Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Há dias a minha filha mais nova partilhou que ficou admirada com uma das suas melhores amigas. Ultimamente, quando procurava conversar com ela, essa não parava de interagir com o smartphone. Foi uma experiência simples de ”estar a falar para o boneco,” mas será que se está a tornar num hábito que atravessa todas as gerações?
Já repararam como interagir com o pequeno ecrã é a atitude mais frequente entre pessoas que estão num restaurante, ou à mesa de um café, numa paragem de autocarro, ou estudantes enquanto aguardam pela próxima aula? Na prática, a colega da minha filha começa desde cedo a ceder à distracção que se torna habitual na vida das pessoas. Daí a dificuldade que muitos sentem quando querem ouvir alguém e não conseguem. Pensamos que o contrário de ouvir é falar, mas não… é esperar.
”Haverá alguém que seja ensinado a ouvir? É absolutamente espantoso ter como pressuposto geral que a capacidade de ouvir bem é um dom natural que não é necessário exercitar. É extraordinário verificar que em todo o processo educativo nada seja feito para ajudar os indivíduos a aprenderem a ouvir bem.” (Mortimer Adler, filósofo)
Quando outros falam connosco, quantas vezes não repartimos a nossa atenção entre o que dizem e o que lhe iremos dizer a seguir? Porém, a experiência dita que o mais certo é falhar em ambas as coisas. Há um exercício simples que nos ajuda a aprender a ouvir verdadeiramente o outro. É simples, mas não é fácil.
15 segundos.
Quando alguém estiver a falar contigo, não respondas logo, mas espera 15 segundos antes de falares. Não funciona, claro, em todas as conversas, mas naquelas mais profundas ou importantes, não é apenas o silêncio que é de ouro, mas sim a pausa que torna o momento num diamante.
Num estudo publicado em 2000 na Review of Ophthalmology, Judith Lee observou que a maioria dos médicos interrompe os doentes 18 segundos depois de eles terem começado a falar, o que frequentemente não chega para que esses possam explicar o motivo que os levou à consulta. Já viveste uma situação semelhante? Não é a pressa, ou os restantes doentes que estão à espera, são os próprios médicos e muitos de nós que gradualmente temos esquecido o valor de esperar.
15 segundos é um tempo finito, mas infindável diante da partilha do outro para a digerir. Incomoda ter de esperar porque nos transporta até à intimidade, desacelera e favorece a compreensão em detrimento da reacção. Porém, o caminho que a era digital nos empurrou é o de que esperar se tornou muito desconfortável.
O propósito de uma boa conversa é a compreensão profunda do pensamento e experiência do outro e o desenvolvimento saudável de um relacionamento de amizade onde se partilha ou cresce em intimidade.
O silêncio é um ambiente íntimo. Arrefece os ânimos acelerados para entrar na intimidade recírproca com o maior respeito. Pode ser constrangedor quando desconhecemos a razão da espera do outro sem reacção, mas tudo deve ser experimentado com moderação. Há conversas incompatíveis com tempos de espera de 15 segundos, mas talvez 5 segundos seja o suficiente para dar espaço ao outro para se exprimir totalmente. E ainda que sintamos o impulso a reagir, a pausa mais prolongada ajuda-nos, também, a consolidar o que queremos dizer realmente ao outro.
Recuperar as conversas nesta fase da era digital em que vivemos significa trazer, de novo, a profundidade que falta em tantas das nossas conversas. Uma falta que advém do excesso de informação em que vivemos imersos, e que uma pausa pode fazer-nos experimentar quão grande é a riqueza recíproca quando comunicamos entre nós e “comungamo-nos” uns dos outros.
A comunhão é uma mútua íntima imanência que faz parte intrínseca daquilo que significa ser humano. As reacções são insuficientes para estimular uma comunhão profunda que faça crescer e aprofundar os relacionamentos.
A pausa é uma palavra pronunciada na intimidade dirigida à intimidade do outro. Daí que o silêncio de 5 ou 15 segundos numa conversa entre o que o outro diz e nós dizemos possa não ser fácil. É como duas pessoas que entram num elevador e conhecem-se pouco. As circunstâncias obrigam-lhes a partilhar um espaço de proximidade. Não percebem o valor, mas num mundo ruidoso como o nosso, é um modo espontâneo de ouvir sem esperar ouvir algo. É deixar o silêncio falar por nós.