Sobre o aborto: É óbvio… então, porque querem fazer-nos crer que não?

Luís Manuel Pereira da Silva, Diocese de Aveiro

Por mérito da Federação Portuguesa pela Vida, o tema «aborto» voltou a ocupar, momentaneamente, as atenções dos portugueses.

Claro que a oleada agenda libertária logo se encarregou de carregar as tintas com que magistralmente logo se oculta um tema quando é perturbador. E uma dessas ‘tintas’ é a de que o tema já só interessa aos radicais e aos mais empedernidos conservadores.

Esquece-se, porém, que quem não conserva deixa estragar, sendo que a história do desenvolvimento humano é, afinal, a história da capacidade do ser humano conservar o que lhe escapa.

Se bem pensarmos, o desenvolvimento humano deu-se sempre que se conseguiu conservar o que, sem determinadas descobertas, se perderia na voragem do progredir do tempo. Assim foi com a escrita, com a descoberta do papiro, do pergaminho, dos meios para conservar a energia, para conservar os alimentos, para conservar a saúde perante as agressões do meio, para conservar, para conservar… Sem conservar, o que é frágil perde-se. E é de fragilidade que se fala, quando nos referimos ao aborto.

Digamos o óbvio, pois alguns pretendem convencer-nos de que a legitimação do aborto é irreversível…

É óbvio que…
…O aborto é a força dos fortes sobre a fragilidade dos frágeis. O que pode um filho perante a força dos que o pretendem eliminar?

É óbvio que…
…um filho não é fruto de um só; como poderá, então, ser direito de um só?

É óbvio que…
…sendo o abortamento a eliminação de um filho, extingue-se, com esse mesmo ato, a mãe e o pai, pois estes só o são porque existia um filho.

É óbvio que…
…a legalização do aborto insensibiliza a sociedade, pois gera a convicção de que a vida de um embrião humano está disponível, contribuindo, deste modo, para explicar as anémicas taxas de fecundidade e os saldos naturais negativos desde 2007 (apenas com exceção de 2008).

É óbvio que…
…de acordo com a declaração universal dos direitos humanos, no seu preâmbulo, a dignidade humana é anterior à liberdade e deve ser respeitada por esta, ao contrário do que parecem fazer-nos crer muitos dos que a invocam para justificar as suas decisões. Não é a liberdade que fundamenta a ética; sendo a sua condição necessária (não há ética de seres não livres), não é o seu critério de ordem material. O critério ético fundamental é o respeito pela dignidade da vida humana. Estaremos perante Estados que desistiram da ética?

É óbvio que…
…o aborto deveria merecer a oposição de todos os que se consideram humanistas, e que reconhecem que a vida humana não pode merecer menos proteção do que a vida de outros seres, em particular os animais, para cuja proteção não se criam leis que penalizam apenas o seu abate, em adulto, mas também o protegem (por exemplo, no caso das aves) desde a nidificação. Abater um ninho de ave protegida é mais grave do que eliminar um ser humano na sua fase embrionária?

É óbvio que…
…numa sociedade em que o critério é ‘cada um fazer o que quer’ resta perguntar quem ‘faz o que deve?’.

É óbvio que…
…quando uma lei (a que legalizou o aborto, em 2007) foi responsável por mais de 250 mil abortos, pela morte de algumas mães na sequência da prática de aborto legal (dado omitido, intencionalmente, pelos media, mas que relatório da DGS relata do seguinte modo, referindo-se a morte ocorrida em 2010: «em 2010, entre as 10 mortes maternas notificadas durante a gravidez e puerpério, ocorreu uma morte na sequência de um aborto medicamentoso, por choque tóxico com Clostridium sordellii), pela ocorrência de sequelas graves (úteros perfurados, sepsis, depressões, etc.), não se pode considerar que se trata de uma lei reveladora de humanismo e genuíno sentido de progresso. Como pode uma lei assim, de um Estado de Direito, ser motivo de orgulho dos que a defendem?

É óbvio que…
…os abortistas têm sabido enredar a sua insensibilidade para com a vida dos filhos ainda não nascidos sob a capa de ‘preconceitos’ que, quando agitados na imprensa, logo dividem a decisão dos que os ouvem. Quem quer ser conotado como ‘insensível’ ou ‘incompassivo’ ou ‘conservador’ ou ‘radical’? A estratégia é dar como assente que todos pensam que o aborto é um bem e insistir, insistir, insistir, até que se considerem uma minoria sem importância os que, obviamente, ainda continuam a perceber que algo não está bem, que não pode ser bom o ato de matar um filho, mesmo que ele ainda não saiba que existe.

É óbvio que…
…a oposição ao aborto não é matéria de uns radicais ou de uns fanáticos, como bem o sabia o inteligente Norberto Bobbio, que se definia como socialista e laico, que afirmava, em maio de 1981, no Corriere della Sera, que lhe causava estupefação que os «laicos entregassem aos crentes o privilégio e a honra de afirmar que não se deve matar», opondo-se ele próprio à legalização do aborto em Itália. Não é para todos esta clarividência…

É óbvio que…
…quem, hoje, tem trinta anos, já foi embrião, sendo que quem é abortado, hoje, jamais terá trinta anos!

É óbvio que…
…uma lei que não é cumprida não passa a ser boa porque legaliza o incumprimento. Sendo o aborto um ato pelo qual os pais matam os seus filhos, na sua fase embrionária, não passa a ser bom porque a lei o desculpa.

É óbvio que…
…quem se opõe à legalização do aborto não é incompassivo ou incapaz de perceber o sofrimento de quem a ele recorre, como o demonstram as ações por si desenvolvidas para acompanhar quem pede ajuda às suas associações, criadas para permitir condições às mães que se sentem impelidas, pelas circunstâncias, a pedir o aborto. Incompassiva é, sim, a atitude dos que dão como resposta para quem se sente impelido para a morte de um filho a legitimação dessa agressão em vez de acompanharem e apontarem outras vias de resposta. É mais fácil legalizar o aborto do que criar respostas longas e duradouras que diminuam as circunstâncias que favorecem o seu pedido.

É óbvio que…
…dizer que se protege um bem sem prever que (e como) esse bem deva ser defendido é uma contradição e não passa de conversa vazia de intenções como as que se diz que enchem o inferno… A despenalização permitiu criar condições para que em torno do aborto outros ‘valores’ se elevassem, muito para além da compaixão para com quem a ele recorre. A legalização despenalizou não só a mulher que o pratica, mas todos os que ganham com o aborto…

É óbvio que…
…um Estado, que reconhece que um filho é um ser a proteger da agressão dos que o rodeiam, cria condições para que a mulher e mãe não fique só na decisão de acolher o nascimento daquele que se desenvolve no seu seio. Um Estado assim responsabiliza o pai e envolve-o neste processo, e não, como acontece pela legalização do aborto, abandona a mulher à sua solidão, entregando-lhe a decisão sobre um filho que foi, afinal, gerado por dois.

É óbvio que…
…se dermos um nome e imaginarmos um rosto que será o do embrião humano em desenvolvimento, jamais o abortaremos, porque o veremos como um ‘tu’ que nos olha, olhos nos olhos e nos pede, por clemência, que o deixemos viver…

Se é óbvio, afinal, tudo isto, então, porque querem fazer-nos crer que a legalização do aborto é assunto arrumado? Não é possível pensar uma sociedade em que todos possam nascer e não fiquem entregues à sorte?

 

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