D. Pio Alves está a celebrar o 50.º aniversário da sua ordenação sacerdotal. Um percurso que passou por Navarra, Braga e Lisboa, antes de chegar ao Porto, e que se tem cruzado com vários serviços pedidos pela Igreja Católica e prestados com a prioridade da proximidade com as pessoas e as suas situações.
Entrevista conduzida por Lígia Silveira
Agência ECCLESIA (AE) – O que é que guarda da sua terra, Lanheses, na sua vida, na sua maneira de ser?
D. Pio Alves (PA) – De Lanheses não só guardo recordações como, sempre que posso, quando o trabalho pastoral me dá alguma disponibilidade, procuro passar por lá, até porque tenho a viver na casa que é da família mais três irmãos. Eu sou o mais novo de 12, passo não só para reviver as raízes, mas também para prestar apoio a quem lá está.
Foi aí nessa paróquia, nessa comunidade, nessa família, que comecei a aperceber-me dos primeiros sinais de vocação sacerdotal. Era e é uma comunidade viva, então nessa época com uma presença muito notória de vocações sacerdotais: houve um período em que entre o Seminário de Braga e o Seminário dos Carmelitas, em Viana do Castelo, chegou a haver 22 seminaristas. São sinais que Deus vai pondo no caminho e que, com a ajuda de muitas pessoas, fui procurando ler, ao longo destes anos.
AE – Sinais que encontrou também em casa? Dos seus irmãos que foram ordenados sacerdotes e dos seus pais?
PA – Dos meus irmãos, com certeza. Tenho três irmãos sacerdotes, mais velhos, um que o Senhor já chamou a si e outros dois ainda estão cá. Tudo isso tem a sua influência, naturalmente, na vida de uma criança, de um miúdo, de um adolescente.
Para além disso, teve importância o ambiente paroquial que já referi e o ambiente familiar, dos meus pais, concretamente o meu pai – aos domingos à tarde havia o terço e antes havia a catequese. Sistematicamente, íamos à igreja, ia à igreja também à tarde, acompanhado pelo meu pai. Na minha casa sempre se rezou o terço, ainda hoje se reza, em família. Tenho essa gratíssima recordação do meu pai, da minha mãe que sempre teve um enorme carinho para com os seus filhos, para comigo. Foi uma pessoa que pela sua simplicidade, pelo seu exemplo, nos marcou, pela extrema dedicação e cuidado com os mais pobres.
Os meus pais tinham uma padaria, numa época complicada, do pós-guerra, e faziam tudo o que podiam para atender às pessoas mais pobres. É uma marca da minha casa.
AE – É importante manter essa relação com a sua casa, com a sua génese, onde quer que esteja a residir?
PA – Isso deixa marcas, felizmente positivas, que ficam para a vida e que se procuram transmitir às gerações seguintes.
AE – Quando disse que queria entrar no seminário, não foi nenhuma surpresa…
PA – Não, não foi surpresa, ainda que tenha sido ocasião de um renovado sacrifício por parte dos meus pais. Eles não nadavam em dinheiro, nem pouco mais ou menos, viviam do trabalho de todos, e ter mais um filho no seminário – além dos três que se ordenaram, há outro irmão que passou pelo seminário -, vinha sobrecarregar o orçamento familiar. Respeitaram a minha decisão, não me empurraram, percebi que era mais uma carga, mas ninguém se agarrou a isso para dizer “não”.
AE – Reconhecer as dificuldades ajuda a marcar a personalidade?
PA – Ajuda a assumir com responsabilidade aquilo que são os recursos postos à nossa disposição. Recordo que, nessa época, íamos para o seminário e só tínhamos férias no Natal e na Páscoa. Dava conta de tudo, minuciosamente, quando voltava a casa, tinha consciência de que o dinheiro não sobrava e de que tinha de ser bem gasto.
Entrada no Seminário
AE – O que é que guarda desse tempo do seminário?
PA – Nessa altura passava-se por três casas diferentes, à medida que os anos iam avançando. Guardo recordações do seminário do seu conjunto, concretamente dos colegas que aí viviam. Era um ambiente em que trabalhava e formava na parte académica, com bons professores. Tenho boas recordações de tudo isso, do trabalho que se fazia, na área da Filosofia e da Teologia.
Muito cedo comecei a assumir, a pedido dos superiores, tarefas de caráter administrativo. Entrei no mundo editorial, com responsabilidade na revista que ainda existe, a revista Cenáculo, como colaborador, redator e, finalmente, como diretor, de tal forma que a minha presença nas tipografias vem já desde os 17, 18 anos. O cheiro a tinta… Nunca mais se esquece.
AE – Guarda relações do seu tempo de seminário, com colegas, professores?
PA – Os professores penso que já faleceram, todos. Os colegas – éramos um curso grande, terminamos mais de 20 – reúnem-se todos os anos, por volta do dia 10 de junho. É sempre uma alegria.
AE – O tempo de seminário foi de acompanhar o Concílio Vaticano II. O que é que chegava de Roma, das reformas?
PA – Recordo essa fase dos estudos de Teologia e dos documentos conciliares, que iam saindo, em fascículos. Nós íamos lendo com avidez as novidades que vinham, nalgum caso íamos fazendo confronto entre o que vinha nos documentos conciliares e alguns conteúdos clássicos que eram transmitidos nas aulas.
Foi uma fase francamente interessante, em que se adivinhavam as novidades que vinham aí. Portanto, com a nossa vontade, como jovens, de assumirmos e darmos corpo a essas novidades.
AE – O que é o inspirava mais no desejo de ser padre?
PA – A vida paroquial, de modo muito especial, embora depois o tempo não deixe fazer exatamente aquilo que a gente tinha idealizado. Tinha a ver com o acompanhamento pessoal e fui tentando corresponder a isso.
Tive uma excelente experiência de vida paroquial, por onde comecei, ainda que breve; continuo a ter essa experiência de proximidade às pessoas no Sacramento da Reconciliação, que é um dos momentos, dos trabalhos mais significativos que um sacerdote tem à sua disposição.
Vê-se o muito que se pode fazer, no respeito pelas pessoas, e os dramas que muitas vivem, e que muitas vezes se escondem por trás de aparências felizes. São momentos de particularíssima delicadeza, no respeito pelas pessoas, mas também de disponibilidade de acender alguma luz, aqui e ali.
Ordenação sacerdotal e vida na Universidade
AE – O dia é 15 de agosto de 1968. Uma grande festa, na sua terra?
PA – Não. Aliás, essa era a tradição que vinha já, na minha família, de não fazer uma grande festa.
Recordo, no dia da ordenação, a minha família foi a Braga e almoçamos junto ao Rio Cávado, já de caminho. No domingo seguinte, sim, houve Missa Nova na minha terra, mas também não houve grande banquete, mais uma vez saímos com a família, mais para norte, para os lados do Rio Minho, onde fizemos um piquenique.
AE – Como é Navarra surge na sua vida, para estudar?
PA – Tinha o desejo de continuar os estudos superiores e nessa época, em Braga, o clero era abundante. No fim de um ano de vida paroquial, expus ao bispo D. Francisco Maria da Silva a possibilidade de continuar a estudar, o qual não colocou nenhuma dificuldade. Simplesmente perguntei se havia interesse em que assumisse alguma linha especial de trabalho, de investigação, mas ficou ao meu critério. A partir daí, tive de resolver a minha vida, com as dificuldades financeiras próprias.
A partir do segundo ano tive uma bolsa da Gulbenkian e passei a viver com um pouco mais de desafogo. A experiência de gerir bem deu-me muito jeito, nesse momento.
AE – Ser professor nunca foi projeto de vida?
PA – Queria ser sacerdote. Podia estar eventualmente nos planos acompanhar a formação de seminaristas, mas não exclusivamente a carreira académica. Nunca pus de lado o trabalho pastoral, de contacto direto com as pessoas.
A experiência em diferentes contextos ajudou-me a afinar a sensibilidade e o gosto pela beleza, pelo trabalho bem feito, ordenado. O campo da arte vai surgir mais tarde, depois do regresso a Braga e, concretamente, já depois como bispo.
