Agência missionária do Vaticano revela drama das crianças-soldado na Colômbia

A agência missionária Fides, da Congregação vaticana para a Evangelização dos Povos, apresentou hoje um relatório sobre o o drama das crianças-soldado na Colômbia, que aqui reproduzimos. O presente documento não traz uma confirmação exacta do número de menores envolvidos em conflitos armados, pois actualmente os meninos utilizados combatem em grupos ilegais que, obviamente, não têm nehum interesse em fornecer estatísticas. Portanto, os números são deduções de cálculos realizados por aproximação, por instituições prestigiadas. A nível mundial, dados de associações de direitos humanos relevam a existência de 300 mil crianças-soldado. Na Colômbia, algumas ONG’s estabelecem este número em mais de 10 mil. Dados da Igreja Católica Colombiana indicam a existência de cerca de 6 mil. “Há muitos casos de violência contra menores. Em primeiro lugar, eles são claramente obrigados a ingressar em uma guerrilha. Por isso, os menores guerrilheiros não são considerados rebeldes armados, mas simplesmente vítimas da guerra; e quando são detidos, são inseridos em um processo de reeducação, e não em prisões”, refere à Fides D. Luis Augusto Castro Quiroga, Arcebispo de Tunja e Presidente da Conferência Episcopal Colombiana. “São vítimas também por outros motivos, pois são obrigados a matar, a perder a consciência do valor da vida do próximo. São vítimas porque obrigados a perder o contacto com as suas próprias famílias, sofrer abusos sexuais, como se verifica especialmente com as meninas. São vítimas porque vêem reduzidas as hipóteses de formação e educação”, acrescenta. Situação na América Latina Com excepção da Colômbia e de algumas áreas bem distintas da América Central, a América Latina é um continente que vive em paz, sem conflitos bélicos entre os países, e com problemas limítrofes de fronteira praticamente resolvidos. Um relatório de 2004 denuncia o emprego de crianças-soldado na Bolívia, Brasil, Haiti, Paraguai, Peru e Chile. Nestes países, não existem, hoje, conflitos armados, o que já limita o perigo. Recordamos, por exemplo, que em muitos países, existem institutos militares em nível de escola, nos quais os adolescentes efectuam práticas militares que não provocam danos particulares, em épocas de paz. O que não se verifica em caso de guerra, como durante o conflito das Malvinas, ou Falkland (1982), quando muitos menores argentinos foram enviados em áreas de guerra, e perderam a vida. O narcotráfico Outro capítulo que envolve menores é o narcotráfico, como o caso do Rio de janeiro, cidade com seis milhões de habitantes, onde de 1987 a 2000 morreram vítimas de armas quase 4 mil menores de 18 anos. Embora estas crianças não possam ser enquadradas como ‘meninos-soldado’, o número de mortos foi maior do que o registrado em conflitos armados na Colômbia, Serra-Leoa, Jugoslávia, Afeganistão, Uganda, Israel e Palestina. Naquele período, quando morreram baleados no Brasil 3937 menores, o conflito entre Israel e Palestina provocou a morte de 467. Os dados provêm de um estudo do Instituto Superior de Estudos Religiosos (ISER), com o apoio da ONG “Viva Rio” e coordenada pelo antropólogo britânico Luke Dowdney. Muitas das mortes destes meninos e adolescentes ocorreram também por execuções realizadas pelos próprios traficantes, para eliminá-los quando não são úteis, e enterrá-los em cemitérios clandestinos. Mas a impunidade é clara. No Brasil, por exemplo, ainda segundo a mesma fonte, jamais um polícia foi condenado por matar um menor. Na Colômbia A organização humanitária Human Right Watch (HRW) estima que na haja na Colômbia cerca de 11 mil meninos-soldado combatendo no conflito armado, uma das estimativas mais altas do mundo. Pelo menos um entre quatro combatentes ” irregulares” na Colômbia tem menos de 18 anos. “A maioria dos menores provém de famílias desmembradas ou marginalizadas, não possuem instrução e se alistam voluntariamente, diante da falta de oportunidades em seus ambientes. Outros são recrutados com a força”, como denunciou, em Fevereiro, a mesma ONG, em um comunicado. A organização explicou que, após o treino inicial, “e, por vezes, sob efeito de drogas”, os menores se transformam em “assassinos cruéis, em prol de causas que não entendem”. “A reintegração destes meninos e meninas-soldado é um desafio nem sempre fácil de realizar” – acrescenta. Para a HRW, estes dados evidenciam que os grupos armados colombianos são um dos piores transgressores da legalidade internacional, no campo do recrutamento infantil. As cifras de Save the Children sobre a Colômbia são mais altas, e coincidem com as fornecidas pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF): 14.000 meninos são usados como soldados. Emerge que vários milhares têm menos de 15 anos, o que viola a idade mínima de recrutamento por forças armadas ou grupos paramilitares estabelecida pela Convenção de Genebra. Por sua vez, o “Relatório Global sobre crianças-Soldado 2004” indica que meninos e meninas do grupo armado Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, por