Isabel Figueiredo, diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais
No presente construímos o futuro. Ninguém o pode negar, tal como não se pode desvalorizar o passado, na construção do presente. Há uma continuidade no tempo, que nos pede olhares atentos para aquilo que já deixámos e uma renovada capacidade de ver o horizonte.
Estas evidências aplicam-se às nossas vidas pessoais e familiares, mas também à vida nacional e internacional. Em relação às primeiras, cada um saberá de si, claro, mas sempre nesta certeza de que somos aquilo que herdámos, não apenas do ponto de vista material, mas também da formação que nos foi dada. E aqui, é relevante salientar que não se trata apenas da formação académica, mas também dos valores que vivenciámos, da cultura que apreendemos, da fé que professamos.
Vem-me à memória uma recente chamada de atenção do Papa Francisco, ao falar da formação dos sacerdotes. Dizia o Papa que a literatura era fundamental na formação de um sacerdote. Só a literatura lhes poderia dar a dimensão de humanidade necessária à sua vida de pastores. Fiquei de novo surpreendida com a visão deste Papa, com a sua mundividência, com a sua sensibilidade. Somos cristãos afortunados, por partilharmos este tempo de graça que nos é dado, com este Pedro ao leme da imensa barca que somos. A beleza da literatura, a riqueza das personagens criadas, dos sentimentos expressados, das palavras que procuram descrever vidas que, na sua maioria, têm pouco de ficcionadas. Não ter receio dos pensamentos, das críticas, do arrojo de quem escreve e do que escreve…como precisamos de gente adulta, capaz de ler, de distinguir o bem do mal, de apreender que a vida não é sempre e toda a preto e branco, que os bons não são sempre bons, nem os maus sempre maus. Como precisamos de gente crescida, capaz de sentir compaixão, misericórdia e ternura; capaz de dar vida à palavra humildade, de imitar o Mestre com a consciência de que nunca tal será alcançável, porque somos todos iguais, pequenos e tantas vezes perdidos nas nossas certezas. Dimensões que se jogam na vida pessoal de cada homem, de cada mulher mais ou menos velhos, mais ou menos novo.
Quando falamos da vida nacional e internacional, quando a olhamos com olhos de ver, descobrimos que afinal, não estamos assim tão mal, como nos dizem ou fazem acreditar. Claro que se nos mantivermos fechados na nossa bolha, ou até mesmo na nossa bola de cristal, somos como borboletas sempre às voltas, atraídas pela luz que queima, com as mesmas queixas, lutas e reivindicações. Mas se nos arriscarmos a levantar o olhar para o horizonte do mundo que corre lá fora, encontramos guerras, fomes, desempregos, saúdes precárias, velhices abandonadas, famílias entregues à sua sorte. E não estamos a falar apenas dos países subdesenvolvidos do continente africano, sul americano ou asiático. Porque aí, a lista seria bem mais extensa e detalhada.
Visitei recentemente um país da América do Sul. Destino de muitas férias dispendiosas, de destinos exóticos e paradisíacos. Um país com paisagens luminosas, rico e poderoso. Mas o que vi, foram terras e terras com casas sem qualquer reboco, buracos no lugar de janelas e arame farpado, muito arame farpado a proteger lojas velhas, casas velhas, barracões cheios de carros velhos; vi passeios cheios de gente apressada que vestia umas calças, uma saia, uns chinelos nos pés. Por onde andariam os pais e mães com vidas medianas, aquelas que permitem outra aparência, outro olhar? Onde estariam as ruas de lojas bonitas e cuidadas? Percebi de uma forma nova, o porquê da emigração de tantos, mas tantos, que nos procuram, que fogem, que são tantas vezes enganados. Percebi de outra forma, porque é que se aceita trabalhar sem recibos, ganhar os piores salários, dormir em quartos partilhados, aceitar a exploração das suas vidas. Não temos a noção do que são as vidas miseráveis de milhões de pessoas, que são em tudo iguais a nós e com os mesmos direitos básicos: saúde, educação, habitação; mas que nascem, vivem e morrem desconhecendo o significado destas palavras.
É verdade que a saúde, a educação, a segurança, a habitação, a justiça são áreas onde estamos longe da admiração que temos por tantos países considerados evoluídos e para os quais olhamos com alguma inveja. No entanto, quando se aprofunda a vida real dos menos ricos e dos mais pobres destes países, há sempre surpresas…afinal, talvez o nosso Portugal não seja tão mau como nos fazem crer. Talvez as lutas partidárias se aproveitem de tudo e de nada para conquistar aquele espaço de poder mediático que permita subir numas próximas eleições. Talvez seja possível fazer contas e perceber que entre o que produzimos enquanto país e o que consumimos, há uma enorme distância que nos deve questionar. Aprendi a distinguir o sector primário, do secundário e terciário, quando andava na escola. E nunca entendi como podemos viver e crescer enquanto país, na dependência de apenas um destes sectores. Podem crescer fortunas pessoais e grandes empresas, mas não se cresce como sociedade.
Sei que as respostas a tantas questões não nos devem fazer cair na tentação do queixume, da fatalidade, do «tão pequenos que somos». Esse será o pior caminho que podemos tomar. Precisamos de pensar pelas nossas próprias cabeças. Precisamos de estar atentos ao que se passa no mundo. Precisamos de ter confiança nas nossas capacidades e nas capacidades de outros. Precisamos de ter orgulho na nossa identidade, de não ter medo de reconhecer erros, nem medo de arriscar um elogio ou uma prova de confiança. Sendo que neste ano, para quem tem Fé e escuta as palavras do Papa Francisco, a palavra Esperança ganha uma nova dimensão. Mas esta Esperança não pode ser património dos crentes. Tem de chegar a todos. Tem de permitir recomeçar, refazer, reconstruir, sem distinções sociais, culturais ou económicas. A Esperança que o Papa nos pede, leva-nos às fronteiras mais incómodas do mundo em que vivemos e pede-nos gestos concretos de intervenção e ajuda a quem mais precisa.
Impossível? Utópico? Aborrecido? Enervante? Talvez. Mas o que não pode ser é indiferente. A palavra Esperança não coabita com a palavra Indiferença. Porque se a primeira nos empurra para a frente, a segunda atira-nos para os sofás desta vida, que são tantas vezes, o lugar de tantos que vão opinando sobre tudo e nos desviam o olhar, o coração e o discernimento sobre a realidade. Que 2025 seja o ano em que julgamos por nós próprios, em que nos empenhamos no bem comum e damos testemunho da Esperança num mundo melhor, mais justo, capaz de fazer a Paz e de lutar pelo bem de todos. Nesta luta, o trabalho da comunicação social pede resiliência, discernimento e determinação, na certeza de que o seu valor é inquestionável no anúncio da verdade e na construção de uma sociedade mais justa e fraterna.
Isabel Figueiredo, diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais