Web para todos?

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

O criador da World Wide Web, Sir Tim Berners-Lee, propõe na Web Summit em Lisboa uma Magna Carta para a Web onde pede a governos, empresas e cidadãos para proteger a web aberta como um bem público e um direito fundamental de todos. Mas isso é bom e fundamental?

Marshall McLuhan foi um professor Canadiano cujo trabalho está na base do estudo dos media. A sua frase mais popular é ”The medium is the message”, ou seja, o meio de comunicação é a mensagem. Muitos entendem a internet, ou a web (rede) como um instrumento, e que o efeito que esse tem sobre nós depende do uso que lhe damos. Mas o que McLuhan sempre alertou é que o meio de comunicação é mais do que uma mera ferramenta. O meio transforma-nos, ainda que não demos conta disso.

Através da internet temos acesso a um mar de informação e conteúdos, cuja qualidade é difícil de aferir por uma só pessoa. Daí que se torne mais do que uma fonte de informação, e seja também fonte de pensamentos que transformam o modo como pensamos. E sem nos darmos conta disso, gradualmente, a internet afecta seriamente a nossa capacidade de concentração e contemplação.

Antes, cada pedaço de informação era uma valiosa fonte de reflexão que nos ajudava a aprofundar algo de importante para a nossa vida. Hoje, sobrevoamos sobre tudo, sem pousar sobre nada. E, ainda por cima, o criador da World Wide Web, Sir Tim Berners-Lee quer expandir ainda mais o acesso à internet com uma Magna Carta para a web, tal como divulgou na passada semana na Web Summit ocorrida em Lisboa.

Disse Berners-Lee ao The Guardian que “a humanidade ligada pela tecnologia na web está a funcionar de um modo distópico. Temos o abuso online, preconceito, desvios, polarização, notícias falsas, ou seja, existem muitos modos em que está danificada. Este é um contrato para fazer da web algo que sirva a humanidade, a ciência, o conhecimento e a democracia.” São ideais nobres, mas esquecem a sabedoria daqueles que há muito nos alertaram, como McLuhan, que o meio de comunicação transforma-nos. Logo, o acesso generalizado, fácil e gratuito pode piorar a situação.

O jornalista Nicholas Carr, no seu perspicaz livro “Os Superficiais”, explora o que a internet está a fazer aos nossos cérebros. Diz este jornalista, da sua própria experiência, que ”não foi apenas o facto de muitos dos meus hábitos e rotinas estarem a mudar conforme me fui acostumando a estar dependente dos sites e serviços da Net. O próprio modo como o meu cérebro trabalhava parecia estar a mudar. Foi nesse momento que comecei a ficar preocupado pela minha incapacidade de prestar atenção a qualquer coisa por mais do que uns minutos.” Não experimentamos isso também? Quantos de nós conseguem ainda ler uma reportagem de algumas páginas por mais do que 3 a 5 minutos? Será que um “Contrato para a web” resolve o efeito que esta tem sobre o nosso modo de estar no mundo de hoje? Ou agrava-o?

Afinal, o que é aweb (rede)? Um conjunto de pontos unidos entre si, ou um conjunto de linhas que unem todos os pontos. Parece uma nuance, mas é significativo. A diferença está em focar nos indivíduos ou focar nos relacionamentos que nos personalizam. Cada um de nós é diferente e não estou certo de que mais conectividade nos aproxime uns dos outros. Mandar uma mensagem não custa, e hoje em dia menos ainda quando se usa um emoji (ou vários). E a ideia de que cada um chegue a todos os outros lembra-me a sábia frase de Séneca ”estar em todo o lado é o mesmo que não estar em parte alguma!” Daí que talvez faça mais sentido uma web focada nas linhas, nos relacionamentos.

Os relacionamentos são mais difíceis e levam tempo a ser construídos. Para construí-los em profundidade, não o podemos fazer com todos, mas dar a cada um a devida atenção e cuidado. O modo como Jesus chegou a todos não foi por estar ligado a todos, literalmente, mas através dos apóstolos que, ao fermentarem comunidades, levaram a Boa Nova a todo o mundo.

Parece-nos que a internet seja um modo de chegar a todos, mas eu não acredito muito. Os tweets do Papa servem para nos recolocar naquilo que devemos ser: a proximidade de Deus junto dos que estão na periferia. Mas, não é um tweet do Papa que converte os corações. Antes, a experiência fraterna de um ouvido que escuta, uma palavra que conforta, um gesto que apoia. Não há emojis que substituam isso. Penso que a melhor forma da web servir “a humanidade, a ciência, o conhecimento e a democracia,” – como sonha Berners-Lee que a criou – é não substituir os espaços de encontro. Para isso, precisa de estar mais ausente, do que presente.

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Agência ECCLESIA

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