Voluntariado: José Batalha é voluntário há 55 anos – «Apenas faço a minha parte»

Confederação Portuguesa de Voluntariado distinguiu-o na categoria «carreira» pela longevidade da sua ação que, através das associações de pais, ajuda a construir comunidade

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 20 dez 2023 (Ecclesia) – José Batalha, distinguido pela Confederação portuguesa de voluntariado na categoria «Carreira», por estar há 55 anos ligado a ações voluntárias, pede que os laços comunitários sejam cuidados, convidando cada um a “fazer a sua parte”.

“Faz-me muita confusão, falarmos em comunidade, em comunidade escolar, por exemplo no contexto da escola, e nós não sermos capazes de olhar para os membros da nossa comunidade que estão em situação de fragilidade, e prendermos a mão. Que raio de comunidade é esta?”, questiona, numa conversa com a Agência ECCLESIA.

Com o crescimento dos filhos, José Batalha foi-se envolvendo nas associações de pais das escolas, tendo recentemente deixado a presidência da Federação das Associações de Pais do Conselho de Cascais, e recorda o início de um projeto que desenvolveu através da Associação de Pais da Escola Básica e Secundária Ibn Mucana, em Alcabideche.

“Uma segunda-feira o porteiro da escola disse-me que uma criança tinha desmaiado e quando o professor tentou perceber o que tinha acontecido, a menina, com 13 anos, disse que a comida, em casa era pouca, e tinha deixado o que havia para a irmã pequenina. Nós ouvirmos uma criança com 13 anos a dizer que deixou de comer para que a irmã pudesse comer alguma coisa… Eu telefonei para a presidente da Associação de Pais, na altura, e disse que deveriam ser servidos pequenos-almoços a estas crianças. Mas a Ação Social da escola só paga almoços. E aquilo saiu-me: «A Associação de Pais paga nem que eu tenha que andar ao papel». Assim tenho feito há mais de 10 anos”, recorda.

Com o dinheiro recolhido, a partir da venda de papel, que inicialmente José Batalha recolhia no seu carro próprio e atualmente numa carrinha da associação, conseguem pagar pequenos-almoços mas também óculos, consultas de terapia da fala, uma cadeira de rodas, entre outras ajudas prestadas a alunos que afirma desconhecer a identidade: “Os meus filhos ajudavam-me na recolha do papel e sabiam qual o seu destino mas não precisavam de saber qual a criança que se senta ao seu lado na sala, que vai ser ajudada”.

“Fui criticado por ajudar crianças cujos pais passam a vida no café mas eu estou a dar comida às crianças. A vida já castigou aquela criança por ter um pai ou uma mãe que não sem interessam – não tenho de ser eu a castigá-la também. Eu faço a minha parte, e acho que todos devemos fazer a nossa parte. Aprendi isso com o meu pai. O meu pai dizia-me, nós fazemos a nossa parte – mesmo que os outros não façam a parte deles, isso não pode ser desculpa para nós não fazermos a nossa parte”, recorda.

José Batalha tinha 15 anos quando percebeu as desigualdades sociais que havia e que se manifestavam ao seu lado.

Tinha acabado de fazer 15 anos, quando no último dia de aulas, antes das férias do Carnaval, isto no ano de 1969, o então padre Pinheiro entrou na sala de aula nos Salesianos do Estoril e disse: «Preciso de alguns voluntários para durante as férias construirmos uma casinha de madeira para dois velhotes que vivem na carcaça de um carro. Quem estiver disponível para ajudar esteja amanhã, às 08h00, no bairro do Fim do Mundo, em São João do Estoril». Tudo começou assim”.

Depois da casa de madeira, “3 por 3, com telhado de zinco”, o grupo lembrou-se de pintar um número em cada casa do bairro; no local onde não havia esgotos, saneamento ou eletricidade, os moradores passaram, assim, a poder receber correspondência e mais tarde encontraram naqueles estudantes adolescentes, explicadores empenhados em combater o analfabetismo.

“Eu sou de uma família humilde. O meu pai era pedreiro, analfabeto. Eu era de uma família humilde, mas nunca passei fome, sempre tive um teto. Mas lembro-me que, por exemplo, a fruta que entrava em minha casa era uma banana, ao domingo, e a minha mãe cortava a banana ao meio, metade para mim, metade para a minha irmã. Mas verdadeiramente despertei aos 15 anos, quando fui para o bairro do Fim do Mundo, às 8 horas. Não conseguia imaginar o que era viver na carcaça de um automóvel, duas pessoas”, recorda.

55 anos depois desse episódio, e hoje quase com 70 anos, José Batalha não esquece os rostos “completamente envelhecidos e o olhar morto, de uma vida miserável” que encontrou naqueles dois senhores a viver dentro de um carro” e continua, hoje, a fazer a sua parte para não calar as desigualdades que encontra num “país europeu”.

A conversa com José Batalha pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA na Antena 1, pouco depois da meia-noite, e escutada posteriormente no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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