AE – Em Navarra surgiu a oportunidade de ser professor de Teologia em diferentes faculdades. Qual foi a importância de cruzar a Teologia, o ensino da patrística, com os vários saberes?
PA – A minha formação específica foi a Teologia Patrística, portanto, a Literatura Cristã antiga. Em todo este período, dei aulas em diferentes faculdades, que eram aulas facultativas. Isso ajudou-me muito a fazer a ponte entre os conteúdos fundamentais da fé e a vida das pessoas, porque me deparava com as mais variadas situações. Guardo desses anos gratíssimas recordações, pelas relações pessoais, e também pelo esforço, pela perceção que tive da necessidade de tratar os conteúdos de modo a que possam ser percebidos pelo destinatário, para não estarmos a perder o nosso tempo.
AE – Regressou a Portugal também com essas funções.
PA – Foi um pedido expresso do meu bispo, que era então D. Eurico Dias Nogueira, para que regressasse a Braga. É evidente que disse que sim, era esse o meu compromisso como sacerdote, mas foi uma fase difícil. Estava já com uma carreira académica razoável, com alguma intervenção em palcos internacionais, estava a produzir.
Estava com a vida estabilizada e, à partida, sem perspetivas de regresso a curto prazo. Foi uma quebra completa nos meus modelos de vida, ao chegar ao seminário, onde me foram entregues montanhas de disciplinas para as quais eu não tinha feito preparação específica. Eram ambientes novos, trabalhos novos, foram meses complicados que se superaram com a ajuda dos amigos e das pessoas que me foram apoiando.
Só tenho pena de uma coisa: a minha memória para nomes é muito fraca (risos).
AE – Procurava manter um ambiente de proximidade com os seus alunos?
PA – Sim, sim. Eu nunca fugi, no fim das aulas ficava, conversava, ajudava, estava disponível para alguma explicação. Isso era interessante e deixou marcas, para toda a vida.
AE – Acompanhou a formação de vários sacerdotes, no seminário. Como guarda essa experiência?
PA – Com a alegria de ter dado o contributo possível para que estas pessoas pudessem crescer, inclusivamente, também, há pessoas com quem tenho uma excelente relação e que, por diferentes razões, não terminaram o curso. Sempre procurei respeitar as decisões das pessoas.
Alegro-me muito ao ver os alunos crescerem, passarem para além daquilo que pode ter sido o mestre na sua vida.
AE – Foi assumindo depois diferentes missões, concretamente na Faculdade de Teologia, depois na Universidade Católica Portuguesa. Como recorda esse tempo, de instalação da faculdade em Braga?
PA – Era um tempo em que se procuravam dar passos, para que o então Instituto fosse integrado na Faculdade de Teologia, de pleno direito. Foi-me pedida essa colaboração, tinha alguma experiência de organização administrativa que vinha da minha presença em Navarra, e dei o melhor para que esse dossiê fosse preparado. Tive a preocupação de que estivesse presente a Comunicação Social, para dar um pouco mais de peso à nossa proposta e isso ajudou. Acabamos por ser incluídos, os núcleos do Porto e de Braga, na direção da Faculdade, e o doutor Jorge Coutinho continuou na direção.
AE – Ser vice-reitor da Universidade Católica, durante seis anos (1994-2000), ajudou-o a perceber que caminho é que a instituição poderia ter, em Portugal?
PA – Esse foi outro susto, foi o segundo susto, porque não foi fácil a passagem de Braga para Lisboa. Acontece numa fase da vida da Faculdade, em Braga, em que tinha sido um esforço enorme na formação de professores e começaram a aparecer os primeiros frutos desse investimento que se fez.
Fui convidado, disse que não, à primeira. Depois sei que foram feitas uma série de sondagens e regressaram à primeira fase. Recordo uma conversa com D. José Policarpo, como magno chanceler, em Lisboa, já depois desta segunda ronda, em que mantive alguma resistência, por tudo o que implicava de mudança. Ele, em última instância, usou o argumento final, da minha condição de padre e da minha obrigatória disponibilidade para servir a Igreja. Diante disso, aceitei.
