2024: Invasão russa da Ucrânia e reacendimento da guerra no Médio Oriente «têm ensanguentado o nosso mundo», afirma José Miguel Sardica

Professor da Universidade Católica Portuguesa faz «revista do ano», evocando aniversário do 25 de Abril, crises políticas e conflitos internacionais

Deslocados internos na Faixa de Gaza
Foto: Lusa/EPA

Lisboa, 30 dez 2024 (Ecclesia) – José Miguel Sardica, historiador e professor da Universidade Católica Portuguesa (UCP), afirmou que o agravamento dos conflitos a nível mundial, nomeadamente na Ucrânia e no Médio Oriente, é uma das marcas do ano de 2024.

“A invasão russa da Ucrânia, e o reacendimento, não é uma guerra nova, mas o reacendimento do conflito no Médio Oriente, têm ensanguentado o nosso mundo”, afirmou o docente, em entrevista que é emitida hoje no Programa ECCLESIA (RTP2).

Citando o Índice Global da Paz (Global Paz Index), José Miguel Sardica salientou que atualmente existem 56 conflitos no mundo, envolvendo direta ou indiretamente 92 estados, que é “literalmente meio mundo”.

“Nós temos, neste momento, o valor mais elevado de mortos em combate, particularmente Ucrânia e Rússia e Médio Oriente, o número mais elevado na Europa desde 1992, ou seja, desde a Guerra Balcânica”, indicou.

Sobre a conflito na Europa, o docente da UCP fala que a sua resolução não será mais do que um cessar-fogo, isto é uma “espécie de guerra congelada”.

“Nós estamos a ver desenvolver-se uma geoestratégia de permanente debate e dúvida sobre se aqueles países no anel fronteiriço com a Rússia pendem para a União Europeia ou pendem para uma acostagem à Rússia, que não será provavelmente a acostagem de apoio ideológico, mas será muito possivelmente o medo”, explica.

No final de 2024, o regime de Bashar al-Assad caiu na Síria, que vivia em guerra há quase 14 anos, apresentando-se um cenário de um “enorme ponto de interrogação neste momento”, constata.

Além das guerras, José Miguel Sardica abordou também a situação em que Portugal se encontra, afirmando que o “Estado está a falhar em muitos aspetos”.

O docente da UCP falava nos dois milhões de pobres que existem em Portugal, referindo que variáveis como esta devem inspirar “uma agenda reformista do Governo”.

“Quando nós temos uma economia em que o salário mínimo se aproxima do médio, dizem os especialistas nisto, nós temos uma situação económica em que a economia não gera empregos”, alertou José Miguel Sardica, que destaca ainda a carga de impostos altos que “não paga serviços públicos bons”.

“E nós vemos isso na saúde, no ensino, justiça, nós temos um Estado que está a falhar em muitos aspetos”, sublinha.
Embora não seja o único responsável por garantir saúde e escola pública, o “Estado é um pilar social fundamental”, realça José Miguel Sardica.

“Precisamos de ter um melhor Estado. Se calhar precisamos de ter um Estado mais pequeno em algumas coisas, e que possa de facto atalhar dois milhões de pobres”, assinalou.

Além disso, o historiador destaca ainda o envelhecimento como uma “bomba-relógio”, que se reflete depois na dependência de dois milhões de pessoas da segurança social.

Espetáculo pirotécnico e drones .promovido pela Câmara Municipal de Lisboa e produzida pela Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC), no âmbito das Festas de Abril, na Praça do Comércio, em Lisboa, 24 de abril de 2024. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

A comemoração do 50 anos do 25 de Abril foi um dos momentos marcantes do ano de 2024 que, segundo José Miguel Sardica, “ofereceu a ocasião não só de evocação cívica, mas também de rememoração”.

O  professor da Faculdade de Ciências Humanas da UCP  salienta o “papel muito importante” da Igreja na conquista da liberdade, descrevendo que havia um movimento de laicado que vinha a “expressar reservas em relação ao Estado Novo”.

“Nós não nos podemos esquecer que o chamado aggiornamento conciliar chega nos anos 60. O catolicismo, grande parte dele, vai envolver-se na contestação à guerra”, lembra.

José Miguel Sardica recorda que “as vozes católicas sentiam de facto um incómodo muito grande, não só em relação à repressão política, mas sobretudo numa agenda internacional que era de desenvolvimento e de paz”.

Portugal não contribuía para o desenvolvimento interno e não dava paz, “antes pelo contrário mantinha uma guerra em África que era militarmente invencível e, portanto, só politicamente solúvel”, realça.

“O catolicismo começa a ser uma voz muito importante de oposição e de uma oposição muito especial, porque não era uma oposição comunista, nem socialista, nem liberal, era uma oposição espiritual, moral ao regime”, indica.

Foto José Sena Goulão/Lusa, Votação do Orçamento de Estado 2025

Volvidos 50 anos do 25 de Abril, Portugal foi a eleições e deu a vitória à Aliança Democrática, nas eleições legislativas.

“O que nós tivemos em Portugal, com as eleições em março deste ano, foi de facto uma alternância política ainda feita ao centro. Se nós pensarmos na extrema-esquerda em Portugal, se pensarmos na direita mais radical em Portugal, ainda temos um centro relativamente forte”, apontou.

Ainda assim, os extremos estão “a emergir”, observa.

Nove meses depois de o novo Governo tomar posse, o docente acredita que 2025 vai ser o teste de que “até que ponto é que a Aliança Democrática fez bem em não abrir colaboração com o Chega” e “só se verá se fez bem se conseguir avançar uma agenda reformista”.

Depois da conquista da liberdade em 1974, “o país continua a precisar de fazer reformas”, “a ter estrangulamentos importantes e, sobretudo, vive num mundo muito mais complicado, numa Europa muito mais frágil e mais complicada”, destacou.

PR/LJ/OC

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Agência ECCLESIA

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