita por alguém contemporâneo de Jesus, quando o foi vários séculos antes.
O texto de Isaías que nos apresenta o Servo sofredor, é de tal modo pesado e desconfortável que não era lido com frequência, não convencia, não segue a lógica da retribuição defendida no Antigo Testamento em que cada um recebe o que merece. Porém, é uma narrativa que Jesus bem conhecia, valoriza o sofrimento pelos outros e serve para descrever a sua entrega na Cruz.
Jesus é o Servo sofredor, Ele assume o sofrimento por expiação, isto é, um sofrimento para resolver um erro ou uma falta grave. Portanto, a humanidade encontra em Cristo uma solução para a sua condenação ao afastamento da graça, do Amor e da Paz de Deus. O Servo sofredor descrito por Isaías tem a dimensão profética que Jesus assume.
No mundo existem os que têm poder para dominar e os que têm poder para servir; a dimensão profética reside no poder para servir. O futuro do mundo em sentido positivo, depende daqueles que se dispõem a uma atitude de serviço para bem de todos. A cruz, com o Servo sofredor crucificado, aponta nesse sentido.
Jesus é Sacerdote
A Leitura da Carta aos Hebreus, é um texto da comunidade cristã, e começa por afirmar: “Tendo nós um sumo sacerdote que penetrou nos Céus, Jesus, Filho de Deus, permaneçamos firmes na profissão da nossa Fé”. Jesus não é sacerdote como os do Templo de Jerusalém que ofereciam cordeiros em sacrifício.
Ele é o sumo sacerdote que pela cruz chega aos céus, oferecendo-se a si mesmo, e é ao mesmo tempo, o Cordeiro que é oferecido.
A carta aos Hebreus salienta que Jesus é “sumo sacerdote que penetrou nos céus”. Ora o sumo sacerdote na linguagem do Antigo Testamento, era um sacerdote com funções de elevada responsabilidade no Templo de Jerusalém e que, uma vez por ano, entrava no espaço reservado mais sagrado, conhecido por ‘Santo dos Santos’.
Esta tradição do Templo, ajuda a entender porque Jesus é considerado como o “sumo Sacerdote”, porque penetrou nos céus, de uma vez e de forma definitiva.
Esta dimensão sacerdotal, é uma marca da nossa espiritualidade cristã, é o novo culto espiritual, como ensina São Paulo: “Oferecei-vos a vós mesmos” (Rom 12,1). Procedendo assim, seguiremos Cristo numa doação da vida em atitude confiante e generosa.
Jesus é Rei, e a cruz é o seu trono
O apóstolo e evangelista São João têm a preocupação de revelar quem é Jesus Cristo; a Luz que veio ao mundo. A sua narração da paixão, expressa a ‘escuridão’ deste mundo na qual sobressai a Luz da pessoa de Jesus.
Para este evangelista, os maus tratos sobre Jesus não lhe retiram a luminosidade que o acompanha sempre. Por isso, não refere pormenores que poderiam ofuscar esta luminosidade de Jesus.
Para ele, Jesus está decidido, não tem medo, nem angústia, não vive nenhuma tristeza de morte, sozinho e sem ninguém a acompanhá-lo, avança para o grupo que se aproxima e pergunta: “a quem buscais? Eles responderam-lhe: a Jesus, o Nazareno. Jesus disse-lhes: Sou Eu” e eles recuaram e caíram por terra.
O evangelista partilha connosco a sua profissão de Fé; para ele, Jesus é Deus, por isso aqueles homens recuaram e caíram por terra. Jesus tem tanto de maus tratos como de firmeza, enfrenta todos com decisão.
Pilatos pensava que tinha diante de si um desgraçado criminoso e fica surpreendido com a grandeza da personalidade de Jesus. Sujeito à autoridade de Pilatos, o Filho de Deus prova-lhe como ele exerce a autoridade sem preocupação pela verdade.
Jesus assume-se como Rei, mas de um Reino que não é deste mundo. Deste mundo como o mundo de Pilatos, este mundo de corrupção e de injustiça, mundo de violências e escravaturas, mundo de ódio e de vinganças.
O Reino de Cristo, tem outra origem, é o Reino de Deus que pode existir em cada pessoa que o acolhe, tem uma dimensão espiritual, porque tem lugar no coração humano, e tem uma dimensão moral, porque leva a pessoa a novas atitudes e novos comportamentos, onde se vai revelando e alastrando a beleza da vida discernida à luz desta presença de Deus.
A Cruz é o trono e o símbolo deste Reino, é a marca de uma vida em Amor consagrado, representa a fidelidade que salva, indica a harmonia do amor a Deus e ao próximo.
Com a sua Cruz, Jesus indica-nos que o seu Reino se torna presente com amor generoso e fiel. A Cruz representa a vida em amor e é por isso que Jesus nos desafia: “Quem quiser seguir-me, pegue na sua cruz e siga-me” (Mt 16, 24). Mesmo assim, se alguém não conseguiu seguir Jesus, na sua Cruz, Ele abre os seus braços a todos. Ninguém está excluído.
A oração dos fiéis de hoje reflete a universalidade da Salvação consagrada na Cruz. Jesus morreu por todos, e todos de todos os tempos.
+ José Traquina
Bispo de Santarém