LOC/MTC
Celebrar os 75 anos de vida da LOC/MTC significa, entre outros motivos, avivar a nossa memória sobre tantos homens e mulheres que sempre, inspirados no Evangelho e no Ensino Social da Igreja, fizeram deste movimento uma referência, seja na vida eclesial, seja no campo sindical, político ou social.
A figura do padre Abel Varzim
Nascido em Portugal no ano de 1936, a partir dos Círculos Católicos de Operários e da União Social Católica, este movimento aparece integrado nos organismos especializados da Acção Católica para adultos do meio operário: LOC – Liga Operária Católica para os homens e LOCF – Liga Operária Católica Feminina para as mulheres.
Temos de referir aqui a relevância que teve na projecção inicial do movimento o facto de ser nomeado para o cargo de seu assistente eclesiástico a eminente figura de Abel Varzim, padre e sociólogo, natural da Arquidiocese de Braga. Foi com este esteio fundamental que a LOC deu um notório contributo na “recondução dos trabalhadores à posição social a que têm direito”, segundo palavras da época. Mas a acção do Padre Abel Varzim foi tão incómoda para os poderes instalados da altura que este acabou por ser perseguido pelo regime ditatorial do Estado Novo e, por pressão deste, demitido pela Hierarquia da Igreja, que o respeitava, de assistente nacional. Este facto ocorreu em 1948.
Primeiros passos
Tudo começou quando, em 1932, o presidente da Acção Católica Portuguesa, D. Ernesto Sena de Oliveira, pediu aos padres Abel Varzim e Manuel Rocha, que estudavam ciências sociais na Universidade de Lovaina, a elaboração do projecto de bases da mesma Acção Católica, ainda nascente, não suspeitando, decerto, que estava a tomar uma decisão de enorme alcance histórico.
Com efeito, aqueles padres sociólogos não se limitaram a formular um conjunto de artigos jurídicos que viessem a regular a vida da organização, mas propunham sobretudo uma ideia: Que a Acção Católica se estruturasse a partir de um conjunto de movimentos específicos de cada meio social; isto “para que se não verificasse uma supremacia dos intelectuais sobre os operários, das senhoras sobre as mulheres”, experimentada já em algumas instituições congéneres de outros países que se organizavam de forma conjunta.
Esta proposta de “especialização” contrariava porém uma forte corrente de pensamento, interna e externa, que se batia pela “unidade”, nuns casos por genuína escolha, noutros por cedência, consciente ou não, às subtis pressões do regime ditatorial do Estado Novo que se estruturava também nessa altura à volta da sua suposta “unidade”.
Um Movimento operário
Os argumentos a favor da especialização por meios sociais eram porém muito fortes e, sobretudo, muito bem fundamentados, e assim nasceram os movimentos de operários, de estudantes, de rurais, etc; de jovens e de adultos, se o “meio” continha as duas categorias; sendo que a Manuel Rocha coube a missão de ser assistente nacional da JOC – Juventude Operária Católica e a Abel Varzim a de o ser da LOC – Liga Operária Católica.
Convém aqui dizer que a opção pelos movimentos especializados coincidia com o pensamento do padre Cardijn, fundador da JOC, com o qual estes dois assistentes privaram na Universidade de Lovaina. Assim, a LOC, tal como a JOC, fazia-se também “entre eles, por eles e para eles”, ou seja, entre, por e para os trabalhadores, pois estes, e ninguém em seu nome, é que deveriam “ser protagonistas da própria libertação”.
É desta forma que a LOC vai contribuir, com outros movimentos da Acção Católica, para uma consciencialização no interior da Igreja sobre o papel e a missão dos leigos na variedade dos carismas existentes. Mas com o seu dinamismo, a LOC, ao longo dos anos, foi também intervindo notavelmente na História do Movimento Operário em Portugal, adaptando-se aos condicionalismos e necessidades de cada época, sempre na dupla dinâmica de fidelidade aos interesses dos trabalhadores e ao projecto libertador de Jesus Cristo, convicta de que este serve superiormente aqueles.
