«Shomèr ma mi-llailah»

Octávio Carmo, Agência ECCLESIA

No início, era a poesia. A Palavra aberta às significações e carregada de sentido.

Serve este pequeno preâmbulo para explicar o título que escolhi, uma passagem do Livro de Isaías (21,11): “Shomèr ma mi-llailah, shomèr ma mi-lell”.

Quanto resta ainda da noite, sentinela?

Quanto da escuridão teremos ainda de suportar?

Pedindo perdão pela liberdade poética na tradução, pergunto: quantas pessoas poderiam, hoje, repetir este grito? Quando chegará, por fim, a luz às suas vidas? Quem vigia sobre as suas noites, com atenção comprometida? Quem dará voz ao seu silêncio?

No tempo das redes sociais e da hiperdigitalização, as palavras atropelam-se. Parece que tudo o que é dito tem de ter valor absoluto, para poder ser ouvido – sacrificando elementos fundamentais da relação, como o silêncio, a escuta ou até a dúvida.

Somos vítimas de muitos males, que não se resolvem com o excesso das palavras. Vale a pena reaprender que, como as aves, tudo o que é dito também tem o seu voo: precisa de tempo para pousar, é certo, mas outras vezes tem de partir imediatamente.

Se não aprendermos esta gramática do percurso, temo que os nossos esforços estejam condenados ao fracasso. E que a madrugada mais escura não dê lugar a um dia novo, mas apenas a uma pausa entre noites.

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