Setúbal: Homilia de D. Américo Aguiar na Missa da «Ceia do Senhor»

Foto Diocese de Setúbal/Ricardo Perna

Irmãs e irmãos em Cristo, saudações fraternas a todos, todos, todos.

Releio palavras que acabamos de ouvir:

«Falai a toda a comunidade de Israel…

Se uma família for pequena junte-se ao vizinho (…) toda assembleia da comunidade de Israel o imolará (… ) comereis a toda a pressa: é a Páscoa do Senhor. Esse dia será para vós uma data memorável. Festejá-lo-eis de geração em geração como instituição perpétua.»

«O Senhor Jesus na noite em que ia ser entregue tomou o pão (…) tomou o cálice (…) todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha.»

«Antes da Festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora (…) Ele que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim (…) começou a lavar os pés aos discípulos (…) se não tos lavar, não terás parte comigo.»

Ler a Palavra de Deus leva-nos até àqueles dias, Situa-nos no tempo e no espaço, porque a Palavra é Vida, real, vivida entre homens e mulheres em tudo iguais a nós.

Mas compreendemos realmente, o que ouvimos proclamar em cada uma das leituras? Compreendemos apenas com uma escuta atenta, ou permitimos que a Palavra ressoe no coração aberto que nos trouxe até aqui, hoje, neste dia de chuva e de vento?

Para tudo na vida precisamos de disponibilidade, isto é, de estarmos dispostos a, de estarmos sem receios, nem desconfianças, nem outros pensamentos. Precisamos de ter os olhos abertos, o coração atento. Hoje e aqui, não num dia distante, não quando for possível…

No tempo de Jesus, as dificuldades e fragilidades humanas eram muito semelhantes às do nosso tempo. Por isso foi o próprio Jesus quem disse: «compreendeis o que vos fiz? Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também. Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz» (Jo 13, 12-15).

É este o exemplo do Senhor que temos de ver e ouvir. Ele que é o Filho de Deus, ajoelha-se e lava os pés de outros. Aquele que está mais elevado deve estar ao serviço dos outros. Para lá do que aconteceu naquele momento, naquele encontro entre Jesus e os Seus discípulos, precisamos de reconhecer a força deste símbolo, deste sinal. Lavar os pés significa: “eu estou ao teu serviço”.

E entre nós? Não se espera que devamos lavar os pés, todos os dias uns dos outros… mas qual é o seu significado? Significa que nos devemos ajudar verdadeiramente uns aos outros.

Às vezes, todos podemos pensar mal de alguém, deste colega, daquele familiar… mas o que nos é pedido é que sejamos capazes de esquecer, como ouvimos dizer: “deixa para lá, deixa para lá”

E se essa pessoa te vier a pedir um favor, fá-lo. Fá-lo sem maus pensamentos, sem ressentimentos. Digo-vos isto, partindo da minha própria experiência de vida. Porque acredito profundamente que ajudarmo-nos uns aos outros, com o coração leve e sem fazer muitas contas às queixas, razões, e faltas de razão é o que Jesus nos ensina e nos pede.

E acreditem que é isto que eu faço, e o faço de coração, porque não só é o meu dever, mas porque foi e é a escolha da minha vida, feita em total liberdade e num desejo honesto de caminhar pelos passos de Nosso Senhor.

O Papa Francisco, numa Celebração da Ceia do Senhor, disse as palavras que vos quero repetir hoje e aqui: «Como sacerdote e como Bispo, devo estar ao vosso serviço. Mas é um dever que me vem do coração: amo-o. Amo-o e amo fazê-lo porque o Senhor assim me ensinou. Mas vós também, ajudai-nos: ajudai-nos sempre. Um ao outro. E assim, ajudando-nos, faremos o bem para nós mesmo.» (Papa Francisco, Missa da Ceia do Senhor 2013)

Mas voltemos àquela Festa, que levou Jesus e os seus discípulos até Jerusalém. Bem sabemos que a Páscoa marca na mente e no coração dos judeus a libertação da escravidão. Naquele dia tudo se preparou para a grande festa da Páscoa, como ouvimos recentemente no relato da Paixão. Jesus quis celebrar a Páscoa com os seus.

Quando visitamos a Terra de Jesus, é habitual termos a graça de poder visitar a “Sala do Cenáculo” onde Jesus e os discípulos celebraram a Páscoa. Também sabemos que tudo estaria a correr conforme aos ritos de então, mas quando Jesus tem palavras e gestos fora do “guião”, todos os presentes, atentos, começaram a estranhar as saídas do ritual. Jesus, o Filho de Deus disse palavras e teve gestos diferentes, únicos… gestos que até “hoje” se fazem.

E a leitura dos Evangelhos diz-nos que os discípulos, a começar por Pedro, foram reagindo a acolhendo o que não conheciam nem entendiam. Perante a insistência do próprio Jesus que os questionava «compreendeis o que vos fiz?».

É bom que todos os dias, sempre que nos reunimos em assembleia para celebrarmos a Eucaristia, nos interroguemos de verdade: compreendemos o que Jesus “fez” e “faz” por mim, pelos meus, por aqueles de quem gosto muito ou não gosto nada?!

Estou certo de que tenho, temos muito para compreender e para assimilar no nosso coração fazendo resplandecer no nosso rosto aquilo de que os nossos irmãos necessitam para que sejamos O rosto do Ressuscitado.

Nas sacristias das capelas e oratórios da Irmãs da Caridade encontramos sempre um pequeno cartaz que nos lembra, a nós Padres, o seguinte: “Celebra esta Eucaristia como se fosse a primeira, como se fosse a única, como se fosse a última”. A primeira, até nos podemos recordar, assim como nos podemos recordar da nossa Primeira Comunhão. A única, conseguimos talvez imaginar. Mas a última? Se hoje fosse a última vez que nos pudéssemos reunir para Celebrar, para Consagrar e Comungar o Pão Vivo descido dos céus?

Penso muitas vezes nos nossos irmãos que sobrevivem na Ucrânia. Estive lá. Rezei junto dos mortos, celebrei junto dos vivos. Como estarão a viver esta Páscoa? … como estará a ser vivida a Páscoa na Terra de Jesus?

Compreendemos Jesus de verdade? Compreendo Jesus de verdade?

Foi Ele que disse, é Ele que nos diz: «Dei-vos o exemplo. Fazei vós também.» Façamos …. Sejamos.

Termino com as palavras do nosso saudoso Papa Bento XVI, na Missa da Ceia do Senhor, na Páscoa de 2006: «Senhor, Tu nos entregas hoje a Tua vida (…) Enche-nos do Teu amor. Faz-nos viver no Teu “hoje. Faz-nos instrumentos da Tua Paz. Ámen.» (Papa Bento XVI, Missa da Ceia do Senhor 2006).

Este é o tempo de nos darmos por inteiro ao povo que nos está confiado e de nos darmos uns aos outros como irmãos.

Que Nossa Senhora da Graça rogue por nós.
+Américo, Cardeal

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