As dificuldades que tive nos primeiros meses resultam da mudança completa de ritmo, até porque mantive ainda, durante dois anos, todas as responsabilidades em Braga, com idas à sexta-feira e regressos a Lisboa à segunda-feira. D. José Policarpo teve, desde o princípio, a preocupação de me criar as melhores condições, fez tudo o que estava ao seu alcance.
É evidente que eu conhecia já a universidade, na perspetiva da Faculdade de Teologia, na medida em que vinha de ser diretor-adjunto dessa faculdade. Nunca cultivei qualquer resistência face a Lisboa, ao centro, como às vezes acontece, e passei a olhar para o resto, a ver a universidade no seu todo, não simplesmente como uma Universidade de Lisboa, mas como uma estrutura regionalizada que está no país todo e que deve estar ao serviço do país todo.
Percebi mais claramente o que pode ser, o que vai sendo, o serviço da Faculdade de Teologia à sociedade e à Igreja, no nosso país. Em primeiro lugar, porque uma Faculdade de Teologia é importante para a formação do clero e de agentes de pastoral, mas principalmente como presença da Igreja, institucional, no mundo da Cultura, da Ciência, na sociedade no seu todo. Essa é uma dimensão que, às vezes, mesmo na Igreja, custa a perceber, porque afunilamos a leitura da importância desta faculdade simplesmente na formação teológica. Ela é importante na medida em que souber cultivar valores fundamentais e estiver na sociedade com respeito pelas outras instituições, mas em plano de igualdade.
AE – É importante a formação de professores para a Faculdade de Teologia?
PA – Isso é um sinal da maturidade, mostra que a faculdade soube formar gente capaz de assumir novas responsabilidades. É preciso manter o equilíbrio, que não sejam sempre e só alunos formados por si, mas também continuar a haver abertura a outras procedências, numa sã diversidade.
AE – Como é que olha para a nomeação de D. José Tolentino Mendonça, que era vice-reitor da UCP, para a Biblioteca Apostólica e o Arquivo Secreto do Vaticano?
PA – Recordo, pela relação que tive com D. José Tolentino Mendonça em Lisboa, que estive presenta nalgumas decisões que ele tomou, acompanhei alguns destes passos. O seu crescimento foi-se tornando notório, na sociedade portuguesa, ao longo destes anos e, desde o ponto de vista de perceção global do que é a importância da Universidade, é mais um sinal do seu crescimento e de que a Universidade Católica forma pessoas que vão estando presentes nas mais variadas situações.
É importante ter presente que, neste momento, se dermos uma volta pela sociedade, encontramos em diversos lugares – Economia, Direito, Política – pessoas que passaram pela Universidade e que, independentemente da proximidade com a Igreja Católica, assumem a sua condição de alunos e o fundamental dos valores cristãos que lhes foram transmitidos.
Bispo auxiliar do Porto
AE – Em 2011, o Papa Bento XVI lança-lhe um susto.
PA – O terceiro (risos).
AE – Como é que recebeu a nomeação como bispo auxiliar do Porto?
PA – Recordo os pormenores do dia em que me chega uma informação que se podia pressupor que iria chegar aí: estava em Braga, a despachar com as funcionárias do Museu alguns assuntos correntes, e vêm-me dizer que tinha um telefonema – isto eram 9 da manhã – do senhor núncio…
AE – Imaginou o que poderia ser?
PA – Que poderia ser algo disto. Marcamos uma conversa para a semana seguinte. Entretanto tive de ir a Lisboa, para uma celebração da Universidade Católica, encontrei-me com o senhor núncio, que já me disse do que se tratava e eu fiquei a pensar. Na segunda-feira seguinte disse, pois, vamos a isso.
AE – O que pesou nessa reflexão.
PA – Dito assim de modo breve e simples: apetecer, não me apetecia nada. Já tinha anos de vida, não era um menino, as perspetivas podiam ser mais de descanso do que um novo trabalho. Desse ponto de vista humano, de apetite, não ia por aí. Se calhar há quem não acredite que isto possa ser verdade, mas não ia por aí.