A Revisão de Vida Operária
Um período marcante na vida do Movimento foi, também, a década de 1960, quando é introduzida a Revisão de Vida Operária que surgiu como aperfeiçoamento do método de reflexão Ver-Julgar-Agir, lançado por José Cardijn, através da JOC.
“Revisão de Vida” é uma expressão não exclusivamente Locista mas ela encontra neste movimento uma semântica muito especial e uma prática permanente. Por aqui, definiu-se “que não há militante sem grupo, nem grupo sem Revisão de Vida”. Realmente, esta metodologia de reflexão e de acção generalizou-se na LOC a partir dos anos sessenta e ela é ainda hoje praticada em pequenos grupos de sete ou oito elementos, reunindo periodicamente.
Por isso dizemos que ser locista implica responsabilidade, pois com este método não é possível “existirmos” alheios à reflexão, ao compromisso, à acção e à conversão pessoal. Podemos dizer que a Revisão de Vida é praticamente todo o Locismo. Não se pode deixá-la na sede, em casa, na Igreja, na fábrica; nem se pode estar nesses locais sem a sua companhia. A assembleia ou o congresso, a celebração ou o cargo social, não prescindem igualmente do “método”.
Um método que leva à participação
A Revisão de Vida é o VER, o JULGAR e o AGIR. Não é um tema ou um assunto para ser discutido numa reunião. É uma forma de se ser, de se estar e de se fazer. O grupo reúne-se em espírito de Revisão de Vida.
É uma característica essencial do militante locista a participação e o compromisso nas organizações operárias e populares. O Evangelho manda-nos ser fermento na massa, sal da terra e luz do mundo. Ora a prática da Revisão de Vida, quando com qualidade, permite-nos ser a expressão viva daqueles símbolos nas organizações de trabalhadores, e tornarmo-nos uma mais-valia para a acção destas.
A formação dos trabalhadores
É também na década de 1960 que é criado pela LOC o Centro de Cultura Operária, com o objectivo de dinamizar e realizar cursos de formação sistematizados e rotativos pelas dioceses, permitindo desta forma, a um elevado número de trabalhadores, a aquisição de ferramentas culturais e práticas muito úteis para a profissão e para a vida.
Estes cursos foram cuidadosamente preparados para que a linguagem e os conceitos pudessem ser percebidos pelos participantes com baixo nível escolar e cultural. Mas, principalmente, porque estes cursos iam também ser dados, em alguns casos, por dirigentes e militantes da LOC, também eles com poucas bases de preparação para esta missão. Mas foi desta confiança e deste protagonismo que muitos locistas se tornaram grandes activistas sindicais, políticos e sociais.
Saber ler os sinais
Com a conquista das liberdades, a 25 de Abril de 1974, a LOC adquiriu novas condições para a sua acção, sendo a década de 1970 e seguintes de um grande dinamismo na sua intervenção social.
É após o 25 de Abril que se dá também a fusão da LOC e da LOCF num único movimento misto. Esta decisão sucede por haver já algumas equipas de base mistas, e fruto do tempo que se vivia, não deixando esta opção, mesmo assim, de ser antecedida por longas reflexões e discussões. Havia que salvaguardar não só os princípios e carisma dos dois movimentos que até eram comuns, mas principalmente a igualdade de género.
É deste tão fecundo passado que nos advém a confiança para o presente e o futuro, com a certeza de que a força transformadora da sociedade provém dos homens e das mulheres. E porque, ao longo destes 75 anos de vida, a LOC – e, desde 1998, a LOC/MTC -, sempre promoveu a formação ao longo da vida, permitindo que tantos trabalhadores, dos mais fragilizados, assumam o seu papel de promotores da mudança contribuindo para um mundo mais justo e humanizado.
LOC/MTC – «Voz do Trabalho», 27/01/2011