Paulo Rocha, Agência Ecclesia
Este texto nasce nos corredores de um hospital, entre esperas e atendimentos em exames de rotina. Ouviam-se máquinas a chamar pessoas, listas de “A” a “H” sem critérios de escolha e ordem de chamamento que fossem explícitos. Um pequeno monitor, lá no alto, e campainhas eletrónicas com alertas para o número seguinte numa organização tecnicamente exemplar, mas humanamente muito frágil.
Depois, na minha vez, vozes simpáticas, numas ocasiões, outras mais distantes, no cumprimento de rotinas que talvez cheguem às centenas num dia de trabalho. Mas sempre na forçada ou agradável arte do cuidar, a acontecer num sem número de condicionalismos, pessoais e institucionais, sem querer pisar o risco do desleixo ou da falta de profissionalismo.
Divagações que acontecem na urgência de um debate sobre práticas da eutanásia, em Portugal, na ameaça de, se legalizadas, obrigarem aquele hospital a integrar mais uma lista de senhas, talvez a “Z”, para quem decida em liberdade (será que algum cidadão ou cidadã dos países onde tal possibilidade é admitida por lei assim escolheu, livremente?) a morte… Claro que não seria assim, aos olhos de quem preenche corredores sempre estreitos dos ambientes clínicos; mas assim seria para os profissionais de saúde que estivessem envolvidos nesse processo do matar outra pessoa.
Não se pode admitir a possibilidade e muito menos a legalidade de ser possível escolher a senha “A” para consultas, a “B” para exames e uma qualquer senha “Z” para a morte a pedido. Mais do que enquadrar a questão numa dimensão jurídica e sobretudo política, é urgente configurar a análise de um assunto, muito relevante aos cidadãos e cidadãs, à sociedade com as diferentes organizações que a compõem e às instituições que lhe dão memória e sentido de futuro.
Assim, o debate pode ir além da análise de critérios de liberdade de uma pessoa para escolher a morte, da falsa afirmação da defesa da dignidade de quem passa por sofrimentos extremos e da aparente compaixão por quem está doente. Aos três argumentos frequentemente adiantados para a possível legalização da eutanásia é necessário afirmar outros três, que talvez contribuam para os repensar: os condicionalismos para todas as decisões livres, nomeadamente as que podem ser tomadas diante da possibilidade de uma morte a pedido; a certeza médica de devolver vida digna a quem vive situações de fragilidade física extrema; e o dever acompanhar quem passa por momentos de dor e isolamento, porque essa é a verdadeira compaixão.
Admitir uma senha “Z” num correr de hospital é insensato… Ainda mais a possibilidade de querer legalizar o matar.