Turismo não é passear

Padre Miguel Neto, Diocese do Algarve

Padre Miguel Neto

Olha-se, quase sempre, para o turismo com o preconceito de que este é a cultura do ócio, do “não fazer nada”, da Silly Season, das férias com tudo incluído em sítios paradísicos, onde não se sai do hotel e não se conhece a pobreza terceiro mundista que habita à volta. Já para não falar que, tantas vezes se pensa que as pessoas que vêm de férias para a nossa terra são ignorantes, não percebem nada disto, damos-lhes qualquer coisa e eles não sabem e ficam encantados. Enfim, o Turismo é visto, por um lado como uma forma de em poucos meses se ter uma oportunidade de negócio fácil e, por outro lado, como algo para quem tem dinheiro e tempo.

A pandemia provocada pelo Covid19 contribuiu bastante para mudar no senso comum estas convicções, que, naturalmente, para quem estuda o tema, não são reais e, sobretudo, para quem trabalha diretamente com estas questões. O turismo é uma oportunidade de conhecimento, de crescer a nível cultural, de enriquecimento humano, abertura de horizontes pessoais, abertura ao outro e a novas culturas. É, quando bem implementado, vivido e dinamizado, não apenas uma face de uma indústria, mas uma atividade do ser humano que o leva a descobrir o mundo, os outros e a si mesmo e que se quer, cada vez mais, uma atividade promotora de identidade, de sustentabilidade, de verdadeiro entendimento da espécie humana.

Eu, particularmente sou a favor de que, num Curriculum Vitae, importa mais o registo da passagem em um qualquer pais, onde estejamos no mínimo 15 dias, do que pequenos certificados de formação de umas horas, ou até de um dia, onde pouco ouvimos, quase não interagimos e, sobretudo, aprendemos de forma diminuta. Nada bate conhecer o mundo através do contacto direto com outra cultura. Isso mesmo nos diz Fernando Pessoa/Bernardo Soares, desde o século passado, no seu Livro do Desassossego, quando afirmou: “Viajar? Para viajar basta existir. (…) As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.” As nossas experiências de viagem integram as nossas histórias de vida, passam a ser quem somos e a alterar tudo o que daí em diante vemos e pensamos. “Ganhamos mundo”, costumo dizer, porque depois de viajar é o mundo que está em nós e nós compreendemos melhor o que sentimos. Todo o enriquecimento humano e cultural que retiramos do turismo que fazemos é o verdadeiro valor de viajar.

Na última viajem de férias que fiz, em 2019, estive na Escócia e, em conversa com o dono de um Pub em Portree, na Ilha de Skye, disse-lhe que não gostava de whisky. Ele respondeu-me que me ia convencer do contrário. De imediato foi buscar uma garrafa, sem rótulo, ou melhor, com uma pequena etiqueta apenas, na qual estava escrita uma data e pôs-me num copo sem gelo. Escusado será dizer que, para além de ficarmos amigos, eu nunca mais bebi um whisky que fosse igual, ou estivesse perto no sabor, na qualidade, porque foi um whisky, mais que provado, sentido. Fiquei, naturalmente, ainda mais interessado pela cultura escocesa. Igualmente podia falar da sensação de em 2007 estar na cidade de Jogajakarta, a cidade cultural da ilha de Java, na Indonésia e rever-me nos traços portugueses da sua cultura e monumentos, mas durante uma semana, na maior parte dos dias e horas, ser o único ocidental que por ali circulava.

Enfim, o turismo faz-nos perceber que a cultura gera imensas diferenças, mesmo dentro próprio país. Mas compreender, definitivamente, que as diferenças nos enriquecem, nos complementam, nos fazem melhores pessoas, se assim o quisermos.

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