Mais uma vez, o argumento final foi: é isto que a Igreja lhe pede. Mesmo perante a minha ideia de que a idade já não era a mais adequada, foi-me dito que o Santo Padre tinha aceitado essa função com muitos mais anos do que eu. Diante disso, não havia mais nada a dizer…
AE – No coração de padre, quando se confrontava com esta decisão, estava o querer a ser padre, simplesmente?
PA – Sim, sim. No fim de contas, foi ser padre de modo novo e de modo especial. Na ocasião, não tinha uma perceção tão clara de como é que isso se poderia concretizar, mas neste momento já sei, felizmente. Concretiza-se numa relação muito próxima com os sacerdotes, por um lado, e por outro lado – de modo muito particular no contexto das visitas pastorais – é feito num contacto fácil com as pessoas, que me resulta fácil. A passagem da situação anterior a esta facilitou-me a possibilidade desse contacto próximo com as pessoas, com todo o tipo de gente.
AE – Na Diocese do Porto já acompanhou três bispos. Como é que tem sido este trabalho?
PA – As situações são diferentes, na medida em que, no primeiro caso, com D. Manuel Clemente, eu é que fui acolhido, fui excelentemente bem recebido. Depois, quando veio D. António Francisco dos Santos, aí já fomos nós a recebê-lo, no caso concreto, formalmente fui eu recebê-lo, porque era administrador apostólico; tive as primeiras conversas, fiz as passagens de dossiês, estive sempre disponível para dar a minha opinião.
No caso de D. Manuel Linda, foi algo diferente, porque quem tinha assumido a transição foi D. António Bessa Taipa, embora depois tivesse sido feita com cada um, nas conversas que vamos mantendo. São três figuras diferentes, mas são diferenças que enriquecem; não é tanto o bispo que se tem de adaptar a mim, sou eu quem se tem de adaptar a quem está. É isso que procuro fazer, com lealdade, procurando cumprir as funções que são atribuídas.
AE – Ser administrador da Diocese do Porto foi um peso, mais um susto?
PA – Essa não seria a solução mais previsível, sim. Depois, foram 10 meses de governo de uma diocese grande, com problemas, como têm todas. A vida não para, há decisões que têm de ser tomadas, mas existe esse difícil equilíbrio entre o fazer e não fazer mais do que aquilo que se deve, para não invadir o terreno de quem vem a seguir. Esse equilíbrio não é fácil, principalmente quando isso se prolonga por muito tempo. E prolongou-se por demasiado tempo.
AE – Achou que foi muito?
PA – Demasiado tempo. De tal forma que, na reta final, começou a ser particularmente mais pesado. Confesso que a gestão dos primeiros acabou por não ser especialmente complicada, porque sempre tive a leal colaboração dos meus colegas, bispos auxiliares. Nunca tomei decisões que não fossem conversadas com eles.
A parte final foi um bocadinho mais pesada, porque depois começam sempre estas coisas dos “totobolas”, deste, daquele, do outro. Isso gera desgaste. É amanhã, é depois, é daqui a 15 dias… Aí sim, começa-se a ficar sem saber se se há de tomar decisões, o que se faz…
Foi uma experiência diferente. Costumo dizer que as responsabilidades são como o ar quente, que tende a subir. Em última instância, sobe.
Atenção ao Património, Cultura e Comunicações Sociais
AE – Foi em Braga que acompanhou, de forma mais concreta, o trabalho de valorização do património dentro da Igreja.
PA – Sim, de modo muito especial, por sensibilidade e exigência das funções que exerci, fui responsável pelo Cabido da Sé de Braga e, nessa qualidade, diretor do Museu-Tesouro da Sé. Assumi estas funções num momento em que se perspetivava uma mudança radical naquilo que era então, na prática, Tesouro, isto é, guarda de peças. De tal modo que se mostravam às visitas todas as peças de que se dispunham.
Foi aí, por gosto e por necessidade, que tive de fazer formação e fui aprendendo, fui cuidando o meu gosto estético. O Museu-Tesouro da Sé foi considerado o museu com maior visibilidade da Igreja e mantém-se assim, na atualidade.
