Os inimigos da liberdade

José Luís Gonçalves

A polémica em torno do aproveitamento de mais de 50 milhões de perfis da rede social Facebook por parte da Cambridge Analytica, alegadamente para influenciar tendências de voto em campanhas políticas, deixou muita gente perplexa. Tendo sido interrogado pelo Senado Norte-americano – depois de ter sido preparado durante dias por mais de 500 especialistas -, o fundador da rede Facebook nunca deu respostas convincentes para esta situação, mas jurou apertar o controlo sobre este tipo de abusos. Pousada a poeira sobre este caso, não fica claro se os utilizadores desta e de outras redes sociais souberam captar em profundidade o que está em causa ou se, de volta ao business as usual, continuam a postar ingenuamente tudo o que sentem, experimentam, pensam, defendem ou projetam.

Estudos evidenciam que a maioria dos utilizadores das redes sociais são habitados por uma certa ingenuidade sobre os dados que voluntariamente lhes confiam, ignorando por completo o uso que lhes é dado. Hoje em dia, empresas altamente lucrativas e hegemónicas como Facebook, Google, Twitter, YouTube ou a chinesa Alibaba constituíram-se em gigantescos armazéns de dados dos seus utilizadores. Com esses dados, e de forma engenhosa, estas tecnológicas alimentam os algoritmos com que constroem o conhecimento necessário para interpretar tendências, construir mecanismos importantes de formação de opinião ou prescrever comportamentos expectáveis.

Se dúvidas houvesse a respeito do uso indevido que é dado ao tratamento das informações que os utilizadores ingenuamente depositam nestas redes sociais, elas ficaram dissipadas com o anúncio recente, pelo governo chinês, de que está a constituir um ranking de crédito social de cada cidadão. Este ranking é construído tendo por base o cruzamento de dados obtidos quer na internet – maioritariamente das redes sociais -, quer nos dados bancários, criminais, educacionais ou de saúde à guarda do Estado ou, ainda, nas informações coligidas pelas câmaras espalhadas nos espaços públicos que registam comportamentos antissociais como, por exemplo, atravessar a passadeira com sinal vermelho. O cruzamento destes dados, aliado a um algoritmo pré-estabelecido, atribuirá uma determinada pontuação aos cidadãos, que será tornada pública e pode ser consultada no telemóvel. Em função dessa pontuação obtida, cada cidadão poderá, ou não, aceder a serviços de melhor ou pior qualidade – por exemplo, encontrar colocação nas melhores ou piores escolas para os seus filhos ou no tipo de acesso aos serviços de saúde – ou, simplesmente, ver a sua liberdade de movimentos restringida, podendo vir a ser impedido de viajar.

A respeito desta iniciativa, muitas perguntas podem ser feitas: em nome de quê ou de quem é permitida esta iniciativa? Quem determina o algoritmo? Quem estabelece os critérios para a construção deste ranking? Aquilo que está em causa é muito grave: estamos a forjar uma sociedade totalitária, por via tecnológica! Isto acontece quando se aliam à vigilância das massas, a regulamentação excessiva da vida privada e pública e a ausência de limites de atuação do Estado ou de empresas hegemónicas. Os inimigos da liberdade estão à distância de um clique…

 

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Agência ECCLESIA

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