exemplo, foram submetidos a conselhos de guerra por infracções disciplinares e, em certos, casos, as crianças foram realmente punidas. O relatório ‘Estado Mundial da Infância 2005, elaborado pelo UNICEF, relevou que 800 menores de 18 anos abandonaram grupos guerrilheiros ou paramilitares, “enquanto o número de meninos e meninas utilizados em grupos armados e milícias urbanas na Colômbia aumentou, beirando 14 mil nos últimos anos”. Meninos e meninas são também submetidos à escravidão sexual, e transformados em trabalhadores, cozinheiros ou domésticos, mensageiros ou espiões. As meninas correm maiores riscos de exploração sexual, seja por parte de um comandante como de toda a tropa. Segundo dados do governo colombiano, não confirmados e nem desmentidos pelo UNICEF, cerca de 35% dos combatentes da guerrilha são menores de 18 anos. Apesar das pressões do UNICEF, FARC e ELN não têm intenção de abandonar a prática de empregar crianças. Em 2002, em uma fase de cessar-fogo, grupos paramilitares prometeram libertar as crianças-soldado, o que se verificou somente de modo parcial. O organismo máximo da ONU abordou o tema graças a um relatório sobre a situação das crianças nos conflitos armados preparado pelo Secretário geral, Kofi Annan. O documento aponta FARC e ELN como grupos que utilizam estes métodos, violando acordos humanitários internacionais. De acordo com o relatório de Annan, em 2004, o UNICEF começou a se aproximar do ELN e das AUC para tentar solucionar o problema. Embora os dois grupos tenham se mostrado abertos ao diálogo, nenhum dos dois prometeu abandonar a prática. Segundo o relatório de Annan, as AUC teriam entregado cerca de 180 crianças às autoridades colombianas. De acordo com a organização Human Rights Watch, são milhares as crianças ainda utilizadas nos combates, não obstante as AUC tenham se comprometido, no início das conversações com o governo, dois anos atrás, em libertar todos. A ONG acredita que, no total, haja mais de 11.000 crianças-soldado na Colômbia, a maioria das quais, alistada pelas FARC. De acordo com a HRW, as FARC não só continuam a recrutar crianças para lutar em sua guerra, mas frequentemente abusam delas e as exploram. “Ao contrário – afirma José Miguel Vivano, director para as Américas do HRW – os abusos das FARC, ao que parece, pioraram nos últimos anos”. A Organização aproveitou a oportunidade para pedir ao Congresso colombiano que ratifique e coloque na prática o Protocolo Opcional da Convenção sobre os Direitos das Crianças, que regula, especificamente, o papel das crianças em conflitos. O tratado, assinado pela Colômbia em 2000, mas ainda não ratificado, estabelece 18 anos como idade mínima para participar de modo directo em um conflito, ou para ser recrutado com este objectivo. O UNICEF assegura que na Colômbia, por exemplo, meninas de apenas 12 anos submetem-se sexualmente a grupos armados, para garantir a segurança das suas famílias. “Obrigam as meninas a namorarem soldados”. Com manchetes deste género, os jornais escondem o horror de meninas usadas por adultos como prostitutas. Diversos grupos armados usam meninas com fins sexuais, segundo informações da Coligação para Deter o Emprego de Meninos-Soldado. No estudo dedicado à Colômbia, a ONG afirma que também meninos de 12 anos foram treinados para usar explosivos e armas, participando, em seguida, dos combates. Também se afirma que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) têm obrigado meninas a serem ‘namoradas’ de soldados adultos, a utilizarem anticoncepcionais e a submeterem-se a abortos. Em relação aos paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), a Coligação afirma que oferecem às crianças salários de pouco mais de 100 dólares, ou roupas, em troca de serviços. “A AUC estabeleceu 18 anos como idade de recrutamento, mas continua a recrutar crianças, inclusive menores de 15 anos”. Em relação às forças governamentais, a Coligação para Deter o emprego de Crianças-Soldado assinalou que não há indícios de que existam crianças-soldado, mas alguns relatórios evidenciaram que são utilizadas em tarefas de inteligência, ou como informantes, em troca de dinheiro ou presentes. Contexto Legal Internacional O Tribunal Penal Internacional considera este abuso um crime de guerra, enquanto as leis humanitárias internacionais e a Convenção dos Direitos das Crianças estabelecem a idade de 15 anos como mínima para o recrutamento e a participação em conflitos armados. O protocolo facultativo da Convenção dos Direitos das Crianças, promovido pelas Nações Unidas, elevou a idade mínima de recrutamento e a participação em hostilidades de 15 para 18 anos, a 22 de Fevereiro de 2002. 110 países já assinaram este protocolo e 66 ratificaram-no. Entre os países que aderiram ao Protocolo estão a República Democrática do Congo (RDC), Sri Lanka, Ruanda, Uganda e Colômbia. Mas na prática, vale pouco. O relatório completo, em português, pode ser encontrado em www.fides.org/por/dossier/2005/bambini_soldato_colombia_por.doc

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