Vaticano: Papa alerta para o «totalitarismo ideológico» das organizações internacionais e para a «debilidade da democracia»

Francisco reafirmou a necessidade de reforma do sistema multilateral, nomeadamente as Nações Unidas, no encontro de Ano Novo com o Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, e referiu-se às tensões no Brasil «nas últimas horas»

Foto Vatican Media

Cidade do Vaticano, 09 jan 2023 (Ecclesia) – O Papa afirmou hoje que o conflito na Ucrânia acentua a crise que “afeta o sistema multirateral”, sendo necessário reformar as organizações internacionais dominadas por “pretensas posições de ‘progresso’”, e alertou para a “debilidade da democracia”

No discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, Francisco disse que “um sinal de debilitação da democracia é registado pelas crescentes polarizações políticas e sociais”, apontando como exemplo as “crises políticas em diversos países do continente americano”, nomeadamente no Perú e “nestas últimas horas no Brasil”.

O Papa desafiou a “superar as lógicas parciais e trabalhar pela construção do bem comum”, rejeitando a “cultura da opressão e da agressão” em cada comunidade e o “totalitarismo ideológico” nas organizações internacionais.

“Corre-se o risco duma deriva, que assume cada vez mais a fisionomia dum totalitarismo ideológico, que promove a intolerância contra quem não adere a pretensas posições de ‘progresso’, que na realidade parecem antes conduzir a uma regressão geral da humanidade, com violação da liberdade de pensamento e de consciência”, afirmou o Papa.

O conflito atual na Ucrânia tornou mais evidente a crise que, há muito, afeta o sistema multilateral, carecido duma profunda reconsideração para poder responder de forma adequada aos desafios do nosso tempo”.

No encontro de apresentação de felicitações para o novo ano, o Papa Francisco lembrou que é necessário uma reforma dos órgãos que possibilitam o funcionamento do sistema multilateral, “a fim de serem verdadeiramente representativos das necessidades e sensibilidades de todos os povos, evitando mecanismos que deem maior peso a uns em detrimento de outros”.

Não se trata, pois, de construir blocos de alianças, mas de criar oportunidades para que todos possam dialogar”.

Francisco alertou que, nos últimos tempos, “os vários fóruns internacionais têm-se caraterizado por crescentes polarizações e tentativas de impor um pensamento único, que impede o diálogo e marginaliza aqueles que pensam de modo diferente”.

O Papa denunciou a utilização de “recursos cada vez maiores” para impor “formas de colonização ideológica”, nomeadamente aos países mais pobres, “chegando-se aliás a criar um nexo direto entre a atribuição de ajuda económica e a aceitação de tais ideologias”, dando o exemplo do que observou na recente viagem ao Canadá.

É necessário voltar ao diálogo, à escuta recíproca e à negociação, promovendo responsabilidades compartilhadas e a cooperação na busca do bem comum, em nome daquela solidariedade”

No discurso ao Corpo Diplomático, o Papa lembrou São João Paulo XXIII para afirmar que é possível recomeçar projetos de paz a partir de “quatro bens fundamentais”, a verdade, a justiça, a solidariedade e a liberdade.

“Construir a paz na verdade significa, antes de tudo, respeitar a pessoa humana”, sublinhou o Papa, alertando para o dever de todos os Estados de “respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais de cada pessoa”, o que nem sempre se verifica em relação às mulheres, em muitos países “consideradas cidadãos de segunda classe”.

Francisco disse também que “a paz requer, antes de mais nada, que se defenda a vida”, reafirmando a rejeição de “um pretenso “direito ao aborto”, porque “ninguém pode reivindicar direitos sobre a vida doutro ser humano”.

O Papa reiterou também o apelo “para que a pena de morte seja abolida nas legislações de todos os países da terra”, alertou para a “perigosa queda da natalidade”, para a “inaceitável” exclusão da educação que está a acontecer às mulheres afegãs e para a preocupante perseguição por motivos religiosos.

Cerca de um terço da população mundial vive nesta condição. Juntamente com a falta de liberdade religiosa, há também a perseguição por motivos religiosos. Não posso deixar de mencionar, como mostram algumas estatísticas, que, em cada sete cristãos, um é perseguido”.

O Papa Francisco afirmou que “a liberdade religiosa é ameaçada também onde os crentes veem reduzida a possibilidade de expressar as próprias convicções no âmbito da vida social, em nome duma equivocada noção de inclusão”, valorizando o facto do Documento sobre a Fraternidade Humana, que assinou com o Grande Imã de Al-Azhar em 2019, ser referido nos programas das instituições académicas em Timor-Leste.

O Papa Francisco sublinhou ainda a urgência de um Novo Pacto sobre Migração e Asilo na Europa, disse que é preciso voltar a “dar dignidade à empresa e ao trabalho” e a não esquecer o cuidado da casa comum.

Francisco concluiu a audiência com o Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé cumprimentando cada representante dos Estados presente, desejando que seja possível um encontro sem “enumerar as situações dramáticas que afligem a humanidade”.

PR

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