Presidente do Conselho Nacional de Promoção do Voluntariado (CNPV) lança propostas para um Portugal positivo O voluntariado tem-se assumido, ao longo das últimas décadas, como uma das maiores forças transformadoras do país, capaz de suprir as naturais limitações do Estado para atender às diversas necessidades da sociedade. A partir de 1997, a percepção do voluntariado em Portugal sofreu alterações significativas, não só pela decisão de se associar às comemorações do Ano Internacional do Voluntariado (2001), mas também pelo que esta iniciativa representou em termos de reconhecimento. “Creio que poderemos dizer que o voluntariado tem uma tradição histórica muito profunda em Portugal, com uma afirmação forte em 2001 e que hoje continua a desenvolver-se”, confirma Acácio Catarino, Presidente do Conselho Nacional de Promoção do Voluntariado (CNPV), em declarações ao programa “70×7”. Para além do enquadramento jurídico – a Assembleia da República aprovou, em 24 de Setembro, a Lei n.º 71/98, de 3 de Novembro (DR 254/98 SÉRIE I-A de 1998-11-03) que “visa promover e garantir a todos os cidadãos a participação solidária em acções de voluntariado e definir as bases do seu enquadramento jurídico” -, desde então assistiu-se a um reforço de acções que permitiram o aumento da prática do voluntariado. O voluntariado social (apoio social, saúde, educação e formação, cooperação e desenvolvimento, protecção civil) predominou na nossa sociedade até ao século XIX, altura em que surgiu um voluntariado mais laico, como é o caso das actividades ligadas às cooperativas, sindicatos, colectividades locais e mesmo à política. Acácio Catarino destaca que, mais recentemente, tem vindo a crescer o voluntariado ligado à defesa dos direitos humanos, ao desenvolvimento local e ao desenvolvimento de outros países e territórios. “Esta dinâmica recente é muito promissora, porque traz uma tentativa de cooperação entre os voluntariados mais tradicionais com os mais recentes, mais voltados para o futuro”, sublinha. Profissionalizar o voluntariado? A constante evolução desta realidade levou a que se tivesse começado a falar em “profissionalização do voluntariado”, algo que o presidente do CNPV atribui a uma organização crescente desta vivência, apesar de vincar que “mesmo o voluntariado altamente organizado mantém, quase me permito dizer deve manter, aquelas preocupações básicas de solidariedade” “O voluntariado menos formal, mais espontâneo, menos organizado, continua a ser indispensável e é uma grande realidade na nossa sociedade, praticamente em toda a parte”, acrescenta. O reconhecimento desta realidade não impede Acácio Catarino de fazer alguns reparos a projectos menos cuidados, que esquecem a protecção aos voluntários. “Há muito voluntariado informal que, apesar do seu mérito, não reúne as condições mínimas para que as pessoas beneficiem de seguros, da compensação das despesas que realizam”, ilustra. A tendência, nos nossos dias, é a de se proporcionar aos voluntários seguros contra acidentes de trabalho, de responsabilidade civil e para doenças profissionais, assumindo ainda as despesas efectuadas com o trabalho. “Não é lógico nem razoável remunerar o voluntário pelo seu trabalho – faz parte da identidade do voluntariado o não receber remuneração -, mas também não se pede que os voluntários sejam ricos”, ressalta. Atendendo à actual situação no nosso país, o presidente do CNPV explica que “alguns voluntários trabalham em organizações profissionalizadas que não são de voluntários, como é o caso dos hospitais; encontramo-los ainda em instituições dirigidas por voluntários, mas onde predominam profissionais remunerados, como as IPSS; um terceiro grupo é o dos voluntários que trabalham em instituições onde predominam voluntários, ao estilo da Sociedade de São Vicente de Paulo; por fim, temos o exemplo de voluntários que trabalham de uma maneira menos forma”. Voluntariado, opção de toda a vida O aumento da esperança média de vida, com mais anos após a saída da vida profissional, abre, segundo Acácio Catarino, um duplo campo de acção no voluntariado. “Em primeiro lugar, temos os problemas surgidos em relação às pessoas com idade avançada; por outro lado, encontramos as novas potencialidades que vêm dessas pessoas”, indica. Falando na necessidade de uma “reconversão mental”, este responsável declara que muitas pessoas “devem alterar a maneira de encarar a fase da reforma”. “A leitura tradicional da reforma era, e ainda é em larga medida, a do período de descanso: não fazer nada e receber a compensação, por assim dizer, do trabalho que se realizou ao longo da vida. Hoje, pelo contrário, prevalece uma ideia diferente: nós somos activos até ao último momento”, aponta. Esta redefinição de conceitos deve ser assumida, para o presidente do CNPV, num sentido de realização pessoal e em termos de prestação de serviços a outrém, procurando respostas para os problemas que surgem. “Quando se chega a idades mais avançadas, há a luta entre uma propensão para mais egoísmo e uma outra para mais solidariedade. Estou convencido que vivemos um tempo de reviravolta, em que as pessoas idosas passam a ser mais solidárias”, aponta. Sobre o voluntariado jovem, Acácio Catarino lembra que este é exercido em Portugal e noutros países, “às vezes com exemplos de generosidade verdadeiramente extraordinários”. O facto de que, em determinadas fases da vida, os jovens possam escolher o voluntariado como via de acesso a um emprego são considerados por este responsável não como actos de voluntariado, mas como “estágios não remunerados”. “Mesmo quando se assume o voluntariado na óptica de obter acesso a um emprego, isso faz parte da dinâmica da própria vida, da procura de soluções e de realizações pessoais”, assume. Este responsável assegura que “para a maioria das pessoas existe voluntariado ao longo da vida”, lembrando com as acções realizadas em meio familiar ou junto de diversas instituições. Valores do voluntariado O presidente da CNPV critica os responsáveis que querem explorar as potencialidades do voluntariado para daí retirarem benefícios económicos, vendo nele uma possibilidade para a redução de custos com o pessoal, por exemplo. “Para além dos serviços que o Estado pode assegurar em maior ou menor grau, há todo um conjunto de actividades situadas na esfera do relacionamento, na esfera da humanização, que são asseguradas através do voluntariado”, aponta. “Antes de haver Estado já havia voluntariado e se porventura acabasse o Estado, o voluntariado continuaria”, acrescenta. Acácio Catarino não nega, que haja um valor económico no voluntariado, defendendo mesmo que se façam estimativas a respeito desse valor. Esta perspectiva, contudo, não poderá esquecer que “o voluntariado tem um valor intrínseco, independente de qualquer quantificação económica”. Apesar de muitas vezes aparecer associado a convicções religiosas, o voluntariado é cada vez mais entendido como consequência de uma cidadania responsável. “Em termos laicos, o voluntariado é eminentemente o exercício da cidadania e, se quisermos ir mais longe, o exercício da relação solidária de todos nós, uns com os outros, que precede a cidadania e está para além dela”, define Acácio Catarino. Na perspectiva cristã, o voluntariado aparece como exercício da caridade que, para o antigo presidente da Cáritas, deve ser interpretada “não no sentido assistencial ou assistencialista que é mais recorrente, mas no sentido de um compromisso de cada qual com o bem-estar e a felicidade de todos os outros”.