D. Manuel Martins o inesquecível bispo

Eugénio Fonseca

Há textos que são muito difíceis de escrever. Não só pelo muito que se tem a comunicar, mas sobretudo quando do coração transbordam inefáveis recordações. É o caso deste. Não foi fácil saber como começar e muito menos como terminar. Quem conheceu bem e conviveu com D. Manuel Martins deve sentir idêntica dificuldade.

Uma das melhores sínteses que ouvi sobre o 1.º Bispo de Setúbal foi, ao tempo, de um dos autarcas da região sadina. Aconteceu no Mosteiro de Leça do Balio, há um ano, junto da urna que continha os restos mortais de D. Manuel. Disse-me ele: “um caixão tão pequeno para uma estatura tão grande!”Inteligente, livre, corajoso, solidário, compreensivo, sincero, Homem de fé, alegre, compassivo foram as maiores marcas deste ser humano de excelência. São qualidades humanas que se tornam mais exigentes quando assentam numa pessoa que se deixou conduzir pelos apelos do Deus de Jesus Cristo,  surgidos no longo percurso da sua existência terrena e lidos sempre “com o jornal numa mão e a Bíblia Sagrada na outra”. O seu pensamento e atitudes fundamentaram-se sempre na Palavra de Deus, bem como na Doutrina Social da Igreja e tinha como única motivação o respeito, incondicional, pela dignidade de cada pessoa, em particular, das que não têm capacidade para a defender. Como S. Ireneu, D. Manuel sabia que a “glória de Deus era o homem vivo”. Foram infames as distorções que muitos tentaram fazer das suas palavras e ações pastorais, rotulando-o de “vermelho, comunista, exibicionista…”. A maioria desses deveriam ser os únicos a não o fazer. Só quem não conhece ou deturpa a essência do Evangelho pode reduzir um testemunho verdadeiramente cristão a qualquer ideologia. Certo é que o marxismo, e sistemas políticos nele apoiados, nunca teriam nascido se os cristãos, a começar pelos católicos, tivessem sido capazes de manter a “frescura” das primeiras comunidades cristãs.

No dia 24 de setembro do ano passado, pelas 14h05, com a mesma serenidade que demonstrava nas horas mais difíceis da sua missão episcopal, parou o coração de quem amou a todos, mas, de modo mais intenso, os débeis e injustiçados; fecharam-se os olhos que sempre se mantiveram abertos para as aflições dos pobres, dos desempregados, dos que tinham salários em atraso, dos sem casa ou a habitarem em condições indignas, dos doentes sem recursos para se tratarem, dos privados de liberdade, das vítimas de vários totalitarismos; emudeceu-se a voz que ao chegar à Diocese, que lhe tinha sido confiada, disse: “Nasci bispo em Setúbal. Agora sou de Setúbal. Aqui anunciarei o Evangelho da Libertação”.

Por tudo isto, não poderia ter sido melhor o dia da semana, que o domingo, para acontecer a libertação maior que o ser humano pode alcançar, que é a da opressão da morte.

D. Manuel deixou um valioso legado a quem anseia por um mundo mais humano. Sejamos dignos do testemunho deste inesquecível bispo.

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Agência ECCLESIA

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