Aí nesse setor, como noutros setores, já como bispo, em que tive oportunidade de contactar mais de perto, são mundos em que se percebe que temos de estar abertos à totalidade e que as pessoas merecem sempre todo o respeito. Nós não estamos aqui para medir resultados, estamos aqui para fazermos aquilo que se nos pede, para fazer o melhor possível, para semear. Depois, logo se verá.
AE – Encontrou nesse diálogo com a Cultura caminhos que a Igreja podia percorrer?
PA – Sim, percebi de modo mais claro duas dimensões: em primeiro lugar, a obrigação que a Igreja, os seus agentes mais diretos, os sacerdotes têm de respeitar o património, de cuidar do património, de não destruir património; é toda uma formação que se tem de fazer para que o património herdado e o que se está a construir neste momento, corresponda a padrões culturais, de beleza, que estejam ao serviço do Evangelho.
Ao mesmo tempo, as funções que exerci ajudaram-me a perceber que há muitíssima gente a trabalhar no mundo da cultura e da arte que procura, pela via beleza, a Beleza suprema que é Deus. Há campos inesgotáveis, de relação pessoal, de propostas de evangelização, também.
AE – Tivemos a sua presidência na Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais durante dois mandatos. O que recorda desses seis anos?
PA – Foi um tempo muito interessante, mais fácil do que à partida poderia supor, pela simples razão de que os secretariados estavam organizados, tinham diretores, estavam a funcionar. Na prática, têm a sua autonomia, não tem de haver um especial esforço em cruzar os secretariados entre si.
No setor dos Bens Culturais, por causa da minha experiência anterior, era onde me sentia mais à vontade e tem vindo a ser desenvolvido um trabalho de sensibilização, de formação, de atenção às pessoas. Tem havido iniciativas de muito valor.
O setor das Comunicações Sociais, onde está a Agência ECCLESIA, não é fácil, teve algumas fases de crescimento e de alteração de ritmos de trabalho, com tudo o que isso implica. É um trabalho importante, que nunca está feito, no qual se tem tentado encontrar modelos consolidados, o que não tem sido fácil, por parte da Igreja no seu todo, na harmonização de recursos. Há aí uma toda uma série de questões, de problemas que não estão completamente resolvidos.
AE – Mesmo dentro da Igreja, este trabalho na área da cultura e dos bens culturais tem de ser continuamente proposto?
PA – Tem. Concretamente, no setor da cultura, é aquele em que é mais difícil manter viva a chama da presença da Igreja, porque não se trata apenas de fazer iniciativas pontuais, é preciso criar a mentalidade de que estar presente no mundo da cultura é estar presente na sociedade, em todas as instâncias da sociedade. Isto tem uma leitura mais difícil e, por isso, muitas vezes uma sensibilidade menos cuidada.
Dos três secretariados que integram a comissão, aquele onde é mais fácil fazer a leitura da importância e também dar continuidade às iniciativas é o dos bens culturais. Não porque seja mais fácil, mas porque se percebe melhor que isso é importante e é mais fácil de ler o que já está feito.
AE – Este trabalho marcou-o na vivência do que é hoje o seu sacerdócio?
PA – São preocupações que faziam parte do meu projeto de padre, digamos assim. Como é evidente, à medida que os anos passaram e foram aparecendo todas as circunstâncias, estes setores têm uma leitura… A minha sensibilidade hoje da comunicação social e, muito concretamente, da cultura e dos bens culturais, é diferente da que tinha noutros momentos. Em relação à comunicação social, se calhar é onde mais cedo tive a perceção da importância da comunicação.
Já em Braga, tive a responsabilidade, como vigário episcopal, do setor das Comunicações Sociais, numa relação muito próxima com o Diário do Minho.
AE – É hoje o padre que sonhou, há 50 anos?
PA – Estou feliz. Estou feliz, não sonhei o percurso – é o que Deus vai pondo pelo caminho, as pessoas que se vai encontrando -, mas estou feliz e não me arrependo minimamente do passo que dei. Pelo contrário. |