Após uma interrupção de 72 anos, Alvalade do Sado retoma este ano uma tradição que teve o seu início no Séc. XVIII, na altura por iniciativa da Misericórdia local, entretanto extinta. Extinta ficou também esta procissão e com ela foram desaparecendo os vestígios destas iniciativas do povo, como forma de evocar e celebrar a sua religiosidade. Mercê também da desertificação desta zona do território nacional, que vê as suas comunidades religiosas mais vazias e os escassos sacerdotes que têm de ser «desdobrar» por mais do que uma paróquia. A Procissão do Enterro do Senhor, ou do Senhor Morto, como também é designada, representa a morte de Jesus Cristo e o cortejo que os romanos lhe fizeram até ao sepulcro. É vincadamente marcada por um profundo sentimento de pesar e intensa religiosidade. É neste ambiente solene que a imagem do Senhor Morto, num esquife, é conduzida da Igreja Matriz, assim como a imagem de Nossa Senhora da Soledade. Na frente do cortejo surgia o porteiro da Misericórdia com a sua matraca, seguido da respectiva bandeira e logo atrás o guião das Almas, que ocupavam as posições anteriores ao esquife. A Verónica, os irmãos da Misericórdia que envergam as suas opas negras, os juízes, os oficiais da Câmara e o seu escrivão, o notário e todos os elementos com funções públicas na povoação incorporavam-se igualmente na procissão, que era encerrada com uma banda filarmónica. Uma tradição secular, que é parte importante das memórias sociais de Alvalade, é o que a Comissão Organizadora pretende recriar na Sexta feira santa pelas 21 horas. A acompanhar, estará presente a Banda Filarmónica “Lira Cercalense”. Luís Martins Silva, da Comissão Organizadora relembra à Agência ECCLESIA que a última vez que se celebrou a Procissão do Enterro, em Alvalade do Sado, foi em 1935. As razões para este interregno não são conhecidas mas, os que ainda presenciaram a procissão no Séc. passado, não a esquecem. Em espaço alentejano as práticas religiosas estão dependentes da existência ou não do pároco. É uma região onde “felizmente agora”, começam a haver sacerdotes, mas onde durante muitos anos não havia. A dificuldade na vivência das celebrações pascais prende-se também com o facto de o pároco assumir quatro paróquias, “celebrando rotativamente nos diferentes locais”, o que implica que a população tenha de se deslocar de freguesia em freguesia para viver as celebrações pascais. Mais uma razão, apontada por Luís Martins Silva, para desenvolver alguma iniciativa em Alvalade do Sado. A oportunidade de voltar a organizar a Procissão aconteceu este ano, em concordância com o pároco Dariusz Jan Pestka, que decidiu assumir esta experiência juntamente com a Comissão Organizadora, responsável pela procissão. O Alentejo está “tão pobrezinho em celebrações religiosas”, que se torna importante “deixar um legado aos nossos filhos e netos, fruto da tradição e da marca cristã”, destaca Luís Martins Silva. As comemorações do foral em Setembro são também um tempo forte de celebração “que atraiu no ano passado cerca de mil pessoas a Alvalade”, por isso, a Comissão Organizadora faz votos “de que esta iniciativa possa marcar também a população”, indica Luís Martins Silva, e acrescenta que “não existe nada no litoral Alentejano e gostaríamos que as celebrações pascais pudessem ser, no futuro, em Alvalade ”. A realização da Procissão “foi recebida de forma excepcional”, adianta Luís Martins Silva. As pessoas que sempre ouviram falar desta iniciativa “estão muito entusiasmadas” e as ruas já se preparam para a noite de sexta feira. Palmeiras e rosmaninho compõem o cenário e dão o cheiro característico de um Alentejo que quer reviver a tradição. Até os homens que “geralmente ficam à margem destas iniciativas”, desta vez contrariaram a tendência. Não é a teatralização que se pretende, porque “com as poucas verbas que dispomos não nos permite fazer muito”, adianta. Mas deixa a garantia que será uma procissão “com muita dignidade e respeito”, marcando a vontade de “para o próximo ano ter um programa de Semana Santa, com várias actividades